Luanda - I. INTRODUÇÃO - Consideramos o presente tema, “A Influência das Novas Tecnologias Na Guerra”, de grande actualidade, a qual reside no facto de, de forma geral, estar a ocorrer um processo de reforma das Forças Armadas dos países africanos, o que ocorre num ambiente estratégico completamente diferente daquele em que se criaram e desenvolveram, muitas delas sob infuencia de um pendor doutrinal das Forças Armadas do antigo Pacto de Varsóvia.

 

Ainda assim, é de referir que este processo de reengenharia pelo que passam as Forças Armadas dos países africanos, ocorre num momento particular da vida da humanidade, aquele em que a Sociedade Industrial dá lugar à uma nova, a Sociedade da Informação.

 


O âmbito do trabalho de investigação aqui apresentado será a preparação das Forças Armadas dos países africanos para se adaptar às novas condições de desenvolvimento das operações militares, num ambiente totalmente influenciado pelas novas tecnologias de comunicação e informação.


Especialmente, procuraremos desenvolver as teorias sobre a Guerra da Informação, tanto na sua vertente mais estreita, denominada por Guerra de Comando e Controle como na vertente mais ampla, aquela que talvez venha a brindar as principais características das guerras do século XXI.

 

Com o presente trabalho pretendemos indicar, se não caminhos a seguir, pelo menos, elementos que poderiam ser tidos em consideração no momento das nossas Forças Armadas definirem tanto os seus novos conceitos estratégicos como os mecanismos (conceitos e teorias) da sua implementação.


O presente trabalho está condicionado pelo dinamismo da própria vida e a incerteza que, em vez de diminuir, aumentou no novo ambiente estratégico.


Condiciona ainda o presente trabalho, a necessidade da definição e teste (ainda que somente em “laboratórios” desenhados para o efeito), dos conceitos operacionais que melhor se adequem à implementação de uma Doutrina para as Forças Armadas nas diversas condições dos países africano.


O trabalho que apresentamos foi ainda condicionado pelo tempo disponível para a sua realização, dado que realizado no meio de muitas outras actividades tanto de estudo como do quotidiano profissional; assim como pela quantidade de páginas recomendadas e pela quantidade de material já existente sobre a matéria, sendo a maior parte dele pura especulação teórica. Assim, desde já pedimos que nos desculpem o não aprofundamento devido a todas as matérias.


A maior parte do material utilizado para a investigação foi obtido através da Internet, especialmente de fontes do Exército e Força Aérea dos Estados Unidos da América, assim como do Exército e Marinha do Brasil, para além, de jornais e revistas militares e civis espanholas e argentinas.

 


II. A ERA DA INFORMAÇÃO E OS DESAFIOS ÀS FORÇAS ARMADAS

 


Há alguns anos, mais cedo ou mais tarde consoante mais ou menos industrializados os países, iniciou-se um fenómeno a que Alvin Toffler1 chamou “a Terceira Vaga”, isto é, o declínio da Sociedade Industrial e a sua substituição por outra hoje denominada de “Sociedade de Informação”; a terceira, depois da Sociedade Agrária, que teve o seu fim mais ou menos no início do século XIX, e da Sociedade Industrial.


Efectivamente, o declínio da Sociedade Industrial, fundamentado no declínio das regras e princípios em que a mesma assenta: a estandardização, a especialização, a sincronização, a concentração, a maximização e a centralização, já não tão difícil de apreciar a olho nu, está a deixar lugar a outro tipo de Sociedade, em que são patentes outros princípios tais como: a desmassificação da Economia, a desmassificação dos Meios de Comunicação Social, a descentralização, a desestandardização e a desincronização.

 

Assim, aquilo a que podemos denominar de “desmassificação da civilização”, e que os Meios de Comunicação Social simultaneamente reflectem e intensificam, traz consigo um enorme salto na quantidade da informação que todos nós trocamos uns com os outros. É esse aumento de informação que explica por que razão nos estamos a tornar numa Sociedade de Informação.

 

Tão verdade é o anteriormente dito que, tomando como exemplo a imprensa, hoje dificilmente se pode falar em Meios de Comunicação de Massas (mass media), pois estes se estão a constituir em mini cadeias, que emitem para franjas cada vez mais pequenas de pessoas,


com os mais variados gostos. Por outro lado, ao mesmo tempo, em vez de, como num passado recente, enviarem uma cadeia de ideias organizadas e sintetizadas, emitem “pedaços” de informação em forma de anúncios, teorias, trechos de notícias, em suma, elementos de informação que têm que ser elaborados por quem os ouve.


Também fácil é hoje notar que se está a passar da produção em massa para a produção em pequena série e, mais do que isso, alguns estão já a encaminhar-se para a produção “por medida”. Da mesma forma, os horários de trabalho estão a deixar de ser fixos para ser flexíveis, as novas tecnologias estão a permitir que, em vez de todos se deslocarem ao trabalho e entrarem à mesma hora, cada vez mais pessoas possam trabalhar sem se deslocar de casa, atacando princípios tais como a pontualidade e sincronização, baseados na presença física. Ora, essa “desmassificação” da civilização, que nos torna cada vez mais individualizados, faz-nos necessitar de cada vez mais informação sobre as outras pessoas e organizações em que se integram, para que, ainda que grosseiramente, possamos prever o seu comportamento em relação à nossa pessoa ou à nossa organização. Desta forma, as pessoas e organizações anseiam cada vez por mais informações e, consequentemente, os sistemas começam a pulsar com fluxo de dados cada vez mais elevados.


Esta é a Sociedade de Informação, cujos novos padrões afecta tudo e cada um de nós, e necessariamente, o ambiente operacional em que actuam as Forças Armadas.


A “desmassificação” da civilização, e a cultura de “pedaços de informação” em que assenta esta nova Sociedade, obriga-nos hoje a um esforço maior de integração, de imaginação, de recriação permanente da realidade, e do estabelecimento da relação entre as coisas, o que provoca só por si o aumento da incerteza, desde sempre a realidade mais constante da guerra.


Sendo cada vez maior o volume de dados a que estão submetidas as organizações da Era da Informação, especialmente as suas Forças Armadas, elas têm que se munir de mecanismos e equipamentos que lhes permitam absorver tais dados, transformando-os em informação útil não só à sua sobrevivência mas também ao seu desenvolvimento. Desta forma, porque pode recordar e interrelacionar grandes números de forças causais, o computador e todo o sistema que ele proporciona, aquilo a que se convencionou chamar de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), pode ajudar-nos a lidar com tais problemas a um nível mais profundo do que qualquer indivíduo o faria.

 

Longe estamos de pretender afirmar que o computador, ou as Tecnologias de Informação e Comunicação, é o mais importante ente da Sociedade de Informação, até porque somos de opinião de que a tecnologia, por si só, não é a força motriz da história, assim como não o são, por si só, as ideias ou os valores, ou a luta de classes.

 

Pretendemos tão-somente afirmar, que podendo reunir “pedaços” em todos maiores, se lhe fôr dado um conjunto de conjunturas ou um modelo, o computador pode simular as consequências de decisões alternativas e fazê-lo de forma mais sistemática e completa do que qualquer indivíduo o poderia, normalmente, fazer. O computador pode até sugerir soluções imaginativas para certos problemas, identificando novas ou até então não percebidas relações entre pessoas e recursos, sendo por isso uma ferramenta a considerar na sociedade para a qual, cada vez mais profundamente, avança a humanidade.

 

O acima referido leva-nos inexoravelmente a concluir, que os fluxos de dados que actuam hoje como fonte de energia das organizações, ao não serem devidamente geridos, de forma a se transformarem em informação que alimente os sistemas, tais como as Forças Armadas, provoca, sem sombra de dúvidas, a morte dos mesmos, porque os deixa cegos, sem capacidade de previsão dos comportamentos tanto das forças adversários como das amigas, originando posicionamentos incorrectos que, por sua vez, dão origens a choques desnecessários, alguns dos quais fatais. Tal situação apresenta-se às Forças Armadas da Era da Informação, simultaneamente, como um desafio e uma oportunidade permanente, tornando cada vez mais verdade o ensinamento de Mao Tse-Tung1 , segundo o qual: “De forma a obteres a vitória, tapa os olhos e os ouvidos ao inimigo, tornando-o cego e surdo, cria a confusão nas mentes dos seus comandantes tornando-os loucos”.

 


III. O NOVO AMBIENTE ESTRATÉGICO

 

A. BREVE CARACTERIZAÇÃO

 

A II Guerra Mundial havia dividido o mundo em dois blocos político-militares, o Socialista e o Capitalista, liderados respectivamente pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e pelos Estados Unidos da América (EUA).

 

O ambiente estratégico estabelecido no fim da II Guerra Mundial, denominado como período da “Guerra Fria”, por se basear num estado de tal equilíbrio (nuclear) entre as potências da época que nenhuma ousava iniciar uma guerra directa contra as outras, fazendo com que a coação se passasse a revestir fundamentalmente da forma diplomática, económica, política interna e psicológica, caracterizava-se pelos seguintes factos:


• Os inimigos eram previamente conhecidos;


• Os aliados estavam perfeitamente definidos;


• As estratégias e os planos de batalha estavam preparados com antecedência.


Assim, alguns autores afirmam que, o fim da II Guerra Mundial estabeleceu um ambiente estratégico em que tudo no mundo estava “congelado” no seu lugar.


Com a queda do “Império Soviético”, e particularmente, a queda do muro de Berlim, em 1989, que assinala o fim da “Guerra Fria”, e consequentemente, do status quo que a caracterizava, inaugurou-se um novo ambiente estratégico, unipolar desde o ponto de vista militar, e multipolar em termos económicos, isto é “unipolicéntrico” liderado pelos Estados Unidos da América.

 

No actual ambiente internacional, nascido com o fim do período da “Guerra Fria”, não se vislumbra ainda aquilo a que chamariamos de uma Nova Ordem Mundial. Pelo contrário, estabeleceu-se um ambiente de progressiva desestabilização a que Chris Morris e Janet Morris1 apelidaram de “idade do caos”.


Nesse novo ambiente internacional, assistimos a uma “corrida” de todos aqueles que ambicionam a categoria de potência (a nível regional), especialmente em África, na Ásia e no Médio Oriente, onde é maior a assimetria de desenvolvimento entre os


países. Por outro lado, é digno de realce a luta que, na Europa, se trava entre as forças que buscam algo mais unitário, do género “Estado Federal” e as que preferem manter individualizados os ganhos até agora obtidos pelos países.


Com o fim da “Guerra Fria”, surgiram no Sistema Político Internacional novos actores não estaduais, os quais: “grupos transnacionais e subnacionais, Estados falhados e Repúblicas degeneradas, estimuladores de guerras civis, e ditadores pretensiosos, racistas e fundamentalistas religiosos”2 que encontram no actual ambiente “desordenado” uma oportunidade para tomar ou aumentar o seu poder. Esses novos actores do Sistema Polítíco Internacional irão, junto com outras factores, como veremos adiante, influenciar tanto o conceito de guerra, como a forma de realização das operações militares na nova era.


Neste novo ambiente estratégico, a Organização das Nações Unidas (ONU) ganha um novo protagonismo como forum previlegiado para a resolução dos conflitos mais prementes. Temos a comprovar esta realidade, entre outros, por um lado, o facto da única super-potência do momento procurar legitimar as suas acções militares de “regulação” da Ordem Mundial através dessa organização, e por outro, o manifesto interesse de países/continentes se fazerem representar como membros permanentes do Conselho de Segurança dessa organização internacional, desafiando mesmo o direito ao veto até hoje previlégio de alguns países. Em resumo, poderiamos referir como elementos característicos do Novo Ambiente Estratégico,

 

• A existência de maior liberdade de acção dos actuais actores do Sistema Político Internacional (SPI), que também se apresentam com novas oportunidades para se manifestarem.

• O aparecimento de novos actores, Estados e não Estados, no Sistema Político Internacional.

• A substituição das ideologias como factor de conflito pelo advento de identitarismos, os quais se objectivam como linhas de fractura entre civilizações

• A alteração do tipo de conflitualidade, a qual deixou de ser, em grande medida, inter-estatal para passar a ser intra-estatal.


Esta situação é facilmente perceptivel se se fizer uma análise dos conflitos pós “Guerra Fria” na Jugoslávia, na ex-URSS, na Região dos Grandes Lagos, na Somália e no Sudão. A confirmar ainda o acima referido está o facto de, dos vinte e um conflitos ocorridos a partir do ano 2002, em dezanove locais diferentes do globo terrestre, os únicos inter-estatais serem os que opõem a India ao Paquistão e os que opuseram os Estados Unidos da América ao Iraque.

 

• A forma transnacional de muitos dos actores, o que, facilitado pelo fenómeno da globalização, vem esbatendo o valor até agora conferido às fronteiras dos Estados.

• O surgimento dos conflitos militares de tipo assimétrico, opondo Estados a actores não estaduais ou entre esses últimos.

• A dificuldade de geolocalização dos fenómenos, quer militares quer de outro género (financeiro, económico, etc.)


No âmbito do presente trabalho é importante realçar que, em grande medida, todos esses fenómenos, especialmente os relacionados com a globalização e a potenciação de novos actores na cena política internacional, foram influenciados pelo surgimento e o rápido desenvolvimento das novas tecnologias.

 


B. AS NOVAS AMEAÇAS

 

O fim da “Guerra Fria” e o não estabelecimento de uma clara Nova Ordem Mundial deu origem a uma situação tal de liberdade dos actores do Sistema Político Internacional que permitiu aos países e comunidadades das várias latitudes do Planeta exprimir e até mesmo exacerbar os seus interesses (objectivos) nacionais ou de comunidade, reivindicando “direitos” que em momentos anteriores supostamente lhes tiveram sido negados ou “usurpados”.

 

Somado a essa desregulação, temos que considerar os benefícios globais da nova Era da Informação, especialmente os consubstanciados pelo uso do computador, da Internet, da televisão digital e da telefonia móvel digital, os quais permitem hoje às pessoas com alguma posse ter acesso à informação sobre outras realidades mesmo que separados delas milhares de quilómetros, assim como a facilidade de acesso a conhecimentos antes só obtidos se se deslocando para grandes centros urbanos.

 

A Sociedade da Informação, apresentando-se como uma grande e transparente “vitrina”, onde os conhecimentos científicos se encontram expostos, dá ao ser humano, como indivíduo, a capacidade de se constituir numa força que, encontrando a circunstância ideal se pode constituir em “poder” capaz de sucessos antes só capazes de exercer por uma organização bem treinada e organizada. Assim mesmo, embora o desenvolvimento das novas Tecnologias de Informação e Comunicação estejam a ajudar a aumentar o fosso de desenvolvimento entre os países mais industrializados (mais ricos) e os restantes, estabelecendo a chamada divisão digital, está também a permitir que individuos e organizações se munam de conhecimentos, e com bases nesses, ferramentas, a maior parte das quais podem ter dupla aplicação (civil e militar), as quais normalmente usam para rivalizar com aqueles que anteriormente “enquadravam“ o seu desenvolvimento político, económico e social.

 

O fim da “Guerra Fria”, que pós fim à divisão ideológica do mundo e deu liberdade aos actores do Sistema Político Internacional, pós a nu outro tipo de contradições as quais deram origem ao surgimento de novos países, ou entidades que se pretendem como tal. Essa situação, que produziu disparidades significativas naquilo a que nos habituamos a conceptualizar como Estado, levou autores, como Robert Cooper, a classificar os Estados em 3 categorias, a saber:

 

• Estados pré-modernos; permanentemente mergulhados no caos.

• Estados modernos; afirmando com determinação a sua identidade.

• Estados pós-modernos; os que afastando o conceito de soberania, aceitam interferências entre si, assim como através de negociaçõs e obrigações trocam beneficios mutuos.

 

A facilidade de comunicação assegurada pelas novas tecnologias; a mediatização da vida através do chamado “fenómeno CNN”, que leva, quase que instantaneamente, aos quatro cantos do Globo uma ocorrência em qualquer lugar do mesmo, já que hoje qualquer pessoa é um potencial repórter; o descontrole a que se viram votadas algumas peças do arsenal nuclear da ex-URSS no início da década de 90; a dificuldade de geolocalização dos fenómenos económicos e financeiros, entre outros factores, fizeram com que aparecessem novas ameaças, que são materializadas em forma de Estados, os chamados Estado Fora-da-Lei ou, em linguagem americana “rogue states”, mas também através de outras entidades das quais destacamos aqui: os grupos de crime organizado, os fundamentalistas religiosos, os terroristas, as agências nacionais e transnacionais do narcotráfico, do contrabando, de emigração e do tráfico de armamento.


Assim, resumidamente, poderiamos apresentar as novas ameaças no actual Sistema Político Internacional como sendo:

 

• As multinacionais do crime e o fundamentalismo, particularmente o religioso.


• O narcotráfico.


• A “Guerra Informática”, contra centros nevrálgicos do Estado. Pois, segundo James Adams1,"Sentado na minha casa, com o meu computador e o meu modem, eu tenho o poder e a capacidade... de fazer guerra”.


• O terrorismo.


• A proliferação de Armas de Destruição em Massa (ADM) e dos seus vectores em posse de “rogue states” ou multinacionais do crime.


• A disputa ao acesso a recursos.


• Os Fluxos migratórios.


Os ataques do dia 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos da América, demonstram claramente a imprevisibilidade das novas ameaças, as quais, por um lado, não vêm necessariamente do exterior e, por outro, podem utilizar armas não convencionais, tal como aconteceu com os aviões usados como mísseis contra centros da alta finança mundial e as remessas de cartas de correio utilizados como vectores de armas biológicas.


A análise sobre quem protagonizou a ameaça, como a preparou e financiou, que argumentos utilizou, etc., permitirá entender aquilo que elegemos e elencamos como as actuais ameaças.

 


C. NOVAS MISSÕES PARA AS FORÇAS ARMADAS

 

O Novo Ambiente Estratégico antes descrito levou a que, sob a égide do então Secretário Geral Broutus Broutus Ghali, a Organização das Nações Unidas, em 1992, aprovasse o documento denominado «Agenda Para A Paz», o que definiu novas missões a atribuir às Forças Armadas dos Estados. Assim, aquilo a que alguns autores designam como “Operações de Não Guerra” (termo americano), provocou o surgimento de novos conceitos de operações, tais como: as Operações de Prevenção de Conflitos, as Operações de Imposição de Paz, as Operações de Manutenção da Paz, as Operações de Consolidação da Paz e as Operações de Ajuda Humanitária.

 

Nesse mesmo âmbito, no mês de Abril de 1995, as Nações Unidas divulgaram o suplemento ao documento “Agenda Para A Paz”, o qual introduziu os conceitos de Manutenção de Paz Multifuncional1 e de utilização da Diplomacia Preventiva, combinada com o Restabelecimento da Paz, tal como os conceitos de Manutenção e Consolidação da Paz. Desta forma, e como mais uma manifestação do protagonismo que a ONU ganhou com o fim da “Guerra Fria”, ao não terem forças armadas, elas orientaram a formulação de novas missões para as forças armadas dos seus Estados membros, as quais passaram tanto a realizar actividades de interesse público internacional como de regulação militar da situação caótica em que mergulhou o ambiente internacional.

 


V. O AMBIENTE OPERACIONAL DA ERA DA INFORMAÇÃO


A. BREVE CARACTERIZAÇÃO


A análise dos actuais actores do Sistema Político Internacional (SPI), das novas ameaças, do processo histórico da constituição dos novos Estados, faz-nos concluir que as novas guerras ou conflitos armados da nova era poderão resultar de uma combinação de elementos conflituais “pós-modernos” com outros “modernos” e “pré-modernos”. Assim, no quadro em anexo, vemos uma tentativa de sistematização para apoio ao estabelecimento de cenários para a futura conflitualidade armada, feita pelo autor norte-americano Steven Metz.

 

De acordo com o citado autor, as Forças Armadas futuras poderão ser empregues em “Guerras Formais” ou “Guerras Informais”, conforme tenham como oponente outro Estado (Forças Armadas estaduais) ou entidades não estatais, como as por nós referidas ao apresentar os actores da nova ameaça. Ao opor-se a outros Estados, sendo esses também “modernos” ou “pós-modernos”, configuram-se “Guerras Formais Simétricas” ou “Guerras Formais Assimétricas” 1. Por outro lado, ao conflituar com actores não estaduais, as Forças Armadas (estaduais) entrarão em “Guerra Informal Assimétrica”, por exemplo contra milicias armadas, num contexto de afirmação do poder da entidade estatal.


As entidades não estatais, normalmente transnacionais, isto é, as multinacionais do crime organizado, os grupos de narcotráfico e outros, poderão também protagonizar conflitos armados entre si, o que são classificados por Steven Metz como “Guerra Informal Simétrica”.

 

Esta é uma importante alteração a considerar em termos da conflitualidade futura pois, mais cedo ou mais tarde obrigará à intervenção da entidade estatal.

 

Numa outra vertente de análise, se apreciarmos a História da Humanidade facilmente aperceber-nos-emos que cada inovação tecnológica bem sucedida modifica os padrões de lidar com a realidade, da mesma forma que muda o patamar das exigências do seu uso. Assim, na actual Era, se apresenta como “tecnologia dominante” as Tecnologias de Informação e Comunicação, porque são aquela que mais influi sobre os nossos padrões de lidar com a realidade. Efectivamente, essa tecnologia está a modificar todas as dimensões do nosso modo de viver, da nossa inter-relação com o mundo, da percepção da realidade, da interacção com o tempo e o espaço.

 

À título de exemplo poderíamos referir como efeitos de alguma dessa tecnologia no modus vivendi actual, o caso do telefone celular e dos telefones via satélite (InmarSat, Iridiun, Thuraya) que vêm nos dando uma mobilidade inimaginável alguns anos atrás. Hoje podemos ser alcançados, se quisermos, ou conectar-nos com qualquer lugar, sem depender de ter um cabo ou rede física por perto. A miniaturização das tecnologias de comunicação vem permitindo uma grande maleabilidade, mobilidade e personalização (walkman, celular, notebook, etc.), que facilitam a individualização dos processos de comunicação, permitem estar sempre disponível (alcançável), em qualquer lugar e horário. A tecnologia de redes electrónicas modifica profundamente o conceito de tempo e espaço ao permitir que, embora estando num lugar isolado, à milhares de quilómetros, estar sempre ligado tanto ao orgão de comando da força, como aos grandes centros de pesquisa, às grandes bibliotecas, a outros colegas de profissão e a inúmeros serviços. As novas Tecnologias de Informação e Comunicação asseguram também a possibilidade de fazer uma boa parte do trabalho sem ter que abandonar o Posto de Comando.


Hoje utiliza-se a videoconferência na rede, o que possibilita que várias pessoas, em lugares bem diferentes, se possam ver, comunicar, trabalhar juntas, trocar informações, orientar a realização de actividades, etc.


A realidade do desenvolvimento tecnológico actual permite ainda, não só o controle directo da batalha no escalão táctico pelos escalões operacional e estratégico, como até o acompanhamento (pelos menos visualização) em directo das acções de guerra pelo público, dando assim a possibilidade desse mesmo público influenciar directamente na forma de condução da guerra. Hoje, os relatórios da campanha chegam aos decisores políticos quase no mesmo momento em que os factos ocorrem, podendo esses julgar, de imediato, o resultado de uma simples acção táctica.


A baixa probabilidade de ocorrência, hoje, de guerras do tipo convencional, desvaloriza as preocupações tradicionais com o terreno, sendo essa preocupação substituída pela necessidade de defender os “pontos sensíveis”, dada a grande probabilidade de ocorrência de fenómenos assimétricos do tipo terrorista direccionados a esses mesmos pontos no interior dos Estados. Por outro lado, a dificuldade de geolocalização dos fenómenos, também proporcionado pela globalização e as novas tecnologias, desvaloriza o terreno como objectivo imediato da campanha, substituindo-o pelo “ponto sensível”, fazendo com que, na guerra da nova era, a batalha seja substituída pelo golpe. Assim sendo, o Novo Ambiente Operacional apresenta-se, entre outras, com as seguintes características:


• Existência de cenários de guerra formais e informais, os quais, por sua vez, poderão ser simétricos ou assimétricos (positivo ou negativo).


• Possibilidade dos decisores políticos e até mesmo a opinião pública internacional, acompanhar em directo o desenrolar das acções, podendo assim influir directamente na condução da batalha.


• Dificuldade de geolocalização das acções “militares” e, consequentemente, a valorização dos “pontos sensíveis” como elementos decisivos no resultado dos conflitos.

 


B. AS NOVAS TECNOLOGIAS DA GUERRA


Tecnologia, de acordo com o American Heritage Dictionary é "o corpo de conhecimentos disponíveis


civilização úteis na elaboração de implementos, na prática das artes manuais e no exercício de habilidades à e na extracção ou colecta de materiais", ou seja, é o modo pelo qual a sociedade fornece aos seus membros as coisas de que eles necessitam ou que desejam.


Pode-se ver, a partir dessa definição grosseira, que os conceitos de tecnologia e sociedade estão estreitamente correlacionados, ainda que a sociedade consista em pessoas e leis e a tecnologia consista em instrumentos e métodos.


A tecnologia desempenhou papel crítico na guerra desde que o homem começou a combater com mais do que as mãos livres. A melhor manifestação do emprego das novas tecnologias e como elas vêm alterando quer o ambiente operacional quer a própria estratégia nos nossos dias, é a operação “Tempestade no Deserto”, que alguns dizem ter sido a última guerra da Era Industrial, porque utilizou muitos meios dessa Era, ainda que de forma diferente, e outros apresentam como sendo a I Guerra da Era da Informação, por se ter baseado no emprego de meios da nova Era, priorizando e algumas vezes substituindo a manobra no terreno pela manobra informacional, a tal ponto de ter dado início a um debate sobre o que os ocidentais designam como “Revolução nos Assuntos Militares” (Revolution in Military Affairs - RMA) e os russos de “Revolução Técnico-Militar”.


Independentemente do nome que uns e outros lhe dão, todos estão de acordo em que a guerra da nova Era se desenvolve num ambiente assimétrico, com fortes desequilíbrios quantitativos e qualitativos, e principalmente, que nela é determinante a superioridade no acesso e tratamento da informação e o controle dos céus.


Ao apreciar a campanha aérea da operação "Tempestade no Deserto" Thomas Keaney e Eliot Cohen1, usando um método já empregue pelo General Eisenhower e seu estado-maior para a análise dos êxitos dos EUA na África e Europa, durante a II Guerra Mundial, identificaram as seguintes tecnologias como sendo as que melhor caracterizaram tal campanha, contribuindo para o seu êxito: stealth/baixa detectabilidade; bomba guiada a laser (LGB); míssil anti-radiação de alta velocidade (HARM); unidade telefónica segura, mais conhecida como STU-III; e reabastecimento em vôo.

 


A arma que mais contribuiu para o domínio do ar no Iraque foi o míssil anti-radiação de alta velocidade (HARM). Eles neutralizaram efectivamente as ameaças de superfície e foram os principais recursos letais usados para suprimir as defesas aéreas inimigas.


Efectivamente, plataformas de baixa detectabilidade (stealth) foram usadas para atacar os alvos de comunicações, comando e sistemas de defesa aérea iraquianos logo no primeiro dia da guerra.


A baixa detectabilidade tornou possível ataques directos ao coração dos sistemas de defesa aérea iraquianos, até mesmo nas áreas mais fortemente defendidas, logo no início da guerra, os quais nunca mais se recuperaram desses golpes atordoadores iniciais.


Isto foi revolucionário, porque a doutrina comum de uma campanha de bombardeamento consiste em só atacar alvos onde as perdas das forças amigas sejam toleráveis e abandonar os que possam considerar-se muito difíceis.


A tecnologia stealth, combinada com a precisão assegurada pelas bombas guiadas a laser (LGB) redefiniram a estratégia.


Elas fizeram com que deixasse de ser aplicável a teoria doutrinal segundo a qual “as forças aéreas tinham que combater passando por defesas aéreas elaboradas e sofrer perdas em seu caminho para o alvo ou calar as defesas inimigas”.


Na Guerra do Golfo, os meios dotados de tecnologia stealth não sofreram qualquer perda. Calcula-se que os F-111, F-15E e A-6, utilizando LGB de 500 libras destruiram, em algumas noites, o equivalente a uma Divisão de viaturas blindadas iraquianas.


Ao falar das novas tecnologias e sua influência na guerra da nova Era, torna-se importante referir o GPS (Sistema de Posicionamento


Global), sistema de radio-navegação baseado no satélite que fornece dados precisos de posição tridimensional, velocidade e tempo, como uma das tecnologias que, em combinação com outras, também baseadas em satélite, assegura o controle do espaço (4ª dimensão) como condição determinante para a victória no novo ambiente operacional. Confirmando este ponto de vista está o facto de, durante a Guerra do Golfo, os EUA terem usado16 satélites GPS que forneceram dados para a navegação e posicionamento. Os receptores GPS foram usados por todo o teatro de operações para auxiliar as forças no mar, na terra e no ar. Por exemplo, o GPS fixava as posições para navegação durante as operações de varredura de minas e forneciam as coordenadas de lançamento para os mísseis TLAM lançados dos navios. Entre outros usos, as unidades de manobra guiadas pelo GPS ajudaram a minimizar os ataques fratricidas, regularam o tiro sobre alvos auxiliares e localizaram minas terrestres com precisão. Por sua vez, a Força Aérea usou o GPS para guiar as aeronaves até aos alvos. Por outro lado, segundo o Tenente-Coronel Roy A. Griggs1, o STU-III foi um equipamento de apoio inapreciável para as unidades que se desdobraram para o Golfo Pérsico, tendo sido usados cerca de 350 unidades só na área de operações.


Os STU-III e os telefones de campo, bem como as máquinas de fax de segurança nos quartéis-generais e no Pentágono, capacitaram os planeadores da campanha aérea e os estados-maiores a, mantendo o segredo operacional, aprimorar o planeamento do campo de batalha, e ainda assim, estabelecer e gerir o potencial do tremendo volume de comunicação entre grupos paralelos no Teatro de Operações e nos Estados Unidos lidando com tudo, desde a selecção dos alvos até o estado das várias peças de reposição, e passando por fax as informações sobre alvos, sem que os iraquianos sequer se dessem conta do que estava a acontecer.


Ao referir a influência do armamento da nova Era na guerra do futuro que já começou, consideramos não poder deixar de referir os sensores e os sistemas de C3I. Assim, continuando a manter a operação "Tempestade no Deserto" como caso de estudo, apreciamos que a supremacia que foi conseguida pelas forças da coligação contra os iraquianos deveu-se primeiramente, não tanto ao armamento acima referido, mas principalmente, ao domínio da informação que aquelas possuíam.


Tendo já abordado a importância do STU-III para o asseguramento do C3, é de referir que no Golfo, a informação fornecida por sistemas espaciais (baseados em satélite), sistemas aerotransportados de controle e alerta antecipado (AWACS), e o sistema combinado de


vigilância e ataque ao alvo (JSTARS) permitiram dar aos comandantes uma visão actualizada, abrangente e compartilhada do campo de batalha, assim como a capacidade de redireccionar forças contra alvos prioritários, sendo esta a chave da vitória.

 


C. A ESTRATÉGIA DA GUERRA DA NOVA ERA


adopção de uma nova tecnologia de guerra não constitui, por si só, uma revolução. A revolução, no âmbito em que aqui nos referimos, é um fenômeno muito mais complexo, envolvendo novas ideias operacionais, mudança organizacional e outros aspectos que varrem todo o espectro das operações militares.


Tendo mencionado já alguns impactos das novas tecnologias, particularmente as tecnologis de informação e comunicação no ambiente operacional, poderíamos alargar tal análise ao referir que, ao influenciar e até mesmo condicionar tanto o desenvolvimento quanto o emprego do armamento1, dos sensores2 e dos sistemas de C4I3, a tecnologia pode levar à novas estratégias.


Só para referir dois exemplos, apresentamos os casos do stealth (assegurando baixa detectabilidade) e da LGB4 (assegurando precisão) que, embora armas “antigas”, ao “casar” com as novas tecnologias produziu uma mudança fundamental no modo como foram conduzidas as campanhas do Golfo.


As novas tecnologias, como demonstramos atrás, afectam tanto a dimensão política como militar da guerra. Assim, se desde o ponto de vista da campanha, potenciaram a visualização, em tempo real, do campo de batalha e a realização, em condições totalmente diferentes, do C3I, com a consequência imediata, entre outras, do estreitamento do ciclo de decisão, desde o ponto de vista político, ao dar acesso imediato à informação, tanto aos decisores políticos quanto à opinião pública internacional, condiciona a realização da campanha e, consequentemente, a estratégia para a sua condução.


Ao poder julgar os decisores políticos, não só por aquilo que é publicamente apontado como a razão da campanha militar mas também pela forma como a mesma é conduzida, a opinião pública passa a ter um novo poder sobre os dirigentes que elege, os quais, por isso, se manifestarão condicionados em relação à estratégia militar a adotar, buscando então conter a violência dentro de limites políticos, éticos e estratégicos que considerem aceitáveis para aqueles que pretendem os elejam para novos mandatos, e para a Comunidade Internacional.


Numa época em que assistimos a cada vez maior pressão das opiniões públicas internas (dos países democráticos) para a redução dos orçamentos dedicados às Forças Armadas; em que, por outro lado, menos se aceitam as baixas em campanha e os danos provocados a alvos civis (danos colaterais) pelas acções militares, se infere que se exige das Forças Armadas capacidades tais como:


• Grande letalidade
• Eficácia no emprego dos fogos
• Eficácia no emprego das forças e meios de combate
• Condições de qualificar a ameaça.
• Elevado grau de profissionalização dos efectivos.


Para além do acima referido, teremos ainda que inferir, em relação ao uso das Forças Armadas hoje, que os próximos conflitos armados terão que ser breves e intensos, e travados por forças relativamente pequenas.


Ora, se considerarmos as novas ameaças e os actuais cenários do ambiente operacional referidos, teremos que concordar que nos novos conflitos cada vez mais se darão ênfase à guerra de alta tecnologia, e necessariamente, dará luz a uma nova estratégia que sobreporá, (ou substituirá) a manobra informacional à manobra no terreno.


V. GUERRA DE INFORMAÇÃO


“Se conheceres o inimigo e te conheceres a ti próprio, não necessitarás de ter receio do resultado de uma centena de batalhas. Se te conheceres a ti próprio, mas não conheceres o inimigo, por cada vitória igualmente sofrerás uma derrota. Se não conheceres o inimigo nem a ti próprio, serás derrotado em todas as batalhas”.


Provando o acima afirmado por Clausewitz, as duas últimas campanhas do Golfo mostraram que a superioridade no acesso e tratamento da informação é determinante.

 

Efectivamente, a superioridade no acesso, controlo e processamento da informação, assim como a sua transformação em conhecimento e partilha do mesmo entre os comandos estratégico e operacionais da coligação, deram-lhe a vantagem decisiva sobre as forças iraquianas, que lhe permitiu realizar a campanha praticamente como planeada. Para o efeito, especialmente na operação "Liberdade Para o Iraque", a coligação apresentou uma ordem de batalha centrada e em rede, desenvolvendo-se em volta de acções RISTA (Reconnaissance, Intelligence, Surveillance and Target Aquisition) e das armas inteligentes. O novo campo de batalha esteve dominado por um sistema de sistemas, com base no C2W (Command and Control Warfare), o qual alguns autores apresentam como sendo a 5ª dimensão da guerra (As outras dimensões são a terra, o mar, o ar e o espaço).

 

Na segunda guerra do Golfo foi aplicado um novo paradigma definido nos termos de Edward Luttwak (Edward Luttwak em “Give War a Chance”, Revista Foreign Affairs, Julho/Agosto 1999) da seguinte forma: “na guerra da era pós-moderna o objectivo já não é o de aniquilar o inimigo, mas imobilizar, controlar, alterar e moldar o seu comportamento por forma a criar um novo ambiente político com perdas controladas, mesmo para aquele, evitando reacções negativas da opinião pública”.

 

Como podemos apreciar, esse paradigma dá uma nova dimensão ao conceito de Guerra de Informação, pelo que mais tarde o aprofundaremos.


A. A GUERRA DE COMANDO E CONTROLE

 

Como facilmente se pode depreender dos capítulos anteriores e principalmente do anterior, o campo de batalha em que se

 

desenvolve e desenvolverá a guerra pós-moderna é um campo de batalha digitalizado, dominado pela informação e os sistemas relacionados com o seu tratamento.


É imemorável a importância do Comando e Controle (C2), tendo sido bem caracterizada por Napoleão Bonaparte quando disse:

 

"Podemos recuperar espaço, nunca tempo. Eu posso perder uma batalha, mas não devo perder um minuto".


Neste momento, antes de qualquer outra nova consideração em relação àquilo que hoje alguns autores consideram como sendo a 5ª dimensão da guerra, a Guerra de Comando e Controle (C2W), consideramos dever abordar os conceitos relacionados com o C21 em si mesmo.


O sistema de comando e controle, constituído pelo pessoal, o equipamento, as comunicações, as instalações e os procedimentos empregues pelo comandante para planear, dirigir, coordenar e controlar as forças no cumprimento da missão, é o elemento que assegura ao comandante a capacidade de interpretar a situação, tomar a decisão e dirigir as acções. Assim sendo, a disponibilidade de um sistema C2 melhor do que o do inimigo possibilitará a execução do ciclo observação-orientação-decisão-acção(Ciclo de Boyd - Ciclo OODA) mais rápido.


Ainda que nos encontremos numa era em que as tecnologias de informação e comunicação são a tecnologia dominante, importante se torna referir que o esforço de C2 não está voltado apenas à disponibilidade de um conjunto de equipamentos eletrónicos e computacionais sofisticados, interconectados através de complexas redes de comunicações. Embora essa disponibilidade seja realmente importante e mereça constantes incrementos e actualizações, o foco das funções de C2 está orientado à dimensão humana da guerra, onde se procurará criar insegurança, confusão, hesitação e temor nas men¬tes dos oponentes, enquanto se busca a salvaguarda das próprias forças contra estes mesmos efeitos. Efectivamente, são as pessoas que reúnem os dados, os relatórios e fazem as estimativas de inteligência. São ainda as pessoas que decidem, comunicam, implementam as decisões, e como uma equipa, agem para alcançar um objectivo pré-estabelecido que são o foco do C2.


A guerra de comando e controle é a dimensão do conflito na qual as forças armadas opostas atacam os sistemas e processos de informação uns dos outros enquanto protegem os seus, empregando acções que consistem em: segurança das operações, diversão, finta, operações psicológicas, guerra electrónica e destruição física.


O propósito das acções da Guerra de Comando e Controle é criar uma condição no campo de batalha na qual as forças amigas podem visualizar o campo de batalha, controlar as suas forças eficientemente e agir decisivamente enquanto negam ao inimigo a capacidade de fazer o mesmo.


De uma forma simples, poderiamos dizer que a C2W constitui a base para que se ganhe e mantenha a iniciativa, sendo sobretudo em primeiro lugar, uma visão de como o comandante pode organizar as suas forças e o seu estado-maior para o cumprimento da missão.


Na guerra do Golfo Pérsico “...o inimigo foi selectivamente cego pela Guerra Electrónica e pela destruição física, o que permitiu ocultar os movimentos e as operações dos Aliados. A decepção, reforçou ainda mais a errada percepção dos comandantes iraquianos quanto às reais intenções dos seus opositores. Através da Guerra Electrónica e de bombardeamentos aéreos de precisão dirigidos contra alvos de C2 foi possível desorganizar e isolar as forças iraquianas, contribuindo para a redução do número de baixas em ambos os lados e para a rápida resolução do conflito”.


Cada elemento do sistema de C2 é vulnerável, em diverso grau, às diferentes acções militares e acções que degradem um ou mais elementos, levando à degradação do sistema por completo.

 

A perda ou distorção da informação reduze a capacidade de apreciação da situação, facto este que, por sua vez, introduz incertezas que acabam por afectar o processo de decisão provocando decisões desajustadas ou tomadas fora de tempo.

 


B. UM NOVO PARADIGMA PARA A GUERRA DA INFORMAÇÃO

 


A GUERRA DA INFORMAÇÃO, no seu sentido mais lato, consiste simplesmente no uso de informação para atingir os nossos objectivos nacionais.


Tal como a diplomacia, a competição económica ou o emprego da força militar, a informação em si mesma é um aspecto chave do poder nacional e, o que é mais importante, se está a tornar um recurso nacional crescentemente vital, que dá apoio à diplomacia, à competição económica e ao emprego eficaz de forças militares. A Guerra da Informação, nesse sentido, pode ser vista como um conflito de nível social, ou de nação contra nação, conduzido em parte através de meios de informação e de comunicação em rede de interconexão mundial (John Arquilla e David Ronfeldt em "Cyberwar is Coming" - Revista Comparative Strategy).

 

Ora, tudo isso significa que no seu sentido mais fundamental, a Guerra de Informação é o "teatro de operações" emergente, em cujo âmbito o próximo conflito nação-contra-nação, ao nível estratégico, tem a mais alta probabilidade de ocorrer. Quer isso dizer também que a Guerra de Informação pode ser o Teatro de Operações em que "operações de não-guerra" serão levadas a efeito, especialmente na medida em que possam permitir aos Estados atingir alguns de seus importantes objetivos nacionais sem a necessidade de desdobrar forças à frente.

 

Tal como no seu âmbito mais estreito, de Guerra de Comando e Controle (C2W), nesse novo paradigma, a Guerra de Informação embora venha a ser conduzida em larga medida, através das redes de comunicação de uma sociedade ou das suas forças armadas, ela não se cinge fundamentalmente a satélites, cabos e computadores mas sim a influenciar os seres humanos, em última instância, às decisões que eles tomam. Trata-se da utilização da informação para criar um desiquilibrio entre as forças amigas e as do oponente logrando a derrota das suas forças antes mesmo delas serem desdobradas.


Mantemos que o alvo da Guerra da Informação é a mente humana e, particularmente, daqueles que tomam as decisões chave na guerra ou na paz, aquelas mentes que decidem se, quando e como empregar os meios e capacidades de que dispõem.


Como nos referimos atrás, uma das principais caracteríticas da Era da Informação é a desmassificação dos meios de comunicação social, ou seja, a capacidade de, por meio das novas tecnologias, estabelecer aquilo que alguns autores denominam por "propaganda à medida", isto é, destinada a alvos específicos.


Aqueles que já receberam propaganda individualizada, indicando inclusive o seu nome, convidando-o a adquirir productos ou a aderir a uma determinada campanha sabem o que é "propaganda à medida".

 

A televisão digital, que criou a infoesfera de amplitude mundial dos noticiários de televisão, a Internet, o telemóvel, os aparelhos de fax, a radiodifusão, para citar alguns, constituem hoje pontos de entrada para ataques específicos de propaganda contra estruturas militares, estatais, económicas, de natureza estratégica e até mesmo contra pessoas influentes, militares ou suas famílias, levando a confusão às suas mentes.

 

Hoje, com uma simples câmara de video, um único terrorista pode criar um facto que será imediatamente levado ao conhecimento dos quatro cantos do mundo pela CNN e outras cadeias concorrentes, fazendo chegar àqueles um facto que, embora não deixe de ser verdade, não chega a ser a verdade integral.

 

No universo "facticio" em que hoje vivemos, é evidente o potencial para que governos, forças armadas, grupos criminosos ou fanáticos de qualquer espécie manipulem a multimídia, o universo de multifontes da "batalha fora do campo de batalha", em busca do predomínio da informação. Não terá sido isso o aconteceu antes e durante a invasão do Iraque pela coligação anglo-americana, de ambos os lados da contenda?

 

A tecnologia da Nova Era assegura que os ambientes operacionais "factícios" ou fictícios, visando ambientes de massa ou em forma de nicho, possam ser gerados, transmitidos, apresentados ou divulgados por governos e todos os tipos de actores, através de redes técnicas cada vez mais integradas e diversificadas. Assim mesmo, fácil hoje se torna realizar transmissões directas por rádio ou televisão via satélite a audiências selecionadas, para que, por exemplo, o pessoal de determinada província ou região de um estado alvo seja informada de que o "líder máximo" do país decidiu expurgar o pessoal da sua tribo do exército, para explorar diferenças entre os grupos étnicos que constituem o Estado.

 

Desta mesma forma, num cenário de guerra da Nova Era, não será muito difícil aceder a um satélite comercial de um país alvo e transmitir uma simulação "factícia" usando diferentes cenários para diferentes nichos, levando a que uns recebam uma informação diferente dos outros, fazendo assim com que a capacidade do oponente de observar seja subtilmente invadida por informações e dados contraditórios. A nível estratégico, isto corresponderia à paralisia do ciclo Observação - Orientação - Decisão - Acção (OODA) do oponente, uma vez que a sua capacidade de Orientar seria prejudicada pelo ataque à própria possibilidade de raciocínio objectivo, porque substituímos o seu universo "conhecido" pela nossa realidade alternativa.


Nesse novo paradigma, os sistemas de comando, controle e comunicações do oponente não são destruídos mas utilizados para oferecer ao mesmo a realidade ficticia que criamos para ele, fazendo-o agir conforme o nosso interesse operacional, uma vez que se torna cego, surdo e mudo à tudo excepto ao que se lhe permite ouvir, dizer e ver.

 


VI. AS NOVAS FORÇAS ARMADAS DOS PAÍSES AFRICANOS

 

Ainda que limitados pelas condições em que desenvolvemos o presente trabalho, consideramos que não deveríamos deixar de o enquadrar na actual realidade dos países do nosso Continente. Assim, embora não possamos apresentar um trabalho completo, nem tão profundo quanto pretenderíamos, o que nos propomos fazer em momento posterior, aproveitamos a oportunidade para apresentar uma contribuição à construção daquelas.


Sendo detentores de recursos muitas vezes únicos no mundo, os países africanos não podem deixar de ter umas Forças Armadas que lhes assegurem tanto a manutenção, quanto a utilização dos seus recursos nas condições em que lhes são mais favoráveis, mormente como alavanca para o seu desenvolvimento.


Os países africanos são profundos conhecedores das actuais vulnerabilidades que os afectam, entre as quais:


• Baixa capacidade orçamental;


• Baixo índice de desenvolvimento humano;

• Baixa densidade populacional;

• Baixo índice de desenvolvimento industrial e agrícola;

• Grandes assimetrias de desenvolvimento entre as regiões;

• Falta de homogeneidade da população (com particular preocupação para a interpenetração étnica com os Estados vizinhos).


Para dar uma resposta eficaz às ameaças e preocupações que, de forma particular identificarão, as Forças Armadas dos países africanos terão que configurar a sua estratégia estrutural, genética e operacional, efectivando a adequação ao ambiente estratégico e operacional identificado neste trabalho e caracterizador da presente era.

 

Não existem dúvidas de que são vários os constrangimentos que se impõem às nossas Forças Armadas, para que se transformem naquilo a que muitos autores do ramo denominam por Forças Armadas do século XXI, ou da nova era. Sendo alguns desses constrangimentos de natureza jurídica como, por exemplo, a contradição entre o definido na nova Carta da União Africana como principio de segurança colectiva e o estatuído na Lei Constitucional de alguns países segundo a qual, enquanto países não-alinhado, não participam em blocos militares; teremos que considerar outros constrangimentos em que talvez o relativo à organização seja o maior.

 

Consideramos que o primeiro aspecto a abordar, ao referir a organização das Forças Armadas, é o relacionado com a sua doutrina, aquela que habilita os comandos a determinar, como referencial, como conduzir a campanha militar, independentemente do seu tipo.

 

Estamos conscientes de que a escolha de uma doutrina exige um estudo profundo, que considere, entre outros, a experiência anterior dos comandos, a idiossincrasia dos efectivos, os meios de combate a empregar, e o grau de maturidade da doutrina que se pretende adoptar, garantido pela experiência no seu emprego. Entretanto, a falta de uma doutrina no ambiente operacional futuro, que se prevê conjunto e combinado, garante à partida se não a derrota militar, pelo menos a ineficácia e ineficiência no emprego das forças e meios de combate com a consequente perca desnecessária de uns e outros.


Face às considerações apresentadas no presente trabalho, atrevemo-nos a considerar que as Forças Armadas dos países africanos, no actual contexto internacional, deveriam adoptar uma “doutrina híbrida”, isto é, uma doutrina que combine a sua experiência e tradição com as experiências das últimas guerras realizadas por outros exércitos, assim mesmo como os sistemas de defesas empregues por Forças Armadas da mesma natureza que a sua, países de baixo orçamento. O princípio básico a aplicar deve ser o da rentabilização do resultado final, com o emprego eficaz e eficiente das forças e meios de que o país dispõe.

 

Uma vez vencido o aspecto da estratégia estrutural, pensamos que as Forças Armadas do nosso Continente estarão em condições de avançar para os outros aspectos deste campo, nomeadamente os ligados à estratégia genética e à estratégia operacional.

 

Estando a abordar a questão da influência das novas tecnologias na guerra, no âmbito do presente trabalho, é normal que se pense que devêssemos defender o apetrechamento imediato (do âmbito da estratégia genética) das Forças Armadas com meios de combate da nova era. Porém, defendemos exactamente o contrário, ou seja, defendemos que a tarefa em que as Forças Armadas deverão “mergulhar” de imediato é a relacionada com a formação dos seus efectivos. Esta tarefa deve estar alicerçada num conceito de sistema de instrução perfeitamente integrado e concordante com as suas necessidades em pessoal. Ainda assim, ela deverá levar em consideração:


• A necessidade de definição das fontes e requisitos dos diversos quadros e pessoal das Forças Armadas (Quadro de Milicianos e Quadro Permanente para as categorias de Oficiais, Sargentos e Praças).

• A necessidade da definição do perfil e critérios de selecção dos discentes e docentes para os vários cursos.

• A necessidade de definição de acções de formação complementar a efectivar no exterior.

• A necessidade de realizar o levantamento dos meios materiais necessários e adequados ao tipo de formação a administrar, incluindo: sistemas informáticos, sistemas de armas, bibliotecas e infra-estruturas de apoio à docência e à vida dos discentes e docentes.


Um dos caminhos para a materialização do acima referido seria, por exemplo, a criação de um ou mais grupos de trabalho para a elaboração de propostas relativas aos assuntos abordados, que culminaria com o estabelecimento de um sistema de formação integrado, base para a organização das Forças Armadas profissionais e capazes de materializar a condição de defensoras das potencialidades e povos dos países.

 


VII. CONCLUSÕES

 


A sociedade humana está a avançar virtiginosamente para uma nova era de desenvolvimento, a terceira vaga, aquela em que a Informação toma o papel central na vida da sociedade.

 

Nesta nova era de desenvolvimento social, surgem como tecnologia dominante as Tecnologias de Informação e Comunicação, centradas no computador, isto é, baseadas na capacidade deste de recordar e interrelacionar grandes números de forças causais, ajudando-nos assim a lidar com os problemas a um nível mais profundo do que qualquer indivíduo o faria.

 

Esta nova realidade, que vem influenciando o modus vivendi da sociedade actual, vem alterando a forma de fazer a guerra, ao nível estratégico e desenvolver a batalha ao nível operacional e táctico, provocando mesmo aquilo a que alguns conceituados autores apelidam de "Revolução nos Assuntos Militares".

 

As novas tecnologias vêm potenciando o homem a ponto de o tornar, individualmente, um actor no sistema político internacional, dando-lhe assim a possibilidade de se constituir numa ameaça mesmo para Estados altamente desenvolvidos. Por outro lado, essas mesmas tecnologias, estabeleceram uma nova dimensão da guerra, para além das dimensões terra, mar, ar e espaço, fazendo com que, nas primeiras guerras dessa Nova Era, a ordem de batalha fosse centrada e em rede, desenvolvendo-se o combate com base em acções de Reconhecimento, Inteligência, Vigilância e Aquisição de Alvos, para o emprego de armas inteligentes. Nessa nova dimensão, a Guerra de Comando e Controle, se dá ênfase à guerra de alta tecnologia, associada à respectiva estratégia em que a manobra informacional se sobrepõe e, por vezes, substitui a manobra do terreno.

 

As Forças Armadas da Nova Era terão que ser capazes de qualificar a ameaça, planear a operação, mobilizar as forças, transitar pelo teatro de operações em segurança e projetar com precisão força (letal/não-letal) contra um inimigo sofisticado, com baixas relativamente pequenas e um mínimo de danos colaterais, o que somente será alcançado através:

 

• De grande letalidade e capacidade de vigilância do Teatro Operacional.

• Da eficácia no emprego dos fogos.

• Da eficiência no emprego das forças e meios de combate.

• Do uso e domínio da informação e dos processos para o seu tratamento a todos os níveis.

 

As Forças Armadas dos países africanos, enquanto forças armadas com a missão de proteger a integridade territorial das suas nações, terão que se preparar para fazer a guerra da nova era, em todas as suas dimensões e considerando todas as ameaças possíveis, tanto provenientes de um oponente simétrico como assimétrico (no sentido negativo ou positivo).

 

Limitados pela especificidade do tema a tratar, praticamente só desenvolvemos aspectos relacionados com as missões das Forças Armadas em tempo de guerra. Porém, é importante referir que as Forças Armadas da nova era também executam “Operações de Não-Guerra”, assim como Missões de Interesse Público, situações para as quais as Forças Armadas também se deverão preparar pois, provavelmente, essas serão as principais acções das Forças Armadas no futuro.

 


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G.Verissimo