Luanda - "Em Angola, como noutros lugares onde a guerra civil ou situações de crise social persistem por longos períodos de adversidade e privação, as pessoas não se lamentam nem protestam com a situação de pobreza", escreve a académica angolana, Cesaltina Abreu, no artigo científico "Desigualdade social e pobreza: ontem, hoje e (que) amanhã".

Fonte: RFI

Cesaltina Abreu é cientista social em Angola, membro do conselho de política científica da Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa. "Hoje, nas universidades, as áreas prioritárias são as aplicadas, as tecnologias e as digitais... porque o resto incomoda", aponta a socióloga e engenheira agrónoma.

A académica inúmera algumas dificuldades sentidas no campo das Ciências Sociais e Humanas, que continua a não ser uma prioridade em Angola. "Tirar as pessoas do centro é tirar a criatividade e inovação que cada um de nós tem. Essa criatividade não é possível encontrar através de modelos. É preciso recolocar as pessoas no centro, através da participação, mas essa participação exige tempo e hoje não há tempo", descreve. Uma participação que "incomoda as elites políticas, as elites religiosas, apoiadas pelos silêncios e omissões da sociedade", acrescenta.

Cesaltina Abreu sublinha, ainda, a falta de preservação das línguas dos vários grupos étnicos angolanos. "Tudo o que é válido está noutra língua. Este país tem não sei quantas línguas de vários grupos e, ao fim de cinco décadas, Angola ainda não conseguiu adoptar um plurilinguismo, que poderia ter numa primeira fase o bilinguismo o português e a língua local, como língua obrigatória. Mais cedo ou mais tarde isto vai acontecer, mas entretanto já perdemos muito tempo e excluímos muita gente", aponta.

Questionada sobre os traumas colectivos em Angola, Cesaltina Abreu acredita existir "uma cultura de medo. Vamos buscar, o tempo todo, fantasmas do passado. No fim da guerra, a 4 de Abril 2002, usa-se o termo paz efectiva, mas a paz não é o fim da guerra, paz é muito mais do que isso. Seria um processo de construção de uma memória social a partir de memórias colectivas. Isso não seria um processo fácil porque iria criar momentos muito difíceis do ponto de vista dos sentimentos, dos traumas, mas a melhor maneira de lidar com os traumas é enfrentá-los e não fazer de conta que eles não existem", prossegue.


Cesaltina Abreu lamenta que as promessas do Movimento de Libertação Colonial tenham ficado por cumprir; "nas promessas estava a participação das pessoas, através de referendos, na forma de pensar e de organização política e administrativa. Não me venham dizer que é ocidental, mas os Camarões, Nigéria e África do Sul conseguiram encontrar, ao seu jeito, uma forma de fazer a distribuição e a organização da política e da economia de forma a respeitar as culturas existentes, tão maltratadas no período colonial e entre si".