Perante a mediocridade dos nossos dirigentes
É claro que tenho medo e concordo, absolutamente, com os meus preocupados confidentes! Porque somos membros de uma sociedade intensamente militarizada, profundamente politizada e onde, durante longos anos, a força e a prepotência primaram sobre a razão e o Direito. Confesso que muitas vezes hesito bastante em partilhar convosco as minhas experiências e expor, publicamente, as minhas ideias. Isto porque, tenho plena consciência de fazer parte de uma geração que cresceu sob uma vergonhosa cultura de medo, terror e opressão das consciências.
Martin Luther King escreveu, no se livro Força Para Amar, que “uma das coisas que a maioria das pessoas mais teme é a de ser obrigada a tomar uma posição nitidamente contrária à opinião prevalecente. A tendência da maioria é a de adoptar uma maneira de ser tão ambígua que sirva para tudo, ou tão popular que sirva para todos”.
É muito difícil ser cidadão que exige os seus direitos e cumpre os seus deveres numa sociedade intolerante como a nossa, onde as «verdades» e os dogmas instituídos pelos «sábios e clarividentes» são as únicas expressões de liberdade e onde o consenso geral é obrigatório e institucionalizado. Por isso, seria mais fácil para mim viver esta minha efémera passagem por este mundo diluído no anonimato do imenso aglomerado amorfo de angolanos que os poderosos desprezam, descaradamente, e consideram indignos de uma valorização integral.
Não é fácil opinar, abertamente, sobre a amarga realidade do nosso problemático País, numa altura em que dissertar sobre as causas do nosso definhamento colectivo e evocar os males que têm emperrado um dos mais promissores países do mundo é considerado uma velha paranóia de alguns «reaccionários» hostis ao nosso «esforçado governo» e de algumas forças ocultas que teimam em não querer que Angola avance. Por isso, seria mais fácil desligar-me dos problemas dos outros e concentra-me só na organização da minha vidinha. Os outros que se lixem e se arranjem. Apenas eu e a minha família: o nosso futuro, os nossos estudos, a nossa saúde, a nossa estabilidade financeira, o nosso conforto económico e a nossa boa vida. Quero lá saber das condições de vida e do sofrimento dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas.
Acreditem que já tentei várias vezes desligar-me de tudo e concentra-me só nos meus projectos, nos meus interesses e na minha felicidade. Mas não consigo! A minha educação cristã e a minha formação humanista não me permitem ficar indiferente perante a intensa e implacável destruição do angolano, perante o imerecido sofrimento dos meus compatriotas. E pior. Cheguei a conclusão de que o nosso sucesso e o nosso bem-estar só são plenos quando partilhados com aqueles que nos rodeiam. Isto porque a Angola que todos dizemos amar e desejamos ver desenvolvida não é um arquipélago de pessoas isoladas, indiferentes e a viverem apenas concentradas nos seus interesses privados e nas suas ambições pessoais. Angola que todos dizemos amar e desejamos ver desenvolvida é uma comunidade de pessoas que comungam das mesmas aspirações, das mesmas necessidades e dos mesmos problemas. E todos os filhos de Angola desejam e merecem usufruir daqueles bens que elevam a vida!
Portanto, só poderemos dar pleno sentido às nossas efémeras vidas, crescer como pessoas, ser bons patriotas e contribuir para o progresso do nosso País quando estivermos em comunhão com os interesses dos demais compatriotas e preocuparmo-nos, activamente, em saber da sua existência, dos seus problemas, das suas aspirações, das suas alegrias e dos seus sofrimentos. É isto que Mahatma Gandhi quis dizer quando sentenciou: “Não acredito que um indivíduo possa ganhar espiritualmente enquanto aqueles que o rodeiam sofrem”.
Assim, admiro aqueles que se conformam perante o desigual usufruto dos lucros das nossas riquezas. Perante a mediocridade dos nossos dirigentes. Perante os desmandos dos nossos políticos. Perante o mau desempenho dos governantes na gestão dos nossos recursos e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual de todos os angolanos.
Mas eu não consigo conformar-me. E como cristão e cidadão consciente recuso-me, assim, a fazer parte do grupo de angolanos que acha que não tem nada a ver com a política e que, por estarmos em Paz, já não faz sentido criticar os nossos «esforçados governantes» e levantar questões que só fomentam as divisões políticas, étnicas e raciais.
Por isso, não me peçam para não me meter «nessas coisas da política» e para guardar só para mim o que penso da dura realidade angolana. Isto porque, ninguém pode amar, loucamente, Angola ficando alheio ao actual contexto do País e desligando-se dos problemas da Pátria.
Admiro aqueles que conseguem ficar indiferentes às indignas condições de vida e ao imerecido sofrimento dos familiares, dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas.
Mas eu não consigo ficar indiferente! E como cristão e cidadão consciente recuso-me, assim, a fazer parte do grupo de angolanos que acha que não tem nada a ver com os problemas do povo só porque usufruem de um nível de vida que se pode considerar aceitável.
Por isso, não me peçam para ficar no meu cantinho e preocupar-me apenas em organizar a minha vidinha, vivendo somente concentrado nas minhas ambições e nos meus interesses pessoais. Isto porque ninguém pode orgulhar-se de ser um verdadeiro angolano vivendo entrincheirado nas fronteiras da sua «Angola privada», ignorando as condições de vida dos compatriotas e permanecendo indiferente à degradação das estruturas do País e ao imerecido sofrimento dos outros angolanos.
* José Maria Huambo
Fonte: Fonte: http://www.angolainterrogada.blogspot.com