Luanda - No âmbito do programa de privatizações, Angola terá faturado cerca de mil milhões de euros - e prevê receber ainda mais. Mas à DW, analistas explicam que nem tudo é o que parece.

Fonte: DW

Privatizações em Angola: "O Estado está mais gordo"

Em outubro de 2019, quando Vera Daves de Sousa assumiu o cargo de ministra das Finanças de Angola, era a mais jovem ministra deste ramo em África - e uma de apenas três mulheres. Também tinha planos promissores para alavancar a economia.

 

Os holofotes incidiam sobretudo no processo de privatizações para diversificar e dinamizar a economia, tido como "nunca antes visto no país". Vera Daves chegou a ser questionada se o partido Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) ainda era marxista, e rindo-se, respondeu: "Nos nossos corações, sim; na realidade, não".


Naquele ano, iniciava-se a primeira fase do Programa de Privatizações (PROPRIV) 2019-2022. Agora, passados três anos, o Estado angolano diz que arrecadou mil milhões de euros em privatizações – e quer privatizar mais.

"Não sou contra"

O economista Manuel Alves da Rocha, especialista do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC-UCAN), diz que não é contra as privatizações. "A privatização precisa de ser feita, mas para que seja viável e atrativa, tem que ser feita com transparência", explica.


Apesar das recentes iniciativas de privatização iniciadas em 2019 com a ministra Daves, "ainda há o grande empecilho da burocracia e da intervenção do poder público", afirma o economista.

 

"Quando se vende um ativo, a burocracia é enorme. Os investidores estrangeiros queixam-se", diz. "O Estado tem um programa de privatizações mas, ao que parece, os resultados em termos de procura – nomeadamente os estrangeiros – não têm sido o que se esperaria que fossem".

"Timing (ainda) não é o melhor"

Por outro lado, o economista Carlos Rosado de Carvalho afirma que o momento para estas privatizações "ainda não é propriamente o melhor", uma vez que "os empresários angolanos não têm dinheiro para comprar, por exemplo, um grupo ENSA (seguros) ou um Banco de Fomento Angola (BFA) e os estrangeiros não estão muito interessados."


Na semana passada, no âmbito da apresentação da prorrogação do Programa de Privatizações (PROPRIV) 2023-2026, o Governo avançou que quer privatizar até 2026 mais 73 ativos e empresas. E frisou que arrancam este ano os processos de privatização da seguradora ENSA, da Unitel, da TV Cabo e do BFA.

 

Além disso, em 2024, prevê iniciar o processo de privatização em bolsa das participações que o Estado detém na empresa nacional de diamantes Endiama, na Sonangol e na Bolsa de Dívida e Valores de Angola (Bodiva). Também estão previstas as privatizações da companhia aérea nacional TAAG e do projeto agrícola Aldeia Nova.

 

Mas "eu não acredito que privatizem a Sonangol até 2027, porque a empresa tem muitos problemas nas contas", comenta Rosado de Carvalho. "E sobre o novo aeroporto e a TAAG [tão pouco] conhecemos os detalhes ou pormenores", critica o economista.


"Sem grandes impactos"

Segundo o também jornalista, não há grandes impactos das privatizações previstas porque, "no grosso, o Estado está a privatizar aquilo que nacionalizou no âmbito do combate à corrupção - é basicamente isso".

 

Além disso, o valor anunciado - cerca de 568 mil milhões de kwanzas (mil milhões de euros) - que terão sido obtidos com as privatizações "são, de facto, um outro mito", explica.

 

"O Estado não arrecadou mil milhões de euros [com as privatizações]. Se arrecadou 150 milhões de euros, é muito. Uma parte deste valor – 750 milhões de euros – refere-se a um SWAP (acordo para a troca de fluxos financeiros). O Estado angolano vendeu uma participação no exterior que detinha na empresa Pumaenergy, ligada ao grupo Trafigura, um dos principais grupos mundiais de negociações de commodities e matérias-primas".


A petrolífera angolana Sonangol "trocou a participação que tinha na Pumaenergy e ficou com a Pumangol, a distribuidora de combustíveis em Angola. Esse SWAP é avaliado em 750 milhões de euros. Portanto, o Estado está a contar com isso no PROPRIV como receita de privatização, mas, de facto, não é. É uma venda de participação", diz Carlos do Rosado.

"Se há alguma coisa aqui é uma nacionalização, porque a Pumangol - que era uma empresa privada - passou para a esfera do Estado. É portanto um mito que o Governo inventou - não existem mil milhões de euros", reitera.


"Estado está mais gordo"

Nesse sentido, Rosado diz que "paradoxalmente, o Estado angolano está agora 'mais gordo' do que antes do início dos processos de privatizações, pois enquanto privatizou pequenas empresas e algumas 'industriazinhas', acabou por nacionalizar grandes companhias, como a Unitel".

 

"A Unitel já era uma empresa privada e, desse ponto de vista, [a privatização] é um regresso ao setor privado. [...] Foi nacionalizada no âmbito do combate à corrupção, com as posições do general 'Dino' e da engenheira Isabel dos Santos".


Questionado se há paralelos entre o atual processo angolano no âmbito do PROPRIV e as privatizações pós-soviéticas, quando muitas empresas estatais russas de peso foram para o controlo de indivíduos ligados ao poder, que rapidamente se tornaram bilionários e oligarcas, Rosado de Carvalho diz que em privatizações anteriores, sim, os processos em Angola podem ter sido pouco transparentes.

 

Porém, no contexto do PROPRIV, "a transferência de propriedades do Estado para o setor privado e para os 'marimbondos' não acontece", diz.

Grupo Carrinho

"Do ponto de vista da transparência, o processo tem ocorrido relativamente bem", afirma. Ainda assim, ressalta que um caso em que se "falou alguma coisa" foi na privatização do BCI, comprado pelo grupo Carrinho, identificado como muito próximo ao Presidente da República. "Se há alguma coisa neste caso é o grupo Carrinho fazer um jeito ao Governo, e não o contrário", refere Rosado de Carvalho.


Sobre os impactos de possíveis privatizações em setores-chave, como a saúde e a educação, Rosado de Carvalho lembra que, nestes ramos, há apenas "pequenas empresas", que não mudam o panorama económico em Angola.

 

Por outro lado, há outros desafios para os programas da ministra Vera Daves, que se prendem com a falta de novos modelos de privatizações, num mercado ainda pouco dinâmico: "O grande desafio do PROPRIV é que os angolanos não têm dinheiro e os estrangeiros não estão interessados em Angola - este é o grande problema", diz Carvalho.

 

Por isso, conclui, "o meu conselho é: se não aparecerem interessados que ofereçam garantias, é melhor não privatizar".