Luanda - Dia de protesto de reflexão sobre a situação real de Angola ficou marcado por zonas de comércio encerradas e fraca circulação nas ruas de Luanda. Mas o resto do país também ficou em casa, dizem organizadores.

Fonte: DW

Bancas vazias nos mercados, pouco trânsito, fraca circulação de cidadãos na via pública: este foi o cenário testemunhado em Luanda pelo correspondente da DW, Borralho Ndomba, esta sexta-feira (31.03) em dia de protesto convocado por um movimento de cidadãos indignados com a situação do país.

 

Gangsta e Angolano Nervoso, porta-vozes do grupo de ativistas que pediu aos angolanos que ficassem em casa no dia 31 de março para refletir sobre a "Angola real", garantem que a paralisação se fez sentir também nas restantes províncias, "de Cabinda ao Cunene".

 

"Conseguimos juntar o povo, unir o povo para refletir Angola. Foi uma tarefa muito difícil, fomos boicotados, mas tínhamos certeza de que iria ser um sucesso", afirma Angolano Nervoso, em entrevista à DW. "O povo angolano aderiu, 89% da população angolana ficou em casa a refletir sobre o país", garante, sem entrar em detalhes sobre a percentagem apresentada.


Mercado vazio

De manhã, no Mercado dos Congoleses, contavam-se pelos dedos as bancas que estavam a funcionar. Inocência Francisco, vendedora de roupa usada, era uma das poucas presentes. "O mercado está vazio por causa do medo que as pessoas têm de sair de casa", afirmou, ao microfone da DW. "Eu tive coragem e vim para aqui. Se não viermos trabalhar, [o Presidente] João Lourenço não nos vai dar de comer. Essa manifestação é com eles, não temos nada a ver com isso", frisou.

 

"Os clientes não estão a aparecer", lamentava ao mesmo tempo um jovem técnico de reparação de telemóveis.

 

A reportagem da DW acabou por terminar de forma abrupta, quando a administração do mercado se mostrou insatisfeita com a presença do repórter no local.


O "deslize" dos taxistas

Tal como avançou o seu líder, Francisco Paciente, também os taxistas não aderiram à manifestação "Dia 31 Fica em casa" convocada nas redes sociais pelo ativista Nelson Dembo "Gangsta". Confrontado com esta informação pela DW, o organizador do protesto diz que se tratou apenas de um "pequeno deslize" dos taxistas, antes de se "compadecerem com a dor dos seus irmãos".

 

"São seres humanos e o lado de cidadão veio ao de cima. Nós somos um movimento de cidadãos", afirma Gangsta.

 

"Os taxistas refletiram Angola e muitos colaboraram", garante, por sua vez, Angolano Nervoso.


Ao final da tarde, o correspondente Borralho Ndomba fez o balanço de um dia atípico na capital: "Não foi um dia normal para uma cidade agitada como Luanda, até porque é fim do mês, uma altura de correria, normalmente".

 

"De manhã, não houve dificuldade de arranjar transporte, ao contrário do que acontece habitualmente e as ruas que estão normalmente congestionadas hoje estavam a fluir, como a estrada da Samba e a estrada Deolinda Rodrigues, que liga o município de Viana ao centro de Luanda", explicou.

 

Nas zonas pedonais, segundo o correspondente da DW, não houve, pelo menos de manhã, o aglomerado habitual de vendedores ambulantes. Ao início da tarde, alguns retomaram as atividades, no entanto.

 

Não se sabe ao certo como é que a organização do protesto conclui que houve 89% de adesão em todo o país, adianta ainda Borralho Ndomba. Mas muitos ficaram em casa - nem todos para cumprir o dia de reflexão, mas antes por medo, "para não serem agredidos ou detidos, devido à alegada intimidação das autoridades nas vésperas".


Mais protestos à vista?

A manifestação, assegura Gangsta, foi silenciosa e pacífica, tal como se pretendia. Não houve registo de distúrbios, acrescenta Angolano Nervoso, que espera que os dirigentes angolanos vejam a manifestação desta sexta-feira "como uma boa mensagem".

 

"Esta é uma manifestação pacífica, uma desobediência nacional, mas serve de mensagem para o Governo. Se não acatar, haverá outras. Não vamos fazer distúrbios, não vamos partir nada, vamos fazer sempre tudo na legalidade", sublinha.

 

Os organizadores prometem continuar a lutar para "exigir os direitos dos angolanos", perante uma "imagem de penúria e desgovernação total" em Angola.

 

"Angola é um país que não está certo", diz Gangsta. "É preciso olhar e procurar um rumo. Libertar as consciências dos angolanos para tirar a tirania e a ditadura do poder. A nossa geração não vai desistir".