Luanda - Em entrevista concedida recentemente a TVZimbo, o Professor Doutor Raul Araújo, figura reputada do Poder Judicial em Angola, da Academia e do Ensino do Direito, diplomado pela prestigiada Universidade de Coimbra (Portugal); Professor Catedrático da Universidade Agostinho Neto; ex-Bastonário da Ordem de Advogados e Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional; Coordenador, até 2012, da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito, tendo conduzido a elaboração das leis sobre a organização jurisdicional, e as leis sobre o Tribunal Supremo, dos Tribunais da Relação, do Tribunal de Contas entre outras até 2022, depois de ter publicado nas redes sociais em que se manifestou contra esse modelo de eleição de juizes, considerou que o concurso de que resultou a selecção dos novos integrantes do corpo de juizes conselheiros do Tribunal Constitucional, esteve “eivado de vícios”.

Fonte: Kesongo

Eis parte da entrevista (ainda disponível no YouTube) conduzida pelo jornalista Amílcar Xavier:

“- Em concreto, foi feito um concurso e concorreram juizes de Direito. O senhor assinou um abaixo-assinado…


– Porque eu não concordei porque a lei diz expressamente, que para esse concurso extraordinário que iria ser feito para preenchimento dessas vagas, há um artigo da Lei Orgânica do Tribunal Supremo que diz expressamente quem pode concorrer. E diz que têm que ser juízes desembargadores. 


– Então senhor professor, este concurso está eivado de vícios?
– Muitos vícios, infelizmente. 


– Isso obrigava o Presidente da República a não nomear nem a conferir posse…
– O grande problema é esse. Eu estou a falar da lei 2/22 de 17 de Março, que é a Lei Orgânica do Tribunal Supremo, que tem nas disposições transitórias o Artigo 55, que diz o seguinte: Requisitos para o concurso de ingresso no Tribunal Superior. E começa: “Número 1 – Em caso de abertura do concurso para o preenchimento de vagas no Tribunal Supremo, no decurso dos primeiros cinco anos, a contar da data de posse dos primeiros juízes desembargadores dos tribunais da Relação de Luanda, Benguela e da Huíla, excepcionalmente, podem concorrer para juízes conselheiros os juízes desembargadores, o Procurador-Geral da República, o vice Procurador-Geral da República, os Procuradores Gerais adjuntos da República, os magistrados do Ministério Público que exerçam funções nos tribunais da Relação, ou para o qual tenham sido nomeados, os advogados e professores catedráticos e associados da Faculdade de Direito. Expressamente na lei. Para espanto meu, o Conselho Superior da Magistratura diz que esta é uma lei inconstitucional, portanto deviam alterar-se regras e altera ao seu belo prazer as regras e regressa-se as regras antigas, de juízes que tenham mais de 15 anos de funcionamento. 


– Volto a perguntar senhor professor: este concurso está eivado de vícios? 
– Sim! Do ponto de vista constitucional, digamos, estamos perante uma violação do princípio da legalidade. Primeira questão. É uma violação do princípio da legalidade desde logo. Do ponto de vista constitucional estamos perante uma inconstitucionalidade. E eu espero que ao nível da Presidência da República haja bom senso de se aconselhar o Senhor Presidente da República a não dar posse. Há quem tenha concorrido para esse concurso, independentemente da boa vontade de cada um, porque desde o princípio que se está a chamar a atenção para a ilegalidade desse concurso. 

E porquê é que a lei adotou esse critério? Porque os tribunais têm uma hierarquia. Portanto, nós temos Tribunais de Comarca, Tribunais da Relação, Tribunal Supremo. E a hierarquia é: juiz de direito, juiz desembargador, juiz conselheiro. Eu não posso aceitar que numa altura em que já temos juízes desembargadores, haja juízes de direito a irem directamente para juízes conselheiros. Ou seja, vamos supor – infelizmente as Forças Armadas não têm essa figura das eleições – que é permitir que um sargento possa ir directamente para ser general sem seguir a sua carreira. Isso é inadmissível. Podem apresentar as justificações que quiserem, mas nada pode permitir que haja uma subversão do sistema. Nós estamos a pôr em causa o sistema.


– Então não havia mesmo condições para abertura solene de abertura do ano judicial?
– Só para terminar essa ideia. Quando se criou os Tribunais da Relação, houve uma preocupação em fazer-se um concurso para juízes desembargadores e foi um concurso que, com as polémicas que existiram ou não, foi um processo que correu bem. Digo, houve polémicas normais e há sempre, mas nós, o sistema judicial, conseguiu e toda a gente foi livre de concorrer, e passaram para juízes desembargadores aqueles que, pelo menos na prática, pareceram-nos ser os melhores juízes que neste momento existem no país. Esses estão no Tribunal da Relação. Como é que um juiz de direito que não conseguiu ser juiz desembargador, agora vai para juiz conselheiro? Nós estamos a dizer aos desembargadores e ao sistema judicial: “É pá, não vale a pena ter em atenção o que a lei diz e não vale a pena ter em atenção todo o sistema que tem que existir”. Infelizmente é a situação que nós temos, que eu espero que seja ractificada o mais urgente possível, quanto mais não seja com essa entrevista, que chama novamente a atenção para a ilegalidade séria desse processo.”