Luanda - Nos últimos tempos, multiplicam-se informações sobre práticas ou condutas pouco abonatórias praticadas por influentes membros do Poder Judiciário e de instituições executivas muito ligadas à administração da Justiça que comprometem assustadoramente a credibilidade da justiça em Angola. O silêncio a que se assiste por parte das altas instâncias do Estado angolano, a quem incumbe esclarecer a veracidade, ou não, destas denúncias, dá azo a múltiplas interpretações que, longe de contribuírem para a credibilização das instituições, apenas ajudam a adensar ainda mais a fumaça que se levanta.


Fonte: NJ

Verdade ou Cabala?



Estamos a falar, concretamente, da enxurrada de informações que associam o nome do juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo a práticas e tomadas de decisão que, como diz a Associação de Juízes de Angoa (AJA) em nota pública, "a serem provadas, chocam de forma flagrante com a ética e a integridade exigida dos magistrados judiciais". Também povoam, sobremaneira, o nosso ecossistema informativo actual, com destaque para as redes sociais, notícias ou denúncias que nem sequer são anónimas, do envolvimento de altos responsáveis do Ministério do Interior e do Serviço de Investigação Criminal no tráfico internacional de drogas. Essas últimas denúncias ganharam contornos alarmantes com o episódio recente do desaparecimento do navio Simione na unidade da Polícia Fiscal da Ilha do Cabo, em Luanda, onde se encontrava atracado na sequência de um mandado de busca, revista e apreensão, emitido pelo Ministério Público junto do SIC. Tendo desaparecido em Novembro de 2022, sem que as autoridades, a quem foi confiada provisoriamente a guarda do navio tivessem dado conta, a embarcação apareceu em águas marítimas espanholas com uma carga "explosiva" de 3,3 toneladas de cocaína.


Para polir ou, se calhar poluir, este quadro triste que caracteriza, actualmente, a Justiça no nosso País, podemos aqui incluir a situação demissionária do procurador-geral da República, Hélder Pita-Gróz, segundo se diz, após uma tentativa falhada de manipulação do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, no sentido de reconduzi-lo ao cargo, evocando, para o efeito, o nome do Sr. Presidente da República. O quadro incaracterístico da nossa Justiça está ainda polvilhado por informações recentes que apontam a juíza-conselheira presidente do Tribunal de Contas por malversação de dinheiros públicos utilizados essencialmente para suportar uma vida verdadeiramente nababesca que escolheu para si. Com dinheiro público? Sim, logo ela que preside à instância encarregada do controlo jurisdicional das finanças públicas... Perante esta avalanche de informações que comprometem o Poder Judicial como um todo, a atitude das altas instâncias do Estado aproxima-se mais de indiferença, leniência e, nalguns casos, de afronta da opinião pública, como parece ter sido o caso quando determinado responsável do SIC com a imagem chamuscada pela torrente de denúncias foi simplesmente promovido pelo Presidente da República. Enquanto isso, o visado juiz parece desdobrar-se mais e mais no esforço de replicar o milagre da multiplicação dos pães, segundo diversas fontes, uma atitude que parece querer passar a mensagem "...os cães ladram, mas a caravana passa", sintoma de soberba e arrogância que são contrárias a probidade que deveria estar patente nas altas figuras do Estado.


Justamente no momento em que traço estas linhas, entra-me telefone adentro uma notícia que diz "Presidente da República, RETIRA confiança política a Exalgina Gamboa em reunião mantida há instantes na cidade alta"! (Notícia por confirmar).


O que a sociedade pretende não é um julgamento em hasta pública que fere gravemente o princípio da presunção de inocência defendido pela nossa Constituição. A sociedade espera, sim, por aquilo que foi verbalizado com perfeição pela Nota Pública da AJA, que já fizemos alusão que é "...a necessidade de ressalvar a credibilidade no sistema judicial ... e assegurar que os mecanismos legais existentes dentro do Poder Judicial e de instituições do Estado com atribuições para a necessária averiguação, não se omitam das suas atribuições legais, para que sejam esclarecidos os factos, reposta a verdade, salvaguardando-se a imagem e a credibilidade dos tribunais" (e nós acrescentamos) e demais instituições do Estado. Neste sentido, os principais visados por esta torrente de informações deveriam ser os mais interessados em ver os factos esclarecidos, o que só é possível mediante investigação aturada e isenta, pois, como se sabe, nem sempre o que parece é, de facto. A atitude dos visados deveria, assim, ser a de se colocar em posição que viabiliza esta investigação, cooperando amplamente, mesmo que isso signifique a suspensão temporária do cargo ou mesmo a demissão. O que está em causa como valor é bem maior do que os interesses particulares, se considerarmos que a credibilidade destas instituições e a administração da Justiça são pilares fundamentais do Estado Democrático e de Direito que pretendemos ver implantado de jure e de facto em Angola.


Por seu turno, o Sr. Presidente da República, cuja ascensão à mais alta magistratura do Estado se ficou a dever, em grande medida, à promessa de um combate sem quartel à corrupção e à impunidade, deveria ficar preocupado em verificar que instituições que deveriam estar na vanguarda desta luta estão a tornar-se também elas no epicentro da corrupção, pelo menos a julgar pela enxurrada de notícias negativas que nos têm chegado ultimamente. Assim sendo, ver removida esta densa cortina de fumo que as envolve deve ser do interesse absoluto do Sr. Presidente que poderia, assim, descobrir algumas das razões que determinaram o descalabro do combate anticorrupção.


Porém, quando vemos alguns casos que são apontados ao juiz Joel Leonardo, como, por exemplo, a "despronúncia" do general Higino Carneiro, nos termos em que foi feita, fica claro que o comportamento sinistro atribuído àquele juiz-conselheiro tem muito a ver com trocas de favor, ou pelo menos, cedências a interferências grosseiras do Chefe de Estado no Poder Judicial. Também a forma como Joel Leonardo viabilizou a eleição de Manuel Pereira da Silva "Manico" como presidente da CNE pela Assembleia Nacional deixou clara esta troca de favores entre João Lourenço e Joel Leonardo, o que desmoraliza o Chefe de Estado para assumir uma acção de repreensão do juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo. Pode-se, portanto, afirmar que João Lourenço foi responsável, com os seus actos reiterados, por minar a independência dos poderes, constitucionalmente garantida e enterrar definitivamente a sua estratégia de combate à corrupção e à impunidade.


Foi possível chegar a esta situação-limite porque foi introduzida uma disfunção importante no funcionamento do Estado ao ser ultrajado o princípio da separação de poderes, assegurando, todavia, a sua interdependência. A forma leviana como foram desrespeitados os limites constitucionais entre os diferentes poderes sugere a necessidade de reformas constitucionais que impeçam o Chefe de Estado de interferir materialmente e tão grosseiramente em outros poderes. Esta reforma foi evitada por João Lourenço, exactamente para ser permitir estas manipulações no funcionamento do Estado que resultaram num retardamento acentuado do nosso processo democrático e no redundante fracasso do combate a corrupção e a impunidade que João Lourenço se havia comprometido desenvolver.

 

Por isso, o que está por trás desta enxurrada de notícias que afectam contundentemente o Poder Judicial é algo bem mais profundo, que urge esclarecer para bem do fortalecimento das instituições republicanas que garantem a estabilidade política em Angola. Assim, a questão de saber se a UNITA tem direito de pedir a demissão de Joel Leonardo antes que se investiguem os factos denunciados é irrelevante, perante a necessidade de credibilizar e repor a imagem das instituições para o bem da estabilidade política.