Lisboa - Nós, angolanos, fazemos do infortúnio uma sátira e rapidamente criamos anedotas do que corre menos bem. Acredito que seja a forma que encontramos para enfrentar as “malambas” (agruras) da vida.

Fonte: Jornal Economico

Escrevo-vos de Angola, que muito de vós sabem que tem uma extensão territorial de 1.247.000 km², 18 províncias e uma população estimada em cerca de 33 milhões de habitantes, maioritariamente jovens. Fora estes dados públicos e factuais, somos também conhecidos por fazer do infortúnio uma sátira e rapidamente criamos memes e anedotas do que corre menos bem. Acredito que seja a forma que encontramos para enfrentar as “malambas” (agruras) da vida.

 

Nas últimas semanas foram várias as situações que tiveram direito a partilhas virais nas plataformas digitais, algumas com direito a memes…

 

A TAAG, no seu voo de 24 de Março com destino a Lisboa, enfrentou uma severa condição de turbulência, da qual resultaram dez feridos, sendo mais uma vez colocada em cheque. A contestação vai aumentando, visto o aluguer de aviões e tripulações à empresa Hi Fly criar um sentimento de rejeição a uma instituição que já foi alvo de muito orgulho nacional. Diversos internautas culpabilizaram a companhia e não as condições climatéricas gerando, assim, inúmeros debates…

 

A queda de um edifício de seis andares na rua Comandante Valódia teve direito a meme, pois minutos após o incidente, em imagens de vídeo amador, vê-se um jovem a sair de uma extensa nuvem de poeira com uma cerveja Cuca na mão, que na sátira representa a ideia de que por pior que as coisas estejam há que manter a calma e refrescar a garganta…

 

Foram convocados dois momentos de protesto contra as actuais condições do país. O primeiro, “Fica em casa”, incentivava a população a faltar aos seus compromissos laborais e estudantis e tinha previsto uma marcha, mas a polícia emitiu um comunicado musculado e acredito que a fraca movimentação naquele dia foi mais por receio de confrontos, pois uma população que subsiste primordialmente do sector informal não pode dar-se ao luxo de ficar em casa.

 

O segundo protesto, também com direito a meme, foi convocado para o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, 4 de Abril, em que o descontentamento far-se-ia sentir batendo tampas de panelas nas residências… Mesmo vivendo fora, Tchizé dos Santos aliou-se ao protesto e o vídeo que publicou nas redes sociais foi transformado em meme… Contudo, a adesão foi baixa, tendo-se ouvido apenas na centralidade do Kilamba, que vive uma crise de abastecimento de água, e em Viana, um dos maiores municípios de Luanda, onde algumas pessoas saíram à rua.

 

Temos várias expressões que atestam a nossa resiliência, como “em 1975 foi pior” ou “se enfrentaste inúmeras dificuldades, então esta não é nada” e, por mais estranho que possa parecer, são elas que vão alimentando a memória colectiva e que transmitem a ideia de força e superação, permitindo-nos almejar um futuro melhor, em que as necessidades primárias serão atendidas e em que todos possam ter acesso a saúde e educação condignas.

 

Somos “especiais”, que o atestem os quatro ocupantes de um carro desgovernado que embateu no terminal do Porto de Luanda, incendiando-se e provocando danos avultados, pois circulavam com excesso de velocidade e saíram com vida. Acredito que depois disto, dirão certamente que não foi nada…

 

*Licenciada em História pela Universidade de Coimbra