Luanda - As organizações da sociedade civil e muitos especialistas foram chamados a contribuir para a Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção apresentada pelo Governo.

Fonte: JA

É do conhecimento geral que nos últimos anos a principal reclamação dos especialistas e da sociedade tem sido exactamente o facto do Governo nunca ter colocado a sua estratégia à discussão e contribuição de todos.

 

É estranho por isso que as mesmas pessoas e instituições que sempre reclamaram por não serem ouvidos venham agora reclamar não mais da falta de uma estratégia, mas do facto de não terem contribuído para o seu trabalho preliminar.

 

Muitos entendem que o Governo deveria consultar determinadas instituições, antes de ter elaborado a actual estratégia, como se a sua forma de ver a corrupção fosse a legítima e autorizada e à qual o Governo deveria estar vinculado.

 

Nós que também defendemos aqui a necessidade de uma estratégia aberta à contribuição de todos, não podemos agora estar mais de acordo com o Governo ao ter submetido à consulta popular uma visão e uma estratégia sobre o combate à corrupção. Naturalmente há quem considere o tempo curto e até quem discorde da estratégia, mas como ponto de partida temos todos um documento que nos pode engajar e pode receber as contribuições de quem se considere especialista na matéria.

 

Enquanto jornalistas, a principal nota a referir é o facto da estratégia proposta subalternizar completamente o papel da "Media” no combate à corrupção, o que vai em sentido contrário aos vários apelos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

 

Nunca é demais referir que os media desempenham um papel crucial na sujeição da corrupção ao escrutínio público e na luta contra a impunidade. Algumas das medidas e objectivos desta estratégia como, por exemplo, a promoção de canais de denúncia, da transparência, da cultura da integridade e a promoção do acompanhamento pelos cidadãos do OGE, contratação pública e concurso de ingresso na Função Pública na verdade só podem ser atingidos com uma reestruturação estratégica do papel da imprensa angolana.

 

Uma reestruturação estratégica deve ser conseguida com uma regulamentação mais liberal e moderna da profissão do jornalismo, com o fim da questão de monopólios e oligopólios e com o estudo do impacto da revolução digital no jornalismo como elemento decisivo, ao cobrir e reportar sobre temas de interesse público, notadamente ligados à corrupção.

 

Tal como prevê o envolvimento da escola e da sociedade civil, a Estratégia de Prevenção e Repressão da Corrupção deveria ter incluído uma alteração profunda do panorama mediático nacional, levando, por exemplo, o Estado angolano, que é o maior empregador neste sector, a criar as condições de liberdade e autonomia para que a imprensa angolana possa exercer um papel essencial na estratégia de combate à corrupção no nosso país.

 

A primeira dessas condições é a autonomia editorial. Tanto do ponto de vista funcional como legislativo é preciso assegurar que o exercício da actividade jornalística tenha menos interferências políticas e económicas dos patrões, sejam eles privados ou públicos. Um passo importante para isso é a autonomia dos directores de informação, desde o modo de selecção das matérias ao poder para tomar decisões de modo livre sem se subordinar a nenhuma entidade superior, incluindo o dono ou o seu representante.

 

Outra condição fundamental é a criação de espaços nos órgãos generalistas e de órgãos especializados em um jornalismo de investigação exactamente para lograr que se atinjam os resultados preconizados pela estratégia do Governo.

 

Hoje, para além de se assistir a uma ausência de jornalismo de investigação nos principais órgãos de informação do país, sejam eles públicos ou privados, existe claramente uma tentativa de desvalorização da pouca investigação jornalística que é feita por órgãos considerados marginais e politicamente desvalorizados. São exemplos disso, os casos de corrupção nos tribunais que são liderados por jornais "marginais” e a muito custo as autoridades decidiram investigar. Ora esta é a mudança necessária. A Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção deveria incentivar o aparecimento de mais órgãos de imprensa com essa função escrutinadora, assim como pressionar para que as grandes empresas de comunicação do país exerçam a mesma função.

 

Sem esse enquadramento na estratégia, o trabalho jornalístico de denúncia vai continuar a ser visto como uma tentativa de difamação e calúnia dos gestores públicos, ao invés de ser uma substancial contribuição para o combate à corrupção e um ponto de partida para a investigação criminal. O trabalho jornalístico tem de ser incluído na estratégia como uma importante componente no exercício de denúncia, escrutínio e investigação de casos de corrupção, actos de políticos, governantes e agentes públicos ocultos do conhecimento geral ou perversidades sociais que os seus autores pretendam esconder.

 

Com o seu sistema de denúncias e fiscalização dos actos governativos, o jornalismo investigativo independente oferece à sociedade muito mais chances de mudanças de comportamento, de um corte, ruptura contra as más práticas do passado do que outras instituições.

 

Esse entendimento sobre o jornalismo, não invalida, pelo contrário complementa, a visão da estratégia sobre o papel do ensino. Estamos a falar de tempos diferentes. No imediato é o jornalismo que conduz aos resultados que a longo prazo se pretende atingir com a educação dos cidadãos.

 

A educação vai preparar o futuro, mas é a imprensa que ajuda a mudar a situação actual, caracterizada por uma consciência social favorável à corrupção. Ao mesmo tempo que dizemos combater a corrupção, também incentivamos os nossos familiares, quando nomeados para cargos públicos, a praticar actos de nepotismo e favorecimento familiar. A própria sociedade continua a ser extremamente severa com quem, tendo sido nomeado para cargo público, não tenha tirado proveito pessoal e familiar com isso. A consciência favorável à corrupção também existe quando os próprios funcionários não denunciam os excessivos gastos com viagens ao exterior, as interferências nos actos de gestão financeira das administrações municipais ou ainda as mesadas, propinas e outras despesas que as empresas públicas são obrigadas a fazer para os ministérios de tutela.

 

Sem dúvidas que faz falta nessa estratégia um capítulo sobre o papel da imprensa, em particular do jornalismo investigativo.