Lisboa - A atual conjuntura sociopolítica e as deficientes condições de acesso à saúde e educação de qualidade em Angola estão a levar muitos a emigrar para Portugal. E a procura por vistos é crescente.

Fonte: DW

Todos os dias chegam a Portugal, pelo aeroporto de Lisboa e Porto, voos provenientes de Luanda com muitos angolanos. Uns vêm de férias e em negócios e outros saem de Angola para vir tratar da saúde ou em busca de uma vida melhor.

Jorge Gonçalves Pereira, um dos recém-chegados a Lisboa, faz parte desta nova vaga de imigrantes angolanos. O radialista, de 51 anos, deixou o país natal há cerca de sete meses, depois da perda, no ano passado, do tio que o criou.

"Do ano passado para cá, eu só pensava nisso, em emigrar. Decidi mesmo deixar Angola para dar outra qualidade de vida às minhas filhas. Estou cá com três filhas, duas menores e uma adulta de 22 anos. Então vim cá à procura de melhores condições para elas", admite.


"Era impensável sair de Angola"

Apesar de ter tido uma infância difícil, para Jorge Pereira "era impensável sair de Angola", mas a situação política e, sobretudo, o agravamento do nível de vida, com a subida substancial dos preços dos produtos básicos, obrigou a isso.

"O que eu passei na minha infância em Angola, os meus filhos não podem passar, principalmente as meninas. Elas mal chegaram, matriculei-as. Estão a estudar. Estão a gostar do ensino aqui e nem querem mais trocar de distrito. Querem continuar aqui na Amadora", conta.

Lígia Mendes, 47 anos, era jornalista em Angola. Admitia, por força do marido também imigrante, que "as coisas iriam melhorar" com a eleição do Presidente João Lourenço, em 2017. Com a morte do pai, decidiu vir para Lisboa com quatro crianças, há precisamente cinco anos, também em busca de novas oportunidades.

 

"Eu já pensava em emigrar por ver a situação precária em que estava a viver. Não havia sítios de lazer para levar os meus filhos, não havia jardim zoológico e isso me fazia refletir", diz Lígia que juntou os três filhos e um sobrinho, pediu o visto e emigrou.

"[Foi] difícil porque só trouxe 100 euros na mão", recorda.

 

Muitos motivos para emigrar

Lígia diz que falta de uma assistência médica adequada também foi um motivo para ela deixar Angola. "Sem falar também da educação, que é muito precária, associada a outras coisas", acrescenta.

O processo de integração não foi fácil, mas hoje Lígia vive em família numa casa arrendada, e os filhos estão a estudar com sucesso. O sobrinho, que já completou a faculdade, faz agora um estágio para entrar no mercado de trabalho.

Lígia faz embalagens de catering para a aviação e Jorge Pereira trabalha como técnico de manutenção num hotel. Dizem que, aos poucos, notam mudanças de vida de acordo com os objetivos que os trouxeram a Portugal.

Jorge admite, no entanto, que ainda não está "bem posicionado". "Com tempo, com a fé de Deus, acredito que vou conseguir [algo melhor], porque aqui há mais oportunidades para progressão", diz.

 

E, para já – acrescentam Lígia e Jorge – o regresso a Angola está fora de questão, a não ser que seja para ir tratar de algum assunto pontual.

Alta demanda de vistos

Estes e outros angolanos ouvidos em Lisboa pela DW confirmam que, devido à situação do país, todos os dias há longas filas no Consulado de Portugal em Luanda para obtenção de vistos. "As coisas pioraram socialmente; não há emprego para os jovens. Está muita gente a tentar vir", afirma Lígia Mendes.

Há inclusive mulheres grávidas que, por falta de condições adequadas de atendimento local, preferem deslocar-se a Portugal ou países vizinhos para terem acesso a um melhor serviço de parto, confirma o economista angolano Jonuel Gonçalves: "Temos gente assim na fronteira, na Namíbia. Preferem ter o filho namibiano. Que ele fique cidadão namibiano".

O autor do livro "Economia e Poder no Atlântico Sul", entre outros títulos, olha para este fenómeno, "que não é novo", com alguma apreensão, afirmando que, neste momento a emigração de angolanos é pouco explicável, "porque, realmente, as condições de funcionamento da economia angolana não apontariam para uma saída tão massiva assim como está a acontecer a nível de quadros".


"Há uma frustração"

"Há realmente uma frustração da parte de vários jovens quadros que sentem que o país não está a abrir as oportunidades de que eles precisam para se realizarem. E eles têm já um horizonte visual que é muito bem informado. [Sabem que] tem outros países do mundo onde [podem se] projetar ou ter pelo menos um conjunto de nível de vida compatível com a formação que [adquiriram]", avalia.

Jonuel Gonçalves considera que, apesar de haver atualmente mais liberdade de informação, Angola parou "de há muito tempo para cá" no que toca a oportunidades e resolução dos problemas sociais, contrariamente ao slogan lançado pelo Presidente João Lourenço: "melhorar o que está bem e corrigir o que está mal".

O economista diz que esta saída de quadro deveria servir de alerta para se tomar em conta os fatores que levam a esta nova vaga de emigração. Por outro lado, avisa: "Quanto mais quadros saírem mais difícil será implementar programas económicos com efeitos sociais positivos".