Luanda - As notícias que chegavam dispersas a Luanda, vindas da «metrópole», eram inquietantes nessa quinta-feira ainda quente de Abril. Verdade ou mentira, a comunidade branca, composta por cerca de 300 a 400 mil pessoas, acordou mais numa vez da sua letargia.

Fonte: JA

Em 5 de Outubro de 1910, a comunicação chegara por telegrama, acabara a monarquia e instalara-se a república em Lisboa. O sobressalto não foi grande entre a ainda pequena comunidade branca, pois havia até degredados na fortaleza de S. Miguel acusados de atentarem contra o sistema monárquico português, e na imberbe Luanda branca havia até grupos de republicanos.

 

Cinquenta anos depois, a 4 de Fevereiro, a comunidade branca foi apanhada desprevenida e exigiu medidas militares drásticas a Lisboa, para a erradicação do «terrorismo». Um mês após, novas «más notícias», desta vez vindas do Norte. Tinha havido matanças. No Largo da Portugália, perto de onde é a sede do Jornal de Angola, os boatos voavam à velocidade da luz, a população negra, que vivia na tutela da comunidade branca, ouvia e nunca comentava porque uma palavra mal interpretada significava a morte.

 

Então veio a guerra de libertação nacional e a sua antípoda, a guerra colonial. A comunidade branca de Angola pensava que o exército enviado de Lisboa acabaria com o «fenómeno terrorista» em meses e a calma voltaria à colónia «jóía da coroa». Engano. A guerra durou treze anos.

 

A perplexidade apoderou-se dos grupos informais de colonos, que não conseguiram descortinar, num primeiro momento, o que se passava em Lisboa. Mesmo a Imprensa se mostrou desorientada e sem saber o que publicar porque a situação nos primeiros dias era «inédita». O «Estado Novo», o «Salazarismo» agora dirigido por Marcelo Caetano, era apeado por militares que faziam declarações favoráveis à «autodeterminação» das colónias, era uma alteração radical de toda a lógica do poder em Luanda. «O que nos vai acontecer se for verdade?», interrogavam-se muitos colonos, acomodados na sua tranquilidade.

 

A população de Luanda, segundo o censo de 1960, era constituída por 224.540 pessoas, das quais cerca de 70% africanos, 24,7% brancos e 6,1% "euro-africanos", e em 1974 não seriam muitos mais.

 

As notícias chegavam à «Luanda branca» pelas ondas curtas de 11 e 13 metros da Emissora Nacional de Lisboa e, muito a custo, por chamadas telefónicas que nesse tempo não eram directas, sendo necessário marcar hora nos CTT para chamadas distritais e internacionais.

 

Nos bairros africanos, onde a informação só chegava pela rádio oficial, a Emissora Oficial de Angola, imperava a desconfiança silenciosa, vinham à mente de muita gente recordações antigas e menos antigas, prisões, mortes, incêndios.

 

A Luta de Libertação Nacional

Duas componentes importantes faziam parte da luta pela Independência Nacional. A luta armada, realizada por operações de guerrilha em várias frentes do país, obrigara Lisboa a despachar para Angola um exército de dezenas de milhares de efectivos. Localmente, as autoridades militares coloniais puseram de pé um não menos importante contingente constituído por africanos, tentando inflectir o carácter da luta para um confronto entre nacionais angolanos. Mas poucos oficiais africanos passavam da subalternidade dos alferes.

 

Por outro lado, não menos importante, o «interior», a luta política clandestina de libertação nacional, realizada por nacionalistas, sobretudo jovens, que igualmente arriscavam a vida num confronto com a polícia política colonial portuguesa, a PIDE, e os Serviços Militares de Informação. Centenas de nacionalistas estavam presas no Tarrafal, Cabo Verde, em São Nicolau, Namibe, no Missombo, Cuando Cubango, e na Cadeia de São Paulo em Luanda.

 

A surpresa atingiu também as forças armadas e de segurança coloniais que aguardavam ordens da «metrópole» para darem solução a tantos presos políticos, a maior parte dos quais confinados em celas de prisões e de campos de concentração sem nunca conhecerem um julgamento judicial civil.

 

De Lisboa, chegavam "mujimbos". Um "movimento de capitães" apeara Marcelo Caetano e pusera fim à ditadura de dezenas de anos, falava-se de general Spínola, a quem muitos colonos agora chamavam "traidor", e pouco mais.

 

Quando o Movimento das Forças Armadas português em Angola recebeu orientação para «libertar» a sociedade, os presos políticos saíram das prisões.

 

Essa «libertação» atingiu a comunidade africana que, de repente explodiu em actos de nacionalismo, dividindo-se entre os três movimentos de libertação nacional «legitimados» pelo MFA. O novo poder de Lisboa reconheceu legitimidade apenas às forças que tinham lutado de armas na mão contra o colonialismo, excluindo partidos recém-formados, que deviam diluir-se no seio dos movimentos de libertação nacional.

 

O presidente do MPLA, Agostinho Neto, encontrava-se no Canadá. Como a informação era precária e prevalecia a comunicação social alinhada com a ideologia colonial, Agostinho Neto mostrou-se desconfiado num primeiro momento e no dia seguinte envia um telegrama para Brazzaville, para Lúcio Lara, a solicitar informações mais precisas. A 27 de Abril o Comité Director do MPLA informava sobre os acontecimentos em Lisboa, na sequência da publicação de um panfleto do Partido Comunista Português. No dia 30 de Abril, é publicado em Luanda um Manifesto da Comissão Cívica Democrática de apoio à Junta de Salvação Nacional portuguesa, subscrito por Albertino Almeida, Alfredo Bobela-Mota, Eduardo Saraiva, Maria do Carmo Medina, Mário Sousa Dias, Zeferino Cruz e Eugénio Ferreira. E no dia 1 de Maio, a partir de Lusaka, capital da Zâmbia, onde o MPLA tinha uma das suas sedes, o Comité Director do MPLA toma posição, publicando "A propósito da tomada do poder em Portugal por uma Junta Militar."

 

Holden Roberto, presidente da FNLA, só falaria através dos microfones da Rádio Angola Livre, a partir de Kinshasa, no dia 3 de Maio. A mobilização da população africana para a causa da Independência Nacional começou a ser feita, sobretudo, por militantes saídos das prisões, e, numa primeira fase, em meados de 1974, assistiu-se a uma unidade de esforços nas bases da FNLA e do MPLA, que apareceram juntos em inscrições no Bairro Popular de São Paulo, em Luanda. A UNITA era considerada «traidora» por alegadamente ter colaborado com os colonialistas e viam-se até inscrições em paredes com os dizeres «Jonas Judas».

 

Na verdade, já depois do 25 de Abril, com os militares portugueses a festejarem o iminente regresso a casa, a UNITA faz ataques inesperados contra o exército luso no Alto Cuito-Nhonga, matando 19 militares portugueses e capturando um grande número de armas.

 

Era o primeiro ataque da UNITA desde há anos, depois de um alegado acordo secreto UNITA-generais Costa Gomes e Bettencourt Rodrigues.

 

Jonas Savimbi, com este ataque extemporâneo, pretendia aparecer em situação vantajosa no acordo que teria lugar daí a 3 meses com as forças armadas portuguesas para o fim da guerra.

 

Savimbi e o Comando português no Leste de Angola, por volta de 1972, celebraram um «pacto de não-agressão em que a UNITA se confinava a determinadas zonas», teoricamente com a obrigação de não atacar guerrilheiros da FNLA e do MPLA.

 

Enquanto Savimbi alegadamente se entendia com o exército colonialista, este lançou operações helitransportadas no Leste (códigos Siroco e Rojão RH) para desmantelar militarmente o MPLA.

 

Holden Roberto, conversando comigo em 1991, sobre este acordo, disse textualmente: «Uma vez, as nossas forças avançaram para além do Moxico, da região cokwe para a região ovimbundu, e então Savimbi envia-me um papel escrito pela sua própria mão para não ultrapassarmos aquela linha. Eu ignorei as ameaças de Savimbi e então a tropa portuguesa atacou as nossas forças, tendo havido muitos mortos e prisioneiros.»

 

Turbulência em Luanda pós 25 de abril

Enquanto em Lisboa o processo decorria sem retorno, em Luanda começam espontaneamente formas de organização informal de pequenos colonos que diziam em surdina não tolerar a entrega de Angola aos terroristas por traidores de Lisboa.

 

O general Spínola, chefe da Junta que governava Portugal, pensava numa solução que preservasse os interesses portugueses. Angola era a maior colónia portuguesa e a mais rica, com um posicionamento estratégico no Sudoeste de África.

 

O general Silvino Silvério Marques é nomeado governador-geral de Angola, onde tinha estado no início da década de 1960. A 15 de Junho de 1974, chega a Luanda e é recebido no aeroporto por uma manifestação hostil do Movimento Democrático de Angola (MDA), organização que daí a uns meses, e cumprindo os acordos de Alvor, teve de se diluir no MPLA, pois a legitimidade partidária só consagrou as organizações que desenvolveram luta armada contra o colonialismo.

 

Nesse dia, os militares angolanos das Forças Armadas Portuguesas tomam posição frente aos frequentes massacres perpetrados por grupos de brancos nos bairros africanos de Luanda. Atingiam talvez o milhar e meio e concentraram-se na Fortaleza de S. Miguel enfrentando o comando-chefe das FA portuguesas. Partiram do RI-20 e, na Rua da Misericórdia, já na Cidade Alta, a Polícia Militar abriu fogo provocando mortos e feridos. Mesmo assim, os militares angolanos que serviam as Forças Armadas Portuguesas (FAP) não desistem da sua marcha e chegam à fortaleza para falarem com o general Franco Pinheiro, comandante-chefe das FAP. Reivindicavam o fim da actuação discriminatória da Polícia e da PM no tratamento às manifestações de africanos e de europeus, igualdade étnica nas patrulhas e críticas à demora no envio de efectivos para o Cazenga na sequência de um massacre. O general, depois de uma intervenção acalorada do nacionalista Jorge Pessoa, que exige o fim das operações militares e a independência imediata e completa de Angola, concorda com todas as exigências e nesse mesmo dia, no funeral das 5 vítimas do ataque no Cazenga, milhares de pessoas são protegidas, desde a Liga Nacional Africana ao Cemitério Novo da Estrada de Catete, por militares angolanos ao serviço das FA portuguesas.

 

Nesse dia, o advogado Diógenes Boavida, que trabalhava nos Serviços de Geologia e Minas e que viria a ser ministro da Justiça, chefia uma delegação de individualidades angolanas a Lisboa para dar conta dos graves incidentes e pedir providências. A comitiva foi recebida pelo general Costa Gomes, membro da Junta de Salvação Nacional (JSN) e chefe do EMG das FAP.

 

Entretanto, os comités do MPLA organizam-se e mobilizam a população para a Independência Nacional. De entre esses comités de apoio ao MPLA sobressaíam os Comités Amílcar Cabral (CAC) e os Comités Henda, além dos Comités Jinga e outros que desencadeiam acções massivas de propaganda e mobilização, enquanto, na ausência de uma força militar nacional, a segurança era assegurada pelos militares angolanos ao serviço das FA portuguesas.

 

Mas o processo era irreversível e já Marcelo Caetano, Primeiro-Ministro português, rumava para o Brasil, em situação de exílio. Se a comunidade branca, em geral, entrava em estado de depressão, uma minoria activou acções a culminar latentes crispações entre as duas comunidades antagónicas de Angola.

 

João Pedro Benge, um enfermeiro de 39 anos, é assassinado com um tiro à queima-roupa num bar, junto da Cidadela Desportiva. O funeral contou com milhares de pessoas de todos os estratos da sociedade e foi descrito, num relatório para Lisboa, como uma "autêntica manifestação política” a favor da Independência de Angola.

 

A 11 de Julho, um taxista branco aparece morto degolado no bairro da Cuca, e é quanto basta para sectores radicais da comunidade branca desencadearem a partir dos dias seguintes massacres nos bairros negros.

 

As surtidas de milícias de brancos começam no Bairro Mota e espalham-se pelo Cazenga, Rangel, Marçal, Lixeira, Golfe, Prenda, cenários diários de explosões, provocando milhares de deslocados africanos que correm para a estação ferroviária do Bungo, na ânsia de apanharem o comboio para o Kwanza Norte e Malanje. Eram sobretudo mulheres e seus filhos, no que foi o primeiro êxodo de Luanda após o 25 de Abril de 1974. Centenas de vítimas de armas de fogo são atendidas no Hospital de S. Paulo, unidade hospitalar que fora criada como "Hospital Indígena". Uma greve geral paralisou fábricas, oficinas, organismos públicos onde trabalhavam africanos, que buscavam situações salariais justas, pois os seus salários eram geralmente muito inferiores aos dos seus colegas brancos.

 

No início de Julho de 1974, uma "extrema direita" de colonos começa a ganhar corpo em Luanda, a Frente de Resistência Angolana (FRA), de Pompílio da Cruz, e no mês seguinte, a 24 de Agosto, esta organização declara que não hesitaria em desencadear um golpe de força para evitar "a entrega de Angola” aos "extremistas de tendência comunista do MPLA”.

 

Um acordo entre o MPLA e a FNLA para o estabelecimento de uma frente comum para negociar com Portugal é anunciado no dia 28 de Julho de 1974, domingo, mas a sua concretização não chega a ver a luz do dia, na sequência de incidentes a 15 de Julho que fizeram 12 mortos e 60 feridos e do dia seguinte mais 16 mortos e 63 feridos.

 

Devido ao agravamento da situação e à recusa de Silvério Marques em trabalhar com o MFA, o ramo local do Movimento das Forças Armadas de Portugal envia, a 17 de Julho, um ultimato a Lisboa exigindo a substituição do governador-geral por alguém aceite pelo MFA local no prazo de 72 horas, findo o qual "o MFA em Angola assume a obrigação da tomada das medidas adequadas face à gravidade do actual momento em Angola e à sua previsível evolução". Dois dias depois, chega a Luanda uma comissão de inquérito e o governador-geral é chamado de urgência a Portugal.

 

Então, tudo se precipita. A 24 de Julho, é promulgada a Lei 6/74, que estabelece Juntas Governativas para Angola e Moçambique, para as quais transitavam os poderes dos governadores-gerais, sendo o almiramte Rosa Coutinho nomeado presidente da Junta Governativa de Angola, chegando no dia seguinte a Luanda, onde dissolve o governo provisório de Silvério Marques e se reúne com o MFA local. A Junta Governativa, presidida por Rosa Coutinho, incluía representantes dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, as mesmas personalidades escolhidas pelo MFA de Angola para liderar os três ramos após o planeado golpe (Silva Cardoso da Força Aérea, Altino de Magalhães do Exército e Leonel Cardoso da Marinha), assim como um elemento que representaria o MFA local, o major José Emílio da Silva.

 

É ainda em Agosto, no dia 9, que em Lisboa, a Junta de Salvação Nacional anuncia o programa de descolonização para Angola, tornando o processo da Independência Nacional irreversível.

 

Mas a 28 de Setembro, o Movimento das Forças Armadas (MFA) proíbe uma manifestação de apoio ao Presidente António de Spínola, em Lisboa. Supostamente tratava-se de uma tentativa de golpe de Estado por forças próximas do general Spínola e a rejeição da política do MFA. Muitas pessoas barricam-se e cortam os acessos a Lisboa. Spínola apresenta a demissão e o seu sucessor é o general Francisco da Costa Gomes, membro da Junta de Salvação Nacional e chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Portuguesas.

 

Nesse segundo trimestre de 1974, os Serviços de Segurança coloniais alertam, em Luanda, em comunicados "secretos", para o lançamento da "guerrilha urbana" pelos "comités clandestinos do MPLA", que "actuam entre os 400 ou 500 mil africanos de Luanda, alargando a sua base para outras cidades como Benguela, Ndalatando e Huambo".

 

Os Serviços Secretos coloniais portugueses, em Luanda, reportavam que a acção do MPLA era desencadeada por organizações que lhe eram afectas, tais como o MDA-Novimento Democrático de Angola, a FRESDA-Frente Socialista Democrática de Angola de Mesquita Brehm, o Congresso Angolano e o MDIA-Movimento Democrático para a Independência de Angola. E chamam a atenção para o desencadear de greves, comícios e movimentos estudantis, "com apoio da Liga Nacional Africana”. E "denunciam" alguns nomes como pontas-de-lança da acção do MPLA, tratando-os por "drs": Diógenes António Assis Boavida, Mesquita Brehm, Albertino dos Santos Fonseca de Almeida, Alberto Mac-Mahon Vitória Pereira e Maria do Carmo Medina.

 

Os serviços secretos portugueses em Angola "alertam" para a possibilidade de a FNLA também estar envolvida em actos "subversivos" em Luanda, por intermédio do seu grupo "Pano Rasgado".

 

Em meados e fins de 1974, a situação política em Luanda era de grande crispação, com um intenso trabalho de activistas afectos ao MPLA mas integrados noutras organizações simpatizantes, como o MDA e a FRESDA. O Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas Portuguesas em Angola refere, em documento secreto, uma invasão à Câmara Municipal de Luanda (hoje Governo Provincial de Luanda), em Outubro de 1974, protagonizada pelo MDA e FRESDA. O arquitecto Troufa Real ter-se-ia apoderado do microfone e gritado: "Fora com a vereação, abaixo os fascistas, camaradas, isto é nosso, o povo é quem manda. Viva o MPLA, viva o Dr. Agostinho Neto!". E no salão nobre, a fotografia do general Spínola foi substituída pela fotografia de Agostinho Neto.

 

A UNITA, que não possuía força militar significativa, acelera as negociações com Portugal, logo em Junho de 1974, lançando ainda operações militares contra efectivos militares portugueses já quase desactivados e envia massivamente jovens mancebos para fazerem recruta na base de Cangumbe, onde celebrou o primeiro acordo com Portugal a 14 de Junho. A FNLA recruta entre os refugiados e seus descendentes no Zaire e o MPLA inicia o recrutamento entre jovens de Luanda, que envia para os Centros de Instrução Revolucionária (CIR). Em 1 de Agosto de 1974 são criadas as FAPLA, reforçadas com a integração de muitos militares angolanos que serviam no Exército português. A 27 de Setembro de 1974, por ordem militar de Agostinho Neto, também comandante-chefe das FAPLA, são nomeados para o Estado-Maior General os comandantes Xiyetu, Jika, Monstro Imortal, Nzaji e Bula Matadi. A 22 de Outubro é assinado o cessar-fogo entre delegações militares portuguesa e do MPLA.

 

Por essa altura, há uma segunda onda de violência em Luanda. Era Novembro de 1974, um ano antes da proclamação da Independência Nacional. Os três movimentos de libertação nacional já tinham negociado a paz com Portugal e já se tinham instalado em Luanda. A FNLA abrira a sua sede a 30 de Outubro, o MPLA a 8 de Novembro, com a chegada da sua delegação chefiada por Lúcio Lara, e a UNITA a 10 de Novembro, e 15 dias depois a FNLA e a UNITA encontram-se em Kinshasa para tentarem um acordo.

 

No lado português, a inoperacionalidade militar acentuava-se, os soldados já não queriam combater nem correr riscos. Entre os colonos, ansiava-se por uma força que reproduzisse em Angola um processo rodesiano, isto é, uma independência dirigida pela comunidade branca.

 

Com a instalação dos 3 movimentos em Luanda, começam as escaramuças e a situação torna-se muito complicada.

 

Lúcio Lara tinha chegado a Luanda a 8 de Novembro de 1974 e ficou surpreendido com o alto grau de mobilização e o nível de organização do MPLA no interior, no qual pontificava, Hermínio Escórcio, que estivera toda uma década prisioneiro, a última vez na Foz do Cunene, Mário Torres e Mendes de Carvalho, que ia de empresa em empresa para mobilizar os trabalhadores africanos.

 

Três meses depois é a vez de Agostinho Neto reunir centenas de milhares de pessoas no aeroporto de Luanda à sua espera, um sinal claro para Portugal.

 

Mas a 23 de Março de 1975, já com o Governo de Transição quadripartido instalado no Palácio da Cidade Alta, as hostilidades militares atingem uma extrema gravidade. É a primeira batalha de Luanda, uma de muitas que ao longo dos meses constituirão a normalidade da vida dos luandenses e que só cessam em 12 de Julho com a expulsão da FNLA e da UNITA de Luanda.

 

A Argélia, Jugoslávia, Cuba, Roménia, Canadá, URSS e países nórdicos da Europa, como a Suécia, apoiavam o MPLA, a China apoiava a UNITA e a FNLA, e os EUA apoiavam a FNLA de Holden Roberto e depois e até 1993, a UNITA. Em Portugal, a situação política era de extrema complexidade, o processo democrático dava os primeiros passos e as indefinições pareciam não ter solução, ficando o país à beira de uma guerra civil em Novembro de 1974. Ainda estavam longe as intervenções militares estrangeiras em Angola. O Zaíre viria a invadir Angola a partir de Julho de 1975, depois de Mbutu ter tentado cercar Cabinda, que considerava território congolês, a África do Sul racista a 9 de Agosto de 1975 e os cubanos desembarcam em força em Angola, a partir de 5 de Outubro de 1975.

 

A 23 de Fevereiro de 1976 regista-se a formalização do reconhecimento da República Popular de Angola por Portugal e a 8 de Março de 1976 Portugal e Angola estabelecem relações diplomáticas.

 

Os antecedentes

Para trás, na segunda metade da década de 1950, começam a emergir grupos de jovens intelectuais nacionalistas que cortam com a lógica do poder colonial, grande parte dos quais são atirados para as cadeias e para os campos de concentração. O "Jornal de Angola", órgão da ANANGOLA, no seu primeiro número de 21 de Novembro de 1953, refere-se à "angolanidade", ainda que de forma discreta, porque o poder não permitia veleidades "separatistas". Sem esquecer a instalação dos maçons da Kudibeka, no ano 1872, que ramificaram de Luanda para a Catumbela e Benguela onde desenvolveram uma acção importante contra a presença colonial portuguesa com a sua organização União dos Defensores de Angola-UDA e o seu jornal "A Defeza de Angola" (1903).

 

A sociedade colonial convulsionava, o mito do "preto fiel” começa a cair por terra, a greve de 1956 nas roças de café do Uíge, as revoltas do Seles e do Amboim de Maio de 1917, dos Dembos de 1907-1908 chefiada por Cazuangongo, e muito antes, entre 1872-1873 a guerra dos Dembos, conflito ocorrido na região entre o rio Zenza e o rio Dande, região de intensa colonização portuguesa na época, do povo cokwe, do Bailundo de 1902-1904, do Kwanyama onde o seu rei morre em 6 de Fevereiro de 1917, pondo fim à própria vida não aceitando o cativeiro, tinham sido reprimidas até ao extremo da quase extinção da cultura nacional tradicional. Sem esquecer, entre os anos de 1850 e 1880, as fugas colectivas de africanos das grandes fazendas que tinham elevado número de escravos.

 

Mas na década de 1960 era a guerra, uma guerra longa e o mundo incomodava-se com a persistência do império colonial português. As Forças Armadas portuguesas eram enviadas para as frentes de guerra, Guiné, Angola e Moçambique, mas Timor Leste e Goa, Damão e Diu também tiravam o sono ao ditador Salazar.

 

A "metrópole” estava exausta, cada vez mais famílias choravam os seus filhos. Daí à "africanização” das Forças Armadas portugueses em África foi um passo, Em Angola, em 1961, 14,9% dos efectivos do exército português eram recrutados localmente, valor que aumenta ao longo dos treze anos de guerra, até atingir os 42,4% em 1973, cerca de metade dos efectivos totais, ainda assim inferiores aos 53,6% de Moçambique, mas sempre controlados pela PIDE e pelos Serviços de Informação Militares. Portugal estava cansado das guerras africanas, a ONU não perdoava e lançou Portugal no desconforto do «orgulhosamente sós».

 

A preparação do 25 de Abril

O Movimento dos Capitães, grupo de oficiais milicianos que entra em choque com a guerra colonial, reúne-se em Cascais, a 5 de Março de 1974, 13 anos depois do 4 de Fevereiro e do 15 de Março, para a aprovação das bases gerais do seu programa, "O Movimento, as Forças Armadas e a Nação” e a partir desse dia o Movimento passa a designar-se Movimento das Forças Armadas (MFA).

 

Quatro dias depois, 4 oficiais afectos ao MFA, entre os quais Vasco Lourenço, são encarcerados no Presídio Militar da Trafaria, para serem transferidos para os Açores. A 14, um numeroso grupo de oficiais generais, a chamada "Brigada do Reumático”, reúne-se com o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, no Palácio de São Bento, afirmando a sua fidelidade à política ultramarina do Governo. Os generais Costa Gomes e António de Spínola, chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, não comparecem, sendo de imediato exonerados dos seus cargos pelo Chefe do Governo.

 

O general António de Spínola, em 1961, com 51 anos, ainda tenente-coronel, foi incumbido de constituir o Batalhão de Cavalaria 345 que parte para Angola em Novembro. A partir de Janeiro de 1962, Spínola e os seus homens instalam-se em Bessa Monteiro e depois em Mbanza Kongo com a missão de lutarem implacavelmente contra os guerrilheiros nacionalistas.

 

A 16 de Março de 1974, na sequência da exoneração dos generais Costa Gomes e António de Spínola, o MFA precipita o golpe militar. A aparente descoordenação entre os membros do Movimento não permite a plena execução das operações. Somente os elementos do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, comandados pelo capitão Virgílio Varela, cumprem o planeado, marchando sobre Lisboa. O golpe fracassa, sendo presos cerca de 200 militares.

 

A 1 de Abril realizam-se reuniões destinadas a debater o conteúdo do Programa MFA elaborado por Melo Antunes e no dia 24 de Abril, às 22h55, a emissora Emissores Associados de Lisboa emite a canção de Paulo de Carvalho "E Depois do Adeus", senha para a preparação da saída dos militares dos quartéis. Às 00h20, é transmitida pela Rádio Renascença a canção de José Afonso "Grândola, Vila Morena", senha que lança a "Operação Fim de Regime”, pelo MFA. Já de madrugada, às 4h00, o Aeroporto de Lisboa é ocupado e às 5h00 o director da PIDE, Silva Pais, telefona a Marcelo Caetano, informando-o do que estava a acontecer, aconselhando o Quartel do Carmo, sede da GNR, como lugar de refúgio. Entretanto, Salgueiro Maia ocupa o Terreiro do Paço e a emissão normal da Emissora Nacional estatal é suspensa às 7h52, uma hora depois de o Primeiro-Ministro se refugiar no Quartel do Carmo.

 

No Quartel do Carmo, Marcelo Caetano pede, à tarde, ao general Spínola, antigo governador-geral da Guiné, que ali compareça para lhe entregar o poder. Spínola entra no Quartel do Carmo, sob o aplauso de milhares de pessoas que enchem o largo. Marcelo Caetano transmite o poder ao general Spínola. Às 21h00, da sede da PIDE, que permanece cercada pela população, são disparados tiros que causam 4 mortes e várias dezenas de feridos.

 

Ainda nesse dia, é promulgada a Lei n.º 1/74, que destitui dos cargos o Almirante Américo Thomaz e Marcelo Caetano, dissolve a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado, cujos poderes passam a ser exercidos pela Junta de Salvação Nacional (JSN).

 

Os mais de cem presos nacionalistas detidos no Campo de Trabalho de Chão Bom, campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, são libertados no dia 1 de Maio.

 

No campo de concentração de São Nicolau, no Namibe, são libertados no dia 3 de Maio alguns milhares de presos. A 5 de Maio, são libertados os presos políticos do presídio da Ilha das Galinhas, na Guiné-Bissau.

 

Os interlocutores Africanos de Portugal

A 22 de Maio de 1974, quase um mês depois do 25 de Abril, Portugal reconhece como interlocutores para a descolonização o PAIGC (Guiné), o MPLA, a UNITA e a FNLA (Angola) e a FRELIMO (Moçambique). Em Julho de 1968, recorde-se, o MPLA passou a ser a única força angolana reconhecida pela OUA. No capítulo da diplomacia, o "Movimento dos Capitães” viu-se perante a necessidade de explicar aos países ocidentais, Estados Unidos, Alemanha Federal, França, Inglaterra e também ao Brasil, a nova política portuguesa. Internamente, os "Capitães de Abril” tiveram de neutralizar o "movimento dos generais” conservadores favoráveis à continuação da guerra, a chamada "kaulzada” (do general da extrema-direita Kaúlza de Arriaga).

 

Antes de 1974, Portugal, Rodésia e África do Sul encontravam-se isolados com os seus regimes ditatoriais minoritários brancos. Os países africanos apoiavam os movimentos de libertação nacional, o que era complexo em Angola devido à existência de três organizações antagónicas. Para trás ficavam os esforços do Presidente do Senegal, Leopold Senghor. Os primeiros contactos entre o Senegal e Portugal datam de Julho de 1963 e visavam uma aproximação senegalesa à Frente para a Libertação e Independência da Guiné (FLING) através do seu líder, Benjamim Pinto Bull, com o objectivo de "tentar um entendimento que permitisse pôr termo à guerra”. Senghor mostrava-se preocupado com as facilidades militares que Sekou Touré, Presidente da Guiné-Conacri, concedia aos soviéticos. Mas a ascensão do PAIGC deitou por terra as negociações.

 

O brigadeiro António Sebastião Ribeiro de Spínola foi nomeado comandante-chefe das forças armadas e governador geral da Guiné e desembarca em Bissau no dia 20 de Maio de 1968. Tem à sua espera uma situação muito complicada, lançando uma vasta operação de aliciamento dos efectivos do PAIGC, tentando a aproximação a Amílcar Cabral, pois a guerra na Guiné estava quase perdida para Portugal, o que, passados 9 meses sobre o assassinato de Cabral em Conacri, leva à proclamação da Independência em Setembro de 1973 em Madina do Boé, que o 25 de Abril reconheceu.

 

A ruptura das negociações consumou-se em 1973, após o assassinato de Amílcar Cabral e a seguir à grande ofensiva militar do PAIGC, a guerra na Guiné iria atingir níveis críticos, e Spínola regressa a Lisboa, em Agosto de 1973, não tendo conseguido uma solução política para a colónia portuguesa.

 

Em Janeiro de 1974, Spínola é nomeado vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e em Fevereiro publica o livro "Portugal e o Futuro" que abala os alicerces do regime colonial.

 

A influência vinda do Congo

A "data iniciática do novo Congo” acontece quando um numeroso grupo de católicos cria a "Consciência Africana” e a 23 de Agosto de 1956, o grupo, fundado pelo Abade P. Joseph Malula, bispo auxiliar de Léopoldville, e estimulado por Joseph Iléo, que tinha colaborado na redacção do primeiro manifesto do grupo, proclama o fim da discriminação racial, e o reconhecimento da personalidade africana.

 

No ano de 1960, após os tumultos de 4 de Janeiro de 1959 em Léopoldville, que provocaram centenas de mortos na sequência da proibição pelos belgas de uma manifestação promovida pela associação ABAKO de Joseph Kasavubu, fundada por Edmond Landu, em 1950, com o nome da Associação dos Bakongo para a unificação, expansão e defesa da língua kikongo, Patrice Lumumba pontificava no Congo e, depois de um discurso firmemente anticolonial no acto da proclamação da Independência Nacional, reconheceu a União das Populações de Angola (UPA) como partido político angolano, concedeu-lhe bases de abastecimento e de treino militar, sendo a principal a de Thyseville, pequena cidade a Sul de Léopoldville e perto da fronteira de Angola, autorizou a utilização da Emissora de Léopoldville para um espaço radiofónico denominado "Voz de Angola Livre” e permitiu a publicação do jornal da UPA "A Voz da Nação Angolana”, que surgiu em Setembro de 1960. Posteriormente, o líder do Katanga, Moisés Tchombé, líder da Confederação das Associações do Catanga (CONAKAT), ganhou relevância contra Lumumba e tentou enfraquecer a FNLA, até ser definitivamente apeado. Em 1963, a tomada do Katanga pelas forças das Nações Unidas obrigou Tchombé a exilar-se primeiro na Rodésia do Norte (actual Zâmbia), e depois em Espanha. Em 1964, regressou ao Congo para fazer parte de um novo governo de coligação como primeiro-ministro. Decidiu expulsar de Kinshasa o que considerava serem os congoleses de Brazzaville.

 

Tal acto foi revogado um ano depois pelo Presidente Joseph Kasavubu. Em 1966, o novo Presidente Joseph Mobutu acusou Tchombé de traição, pelo que este teve de voltar a fugir para a Espanha. Em 1967, foi condenado à pena capital, à revelia. Em Junho, o avião em que viajava foi sequestrado e desviado para a Argélia, onde ficou preso no domicílio até à sua morte em 1969.

 

Dois anos antes da Independência do Congo-Leopoldville (Kinshasa), o Presidente francês De Gaulle, culminando uma estratégia "fracturante", viaja para o Congo-Brazzaville e no dia 24 de Agosto de 1958 faz um discurso propondo "a independência da África Francófona", que teve um enorme impacto inclusive no vizinho Congo-Leopoldville. Lumumba, um dos líderes do Movimento Nacional Congolês (MNC) criado em 10 de Outubro de 1958, viaja para Accra em fins de 1958 para participar na Conferência Pan-Africana dos Povos Africanos, da qual regressa ao seu país como um "herói nacional".

 

O porquê do 25 de Abril

Escreve-se muito sobre a data e até se diz que não é uma data africana, como se África devesse sempre ser o objecto dos outros e não o seu próprio sujeito. Foram as lutas de libertação nacional nas Frentes da Guiné, Angola e Moçambique, também de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe que fizeram colapsar a ditadura portuguesa.

A guerra expandia-se, a luta clandestina não tinha fim com as constantes prisões. As forças armadas expedicionárias portuguesas estavam á beira da exaustão. Então os jovens oficiais milicianos, os «capitães de Abril», assumiram o rumo de uma nova era, com riscos, com coragem, sem olhar a perigos.

As guerras em África não podiam ser vencidas, Portugal era uma bola de fogo. Como um só movimento imperativo, as lutas de libertação nacional e os jovens capitães portugueses, com o guarda chuva de altos oficiais generais de Lisboa, mudaram o destino de vários povos acorrentados. O 25 de Abril é nosso, é africano, e também é português, foi a data em que os povos se uniram em direcção á democracia e à autodeterminação.

 

Major-General Pedro de Pezarat Correia

Oficial de Infantaria com seis comissões, na Índia, em Moçambique, em Angola e na Guiné-Bissau, Pezarat Correia acompanhou de perto a formação do Movimento dos Capitães em Angola, onde se encontrava em 1974. Depois do 25 de Abril foi responsável pela constituição da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA) em Angola, unida na altura num único consenso: o de que a solução para a guerra "teria de ser política e não militar”.

 

(In David Castaño, «Correia, Pedro de Pezarat (2017), … da descolonização. Do protonacionalismo ao pós-colonialismo», Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 118 | 2019, publicado a 26 Abril 2019. URL: http://journals.openedition.org/rccs/8784;DO: https://doi.org/10.4000/rccs.8784

Duas obras fundamentais de Pezarat Correia:

-Descolonização de Angola. A jóia da coroa do império português, 1992

-Questionar Abril, 1994-… da descolonização.

 

Glória ao "25 de Abril”!

 

1. Não me julgo a pessoa mais adequada para falar de eventuais emoções sentidas no dia "25 de Abril de 1974”, uma vez que tomei conhecimento da "Revolução dos Cravos” apenas 1 semana depois, a 1 de Maio. No dia "25 de Abril” e durante a semana seguinte vivi uma realidade virtual, a vida de um prisioneiro encarcerado há muitos anos, sem informações sobre a situação política quer em Portugal, quer em Angola, e mesmo no mundo. Para mim e para os restantes companheiros nada de original se passava, era tudo igual aos meus cerca de 1500 dias ali passados.

 

2. O "Campo de Concentração do Tarrafal” era uma autêntica "Muralha da China”, por onde só entrava o vento… O cenário mantinha-se invariável: os guardas, os presos, os seus afazeres do quotidiano. Até mesmo os corvos que, diariamente, - sempre ao raiar do dia - poisavam sobre o telhado das nossas casernas, traziam a mesma mensagem: nós, os corvos, vossos companheiros de percurso, estamos novamente aqui para vos saudar, como sempre fizemos com as outras gerações de presos políticos que por aqui passaram. Os corvos, sempre os corvos… E também o Harmatão, esse vento quente e seco que sopra vindo do Continente Africano, do Deserto do Sahara… Com a "Revolução dos Cravos” veio, finalmente, uma lufada de ar fresco…

 

3. "A Revolução dos Cravos” fora o resultado do esforço conjugado de todos quantos nas Colónias emprestaram o seu sangue, suor e lágrimas em busca de uma liberdade ansiada por diversas gerações.

 

A minha geração de Combatentes via entreabrir-se, assim, o espaço político para conseguirmos um desejo partilhado com os nossos antepassados. O "25 de Abril” era também um feito conjunto com o Povo Português representado ali pelo "Movimento das Forças Armadas”. Eles e nós fomos os Actores da Mudança.

 

4. O "25 de Abril” acabara de dar "xeque-mate” ao regime de Salazar e Caetano, um regime de cerca de 4 dezenas de anos e que colocara o seu país na cauda da Europa. O "25 de Abril” deu igualmente a oportunidade aos povos das Colónias de traçarem o seu destino. Foi essa a sensação que se apossou de mim no dia 1 de Maio. Era esse omeu sonho.

 

5. O resto, o que veio depois, todos nós já sabemos: nem tudo correu bem. Mesmo com todos os empecilhos, Portugal ficou mais virado para o seu Continente. E melhorou, tornou-se um país livre de Colónias. Recuperou Dignidade e Respeito. Nós tomámos nas nossas mãos o destino do nosso Povo. Mas ainda vamos tropeçando pelo caminho, dissipando recursos, penalizando sucessivas gerações, frustrando as expectativas daqueles que não conviveram com o colonialismo e cujo horizonte histórico são os nossos actos.

 

6. Neste recuo no tempo, fica-me a lembrança de todos quantos como eu alimentaram o sonho da edificação de um País Próspero e Moderno. Aqueles que em nome desse desígnio verteram o seu sangue, tornando-se Verdadeiros Heróis!

 

Rui Ramos

Justino Pinto de Andrade