Lisboa - Durante uma acareação realizada nesta quarta-feira, 11, em Luanda, a Procuradoria Geral da República apresentou pela primeira vez, uma gravação (em áudio) de uma conversa telefônica entre o Presidente do Tribunal Supremo Joel Leonardo e o seu sobrinho major Silvano Antônio Manuel, em que o segundo reporta sobre a operação que visava extorquir USD 6 milhões ao antigo ministro dos transportes Augusto da Silva Tomás, em troca de liberdade.

Fonte: Club-k.net

Presidente do Supremo  arquitetou tudo com um primo de Tomás

Conduzida por um magistrado da DNIAP, José Domingos Henriques Lino, a acareação - segundo fonte do Club-K - teve o propósito de confrontar todos os implicados do processo NUP 7898/2023-DNIAP, relacionado a rede de extorsão do Tribunal Supremo, que em dezembro de 2022, chantageou Augusto Tomás.


Foram convocados para esta acareação, o major Silvano Antônio Manuel (arguido e sobrinho de Joel Leonardo), o ex-ministro Augusto da Silva Tomas (vitima), e a esposa Delfina Cumandala, dois guarda do condomínio atlântico onde a vitima vive, e um antigo diretor de gabinete de Tomás, o advogado e professor universitário Augusto Trindade. Estiveram também seis advogados, que fazem a defesa dos implicados.

 

Desde os interrogatórios realizados em datas anteriores, o major Silvano Antônio Manuel vinha negando ter ido a residência de Augusto Tomas, em dezembro de 2022, para transmitir a mensagem do seu tio Joel Leonardo de que o antigo governante deveria providenciar o equivalente a 6 milhões de dólares, caso contrario regressaria para a prisão.

 

Nesta manha de quarta-feira, 11, o major Silvano Antônio Manuel, que se encontra detido na comarca de viana, desde fevereiro, foi levado a direcção da DNIAP, no bairro Vila Alice, para um frente-a-frente com todos os protagonistas deste processo. Assim que chegou a sala da audiência, o procurador José Lino convidou-o a tirar a masca perguntando aos guardas de Augusto Tomás se o conheciam. Estes foram peremptórios em afirmar que era o elemento que no passado mês de dezembro esteve no condomínio do seu patrão.

 

Questionado pelo procurador se conhecia os mencionados guardas, o major Silvano Manuel, mediante as evidências descritas pelos dois guardas acabou dizendo que um dos elementos era a pessoa que o fotografou quando foi ao condomínio Atlântico. O procurador perguntou-lhe também, o que foi fazer naquele condomínio, e este admitiu que foi ter com Augusto Tomás, para de seguida ter ficado em silencio quando indagado se ia a mando de quem.

 

Está foi a primeira vez que este sobrinho de Joel Leonardo admitiu que esteve em dezembro de 2022, no condomínio de Augusto Tomás, embora se tenha recusado revelar o nome da pessoa que confiou lhe esta missão.

 

Prosseguindo a acareação, o procurador José Lino apontou o dedo para um outro homem perguntando a Silvano Manuel se conhecia. O homem apontado era o jurista Augusto Trindade, que é primo e antigo diretor de gabinete de Augusto Tomás no ministério dos transportes.

 

Igualmente professor universitário, o jurista Augusto Trindade é citado nos autos como a pessoa que forneceu as coordenadas da residência de Augusto Tomás a rede de Joel Leonardo. Ao serem indagados, tanto Silvano Manuel como Augusto Trindade negaram categoricamente que alguma vez se conheceram. Silvano Manuel respondeu inclusive que nunca ouviu falar do nome deste primo de Augusto Tomás.

 

Face a negação dos dois, o procurador José Lino, pediu um minuto para poder abrir o seu leptop. Apertou no botão pondo todos a ouvirem um áudio. Voltou a perguntar ao major Silvano se reconhecia a voz que todos estavam a ouvir. O major Silvano Manuel ficou com um ar de pessoa congelada. O áudio era uma conversa telefônica entre Silvano Manuel e Augusto Trindade, em que o segundo dava as coordenadas do condomínio onde mora Augusto Tomas e instruía como deveria abordar a vitima sobre a questão dos 6 milhões de dólares.

 

Encabulado, o major Silvano Manuel disse ao procurador que não reconhecia as vozes do áudio. De forma paciente, o procurador José Lino voltou a apertar na tecla do seu leptop, para abrir um outro áudio, e dirigiu-se novamente ao major perguntando se reconhecia a voz do novo áudio. Silvano confirmou que sim. O novo áudio era a gravação de uma conversa telefônica entre Silvano Manuel e o seu tio Joel Leonardo. Silvano dava relatório ao tio dizendo que já tinha a “solução”.

 

Na gravação, o major perguntava ao tio “encontro o Venerando em casa ou em tribunal”. O Procurador voltou a perguntar ao major Silvano dizendo-lhe “agora diz que não” prometendo por mais outra gravação. Encabulado, Silvano Manuel admitiu que era a sua vez mas ressalvando que não sabia quando o dialogo aconteceu.

 

O procurador fez lembrar a Silvano Manuel que a sua residência foi alvo de buscas e apreensão e que durante a operação foram confiscados documentos, e inclusive o seu telefone foi confiscado pela PGR. Silvano Manuel respondeu que “sim”, que estava ciente da operação.

 

Diante das gravações e de provas documentais, o sobrinho de Joel Leonardo admitiu que esteve em casa de Augusto Tomás, em dezembro passado e que horas antes abordou sobre a operação com o antigo director de gabinete Augusto Trindade.

 

Nesta acareação ficou patente da existência de uma complô instalado no Tribunal Supremo que faz trafico de sentenças, e que tem o próprio juiz Joel Leonardo como líder, o antigo diretor de gabinete de Augusto Tomás, tal como o major Silvano Manuel, na qualidade de cobrador dos valores. Todos eles já foram constituídos arguidos, excepto o juiz Joel Leonardo, por gozar de imunidades.

 

Encarcerado desde setembro de 2018, num processo de corrupção conduzido pelo Juiz Joel Leonardo, o antigo ministro dos transportes deveria ser colocado em liberdade condicional em Abril de 2022, mas tal não aconteceu porque o mesmo estava a ser condicionado a pagar um elevado suborno em troca da sua liberdade. Tomás rejeitou dar a quantia monetária que lhe estava a ser exigida e como resultado o Tribunal Supremo manteve-lhe encarcerado mesmo quando já tinha cumprido metade da pena.

 

Em Dezembro de 2022, quando Silvano Manuel foi a sua casa de Augusto Tomás dizendo que tinha uma mensagem de Joel Leonardo de que deveria desembolsar 6 milhões de dólares para não ter que voltar na prisão, o antigo ministro dos transporte telefonou para o primo Augusto Trindade, longe de saber que este fazia parte da rede de extorsão de Joel Leonardo.

 

Neste dia, o jurista Augusto Trindade e o antigo ministro Augusto Tomás, falaram primeiro ao telefone, sobre o que se estava a passar e que uma equipa do Tribunal Supremo teria ido ao condomínio do antigo homem dos transportes.

 

Segundo apurou o Club-K, o jurista Augusto Trindade disse ao primo Augusto Tomás, que fez contactos e que lhe confirmaram que o grupo que apareceu no condomínio eram mesmo funcionários do Tribunal Supremo. Disse ainda ao ex-ministro que depois falaria com ele pessoalmente. Posto em casa deste, Augusto Trindade reuniu-se com Augusto da Silva Tomás aconselhando a entregar a quantia monetária que Joel Leonardo, exigia, senão o Venerando Juiz Presidente do Tribunal Supremo, iria fazer outro despacho para que ex-ministro dos transportes voltasse a cadeia.

 

Com as contas bancarias bloqueadas, e aterrorizado com a ideia de que voltaria para a prisão caso não pagasse a quantia exigida por Joel Leonardo, o ex- dirigente do MPLA, disse ao primo que iria acionar as autoridades competentes. Tomás saiu de casa e foi ter com o ex- governador de Malanje Norberto Fernando Dos Santos (Kwata Kanawa) e com o assessor presidencial Isaac Maria dos Anjos, que são seus vizinhos, e colocou-os ocorrente de que estava a ser chantageado por uma rede controlada pelo Presidente do Tribunal Supremo. Estes por sua vez levaram o assunto para o conhecimento do Presidente da República.

 

Convocado no palácio presidencial para prestar esclarecimentos sobre esta grave denúncia, o juiz Joel Leonardo declarou-se inocente. No dia seguinte, da convocatória Leonardo foi interceptado a orientar o sobrinho para sair do país via terrestre, mas já era tarde. O sobrinho foi apanhado no dia 1 de fevereiro na província de Benguela quando se seguia por estrada para a vizinha Namíbia. Ao tomar conhecimento da detenção do sobrinho Silvano Manuel, o juiz Presidente Joel Leonardo produziu as pressas um despacho 06/CSMJ/2023, alegando que tomou conhecimento do acto do sobrinho e que o suspenderia das funções de integrante da sua escolta.