Luanda - Não conhecemos mercenários angolanos. Se há cidadãos angolanos que vendem a sua participação em guerras terceiras a troco de um salário, apenas podemos dizer que o lamentamos

Fonte: SOL


A história recente de Angola foi forjada, como todas as outras histórias de conquista de liberdade, com sangue, suor e lágrimas. Lutámos, contra o jugo colonial, com as poucas armas que tínhamos: o indefetível amor à nossa terra e a ‘sagrada esperança’ por um novo amanhã.

 

Nessa história, o Povo Angolano foi vítima de interesses terceiros. Primeiro, tentando impedir o curso natural de afirmação da nossa independência. Posteriormente, durante a nossa guerra civil, esses interesses contribuíram para o prolongar do conflito e para a perda de milhares de vidas, ceifadas em vão.

 

Nestes conflitos, estiveram em Angola muitos mercenários estrangeiros, cuja única causa para lutar foi o dinheiro que receberam para matar, violar e torturar. Esses mercenários deixaram-nos um imenso rasto de dor.

 

O tema dos mercenários é, consequentemente, algo que mexe com o mais profundo que nós temos. Quando o Estado Angolano é acusado de enviar mercenários para um país terceiro, no caso a Ucrânia, para lutar numa guerra que não é nossa, isso reacende memórias de uma dor profunda, que em nós continua viva.

 

Angola é uma vítima histórica do fenómeno dos mercenários. Defendemos que, nas sociedades humanas, cabe ao Estado o monopólio da violência, pelo que não aderimos à privatização das forças de segurança e defesa. Somos contra a utilização de mercenários em toda e qualquer circunstância, em todo e qualquer conflito, sem tibiezas nem exceções.

 

Neste sentido, nos termos da nossa Constituição, diz o art.º 17º que «A República de Angola respeita e aplica os princípios da Carta das Nações Unidas e da Carta da União Africana e estabelece relações de amizade com todos Estados e povos». Acresce, o mesmo artigo, que «o Estado angolano não permite a instalação de bases militares estrangeiras no seu território, sem prejuízo da participação, no quadro das organizações regionais ou internacionais, em forças de manutenção da paz e em sistema de cooperação militar e de segurança coletiva».

 

Nesses termos, o nosso país está constitucionalmente vocacionado para contribuir para a paz e da segurança internacionais.

 

O posicionamento geopolítico de Angola, caracterizado por uma extensa fronteira terrestre, marítima e inclusive lacustre, obriga-nos a ter uma política não só de boa vizinhança relativamente aos países limítrofes, mas também mostrar uma proatividade para a manutenção da paz e da segurança regional – como recentemente, com o envio de um contingente militar para a República Democrática do Congo. Como é sabido, a prevenção de conflitos violentos é a melhor via para evitar consequências materiais e humanas no interior das nossas próprias fronteiras.

 

No conflito da Ucrânia, sem olhar às causas profundas do mesmo, e independentemente das nossas relações internacionais, vimos defendendo – desde a primeira hora – que este deve ser resolvido no quadro das Nações Unidas, e que os atores deverão respeitar os princípios a que livremente se obrigaram.

 

Se assim é, quando Angola é acusada por uma das partes de enviar mercenários angolanos para a Ucrânia, importa esclarecer que não conhecemos mercenários angolanos. Se há cidadãos angolanos que vendem a sua participação em guerras terceiras a troco de um salário, apenas podemos dizer que o lamentamos profundamente, e que tal contraria o espírito da nossa Constituição e a da nossa Política Externa.

 

Tais iniciativas serão sempre do foro individual, pelo que não poderão contar com apoio do Estado, senão como o que é devido a qualquer cidadão, em qualquer circunstância da sua vida privada, quando fora do seu país.

 

Por todas estas razões, quando são veiculadas notícias desta natureza, sem o devido questionamento às autoridades angolanas sobre a veracidade das mesmas, gera-se um inaceitável dano reputacional sobre o interesse nacional Angolano, gerando respostas afirmativas, reveladoras do sentimento de ultraje sobre algo que fere a nossa memória coletiva e os nossos sentimentos enquanto Povo.