Luanda - A política externa, de modo resumido, é um conjunto de objectivos políticos, económicos, sociais e culturais que um determinado Estado deseja atingir na comunidade internacional nas suas relações bilaterais e multilaterais com os demais países e organizações multilaterais. Em busca dos interesses nacionais, a diplomacia, que é o instrumento para a execução da política externa, deve acautelar igualmente os interesses dos seus parceiros (países e povos) na base dos princípios e valores universais consagrados no Direito Internacional.


Fonte: Club-k.net

Neste respeito, os Estados têm a obrigação moral e ética de respeitar escrupulosamente a legitimidade política, a legalidade e os direitos fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948. Nesta referência, o Nº 3, do Artigo 21º, da Declaração, acima referida, diz o seguinte, cita: “A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a transparência e a liberdade do voto.” Fim de citação.


Para dizer que, essa introdução extensa visa particularmente estabelecer uma base jurídica entre o Direito Internacional e a Politica Externa dos Estados. Neste âmbito, por exigência legal do Congresso, o Departamento de Estado Norte-americano tem o dever institucional de elaborar um Relatório Anual sobre todos os Países do Mundo.


É neste contexto que, no dia 20 de Março de 2023 foi divulgado em Washington o Relatório Anual de 2022, no qual, Angola faz parte deste relatório, tratada de uma forma extensa, ampla e profunda. Além das graves irregularidades cometidas durante as eleições gerais de 24 de Agosto de 2022, este Relatório aponta uma série de arbitrariedades; de violências gratuitas; das execuções sumárias (massacres do Canfunfu e do Monte Sumi); de abusos flagrantes dos direitos humanos; de repressões violentas; da corrupção governamental; da cultura de impunidade; da fragilidade das instituições do Estado; da partidarização da administração pública, e sobretudo, da politização da Justiça, das forças armadas, da policia e dos órgãos da comunicação social.


No fundo, tudo que está neste Relatório do Departamento de Estado não é uma novidade nenhuma. Pois que, tudo que está relatado é do conhecimento geral. Até, na verdade, há situações gravíssimas que não figuram neste Relatório. O facto é que, a comunidade internacional, embora esteja devidamente informada da realidade concreta de um país, mas devidos os seus interesses nacionais fecham propositadamente os seus olhos, faz de conta nada existe ou nada tenha acontecido.


Vejamos, este Relatório foi apresentado pelo titular do Departamento de Estado, Antony Blinken, que é o Chefe da diplomacia norte-americana e o executor principal da politica externa dos Estados Unidos da América. É uma personalidade que tem em sua posse todo o dossier da comunidade internacional. Ele controla todos os serviços diplomáticos espalhados pelo mundo; além de outras fontes dos serviços de inteligência da NATO e da União Europeia, que estão presentes em todos os cantos do mundo.


Com efeito, O Secretário de Estado dos EUA está devidamente informado e toma decisões na base das informações recolhidas, de modo a evitar cometer erros de cálculos no processo da tomada de decisões ou da formulação da política externa. Logo, se ele toma uma decisão errada ou inapropriada não é porque faltava-lhe informação. Mas sim, pode ser um acto deliberado ou imprudente.


De facto, estou a abordar esta questão com franqueza, sem ignorar a sensibilidade deste assunto, que é muito sensível, tratando-se de uma superpotência mundial, um país mais poderoso do mundo, e que chama a si a defesa da democracia e a promoção da economia do mercado. Acho que, nesta categoria, os EUA deviam servir de «guardião» do direito internacional, e sobretudo, da legalidade, que é o fundamento da soberania e da autoridade pública, que deve emanar do povo, e não da prepotência.


O meu espanto consiste na discrepância existente entre o Relatório Anual e o posicionamento do Departamento de Estado face às eleições gerais de 24 de Agosto de 2022. A incógnita reside no facto de que, mesmo sabendo bem (na altura) das irregularidades gravíssimas do processo eleitoral angolano, sobretudo do procedimento ilegal, inadequado e deliberado do Conselho Nacional Eleitoral e do Tribunal Constitucional, mas mesmo assim, de modo apressado, os EUA foi o primeiro país ocidental a reconhecer os resultados eleitorais. Tendo-se, deste modo, ignorado a vontade expressa dos eleitores, e caucionado a ilegalidade e a ilegitimidade política.


Este contraste entre a teoria e a prática do procedimento das potências ocidentais baseia-se nos seguintes factos: quando acompanhamos de perto os desenvolvimentos actuais na região subsariana somos capazes de observar que a maioria dos problemas dessa região têm sido provocados ou causados directa ou indirectamente pelas potências industrializadas.


Isso é devidos aos interesses económicos e geopolíticos desses países, que preferem promover regimes corruptos, incompetentes e autoritários, que lhes permitem tirar mais vantagens económicos (recursos minerais estratégicos) em detrimento dos povos africanos, que se encontram mergulhados na miséria e na pobreza extrema. Enquanto a classe governativa vive na opulência e esbanja os recursos públicos a torto e a direito, reprimindo o povo.


A classe governativa africana, como de Angola, usa os factores económicos para corromper os governantes e os diplomatas das potências industrializadas para manter-se no poder, criando lóbis fortes junto dos governos e das organizações internacionais, que custam avultados somas de dinheiros que saem dos cofres públicos. Em Angola, por exemplo, são poucos embaixadores ocidentais que terminaram os seus mandatos sem serem alvos de corrupção, ou sem serem induzidos em negócios com o regime, sobretudo nos sectores petrolíferos e diamantíferos.


Como resultado, em muitos países africanos, isso conduz à instabilidade social, aos conflitos internos, à pobreza extrema, à exploração da mão-de-obra barata, ao terrorismo e à migração em grande escala da população activa africana para a Europa, que arrisca atravessar o mar mediterrâneo, onde assistimos afogamentos diários de jovens africanos. Os poucos migrantes africanos que atingem à Europa enfrentam situações difíceis e melindrosas de discriminação racial e da exploração da mão-de-obra barata, que se assemelha a escravatura moderna.


Em relação à Angola, quanto ao procedimento dos EUA, as repercussões das eleições do ano passado estão sendo fortemente sentidas agora com o fluxo migratório (sem precedente) de angolanos à Europa. A situação agravou-se com a deterioração das condições socioeconómicas. Hoje, constata-se famílias inteiras dos centros urbanos a comer nos contentores de lixo, uma situação inédita. Muitos cérebros jovens, formados dentro e fora do país, muitos dos quais, com bolsas do Estado Angolano, estão a abandonar o país em massa.


A situação agrava-se com a inflação elevada, a depreciação do Kwanza, desvios de fundos públicos, sacos azuis, despesas ocultas e supérfluas, decadência das instituições públicas, uma gestão danosa das finanças públicas, arbitrariedade, corrupção e partidarização da justiça, repressões generalizadas, corrupção galopante e cultura da impunidade. Na verdade, o Estado de Direito e Democrático (em via de construção) em Angola desapareceu por completo. As instituições públicas estão cativas pelo poder autoritário e absoluto, ditado por uma só pessoa – todo-poderoso.


Em suma, o Continente Africano está no processo acelerado do alinhamento ideológico, que resultará na bipolarização da África entre os países que estão a alinhar-se com o Ocidente e aqueles que estão a alinhar-se com o Bloco Asiático, liderado pela China e Rússia. O novo Conceito da «ordem económica multipolar», defendido pela China e Rússia, que não assenta no pluralismo, na economia do mercado e no Estado de Direito e Democrático, vai reforçar inequivocamente o absolutismo, o autoritarismo e a corrupção em África. Aliás, a autocracia e a corrupção são fenómenos comuns em muitos Países Africanos.


Logo, as consequências da má governação e da ditadura em África são bem previsíveis, e por isso, a Europa vai assumir um fardo mais pesado. Por isso, face à bipolarização do Continente Africano as Potências Ocidentais são aconselhadas a ter uma visão realista do Continente Africano, redefinir a sua política externa e estabelecer alianças seguras e realistas, assentem nos valores políticos, nos interesses económicos, na boa governação, na segurança global e na geopolítica mundial.


Para terminar, é importante dizer que, os dados contidos no Relatório Anual do Departamento de Estado, acima referido, sobre Angola, já estavam em posse da Administração Norte-americana na altura das eleições. Portanto, o reconhecimento do Departamento de Estado sobre as eleições gerais de 24 de Agosto de 2022 (feito à pressa) foi um acto deliberado, que não respeitou integralmente o Nº 3, do Artigo 21º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, que consagra: «eleições livres, honestas e transparentes».