Luanda - Defensores dos direitos humanos alertam que as "zungueiras" são as mulheres que mais veem os seus direitos desrespeitados pelas autoridades. No Dia Internacional da Mulher, ativistas dizem "basta".

Fonte: DW

Nas ruas de Luanda, assiste-se todos os dias a cenas de violência contra mulheres, vendedoras ambulantes, alerta a ativista Laurinda Gouveia. A estratégia do Governo de ordenar a venda informal tem resultado em violência, mortes e perdas dos negócios desse grupo de mulheres.

O Movimento Mulheres pelos Direitos Civis e Políticos (MMDCP), organização em que está integrada Laurinda Gouveia, tem documentado vários atos de brutalidade contra as zungueiras.

"Estamos a acompanhar a situação da senhora Emília, que foi espancada e quase assassinada dentro de uma esquadra no [distrito urbano do] Benfica a mando de um comandante", conta a ativista. "Todo o mundo viu a situação desta mulher, que foi espancada e obrigada a pagar os óculos do comandante, que supostamente caíram quando corria atrás da mesma senhora."

"Não há respeito pelos direitos humanos"

As mortes da zungueira Juliana Cafrique, em 2020, e de Raquel Kalupe, no final do ano passado, são alguns dos casos que apareceram nas notícias. Mas, segundo a ativista Laurinda Gouveia, há muito mais histórias de mulheres assassinadas pela polícia que não chegam sequer à imprensa.

Laura Macedo, outra ativista angolana, critica o silêncio do Presidente da República, João Lourenço, sobre a violência contra as mulheres.

"Não há respeito pelos direitos humanos", denuncia Macedo. "Todos os dias, as mulheres zungueiras são maltratadas e o Presidente da República não abre a boca para falar. Mas preocupou-se em defender o presidente do Tribunal Supremo, que está a ser alvo de acusações gravíssimas."


Em entrevista à DW, Laura Macedo revela que a polícia fez um "julgamento silencioso" do caso Juliana Cafrique. Terá sido a própria polícia que informou a ativista.

"Ficámos a saber que, afinal, o polícia que matou Juliana Cafrique já foi julgado e expulso da corporação. Se é verdade ou mentira, não sei. Sei que o viúvo continua a viver com as crianças no mesmo sítio e não há qualquer processo contra o Estado para responsabilização em relação às crianças que ela deixou."

A DW contactou a polícia, mas não foi possível obter um comentário.

Marcha contra a violência a 17 de março

A advogada Margareth Nangacovie afirma que a violência contra as mulheres em Angola é uma "nota negativa progressiva" desde os tempos do primeiro Presidente, António Agostinho Neto. "A própria Organização da Mulher Angolana (OMA) perdeu a voz e autonomia cívica que tinha. Isso é fruto de instrumentos de intimidação", comenta Nangacovie.

Segundo dados do Afrobarómetro, a maioria dos angolanos (62%) diz que a violência contra mulheres é "comum" ou "muito comum" no país.


Margareth Nangacovie acredita que o problema se agrava devido à ineficácia da ação do Estado.

"Cada dia ouvimos histórias mais horríveis de violência contra as mulheres, e cada vez menos sentimos uma ação eficaz do Estado. Então, é com muita tristeza na verdade, que celebro este ano o 8 de março, pensando nesta conjuntura", afirma Margareth Nagacovie, sublinhando que apesar "da tristeza, há uma motivação de esperança", pois surgem cada vez mais mulheres e organizações cívicas a reivindicar os seus direitos.

A 17 de março, o Movimento Mulheres pelos Direitos Civis e Políticos pretende realizar uma marcha para exigir o fim da violência contra as vendedoras ambulantes.

"A marcha vai pedir justiça pelas zungueiras que foram mortas e exigir ao Estado que encontre outro caminho para terminar com a venda ambulante, não batendo e matando", disse a ativista Elisabete Campos, que faz parte da organização da marcha, em declarações à DW.