Lisboa - Observações habilitadas indicam que, em questões humanitárias, o governo do Presidente João Lourenço tem se revelado menos sensível, se comparado ao do seu antecessor José Eduardo dos Santos. Na ‘era Lourenço’, os adversários políticos ou críticos que enfrentam prisão lhes é também negado o direito à assistência médica adequada, em violação à legislação angolana e os padrões internacionais de direitos humanos.

Fonte: Club-k.net

Libertado na passada sexta-feira, 23, o activista Gilson da Silva Moreira ‘Tanaice Neutro’, denunciou que durante os 13 meses que andou encarcerado, o governo de João Lourenço, por via do Serviço Penitenciário, negou-lhe assistência médica para tratar do problema das hemorroidas.


O activista vive com o problema há três anos. Tinha operação marcada para Janeiro de 2022, na República da Namíbia. Quando se preparava para viajar, as autoridades prenderam-nos, pelos ‘fabricados’ crimes de “instigação pública, ultraje ao Estado, seus símbolos e órgãos, e rebelião”.


Em Fevereiro deste ano, o activista angolano Luther ‘King’ Campos, assim que saiu da prisão, deu uma entrevista à DW África, da Alemanha, na qual acusou o governo angolano de responsável pelo seu estado de saúde, que afirmou “ser muito grave”.


Luther denunciou que lhe foi negado igualmente assistência médica durante o período de um ano e dez meses de prisão pelo suposto crime de instigação pública.


As más condições da sua detenção de quase um ano levaram à deterioração do seu estado de saúde.


O direito à saúde é considerado fundamental e universal, e isso inclui o acesso aos cuidados de saúde para todos os indivíduos, incluindo aqueles que estão privados de liberdade.


Em Abril de 2019, o governo angolano exonerou a então directora do Hospital Prisão de São Paulo, em Luanda, Ivone Bragança de Vasconcelos Otuo, por esta ter ordenado assistência médica a um dos detidos daquele estabelecimento — Joaquim Sebastião —, que teve uma crise de retenção urinária devido a problemas da próstata.


Joaquim Sebastião foi, na ‘era JES’, director do INEA – Instituto de Estradas de Angola. Quando detido em prisão preventiva, o mesmo teve crise num dia em que estava a ser interrogado pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC).


Os magistrados do SIC alegavam não ter competência para o transportar para uma clínica próxima com especialista em urologia. Diante do impasse, a directora Ivone Bragança, assim que foi comunicada, autorizou que o detido/doente fosse transportado para uma clínica privada, onde foi assistido, algo que terá desagradado o então ministro Ângelo de Barros Veiga Tavares.


“O detido estava em estado de choque, com dores intensas e tensão arterial bastante elevada. As minhas colegas ligaram-me a pedir orientação. Como o HPS (Hospital Prisão de São Paulo) não tem condições básicas para atender a casos dessa natureza, autorizei que fosse levado a uma clínica privada, onde foi prontamente socorrido”, explicou a médica, que foi alvo de um inquérito a mando do então ministro.


Em Outubro de 2020, os advogados suíços do empresário Carlos São Vicente da empresa AAA, em carta enviada a imprensa internacional, acusaram a Procuradoria-Geral da República (PGR) de abandonar princípios jurídicos básicos, alertando que o estado de saúde do seu constituinte inspirava cuidados por sofrer de diabetes e de ter problemas cardíacos.


Face à pressão externa, as autoridades transferiram-no da cadeia de Viana para Hospital Prisão de São Paulo (HPSP), em Luanda, assegurando que lhe marcariam uma consulta externa para ser assistido por um especialista na Clínica Girassol.


O antigo ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás, que se encontrava a cumprir uma sentença de 14 anos, na Cadeia Prisão de São Paulo de Luanda, viu negado o pedido para dar continuidade, numa clínica de Luanda, ao programa da sua reabilitação pulmonar.


O programa englobaria os exercícios físicos e respiratórios, fisioterapia permanente com radiograma, mecanoterapia, cinesioterapia, psicoterapia, massoterapia e reabilitação pulmonar. As autoridades negaram também ao antigo ministro o direito de apanhar as vacinas de prevenção à Covid-19, quando ainda estava na prisão.


No processo contra os antigos gestores do Concelho Nacional de Carregadores (CNC), havia o caso do ex-director-geral Manuel António Paulo, que sofria de problemas de coração. Os serviços prisionais recusaram-lhe o pedido para se deslocar ao exterior, a fim de mudar a bateria do pacemaker — dispositivo médico implantável que tem o objectivo de regular os batimentos cardíacos — que usava no coração.


Aos 29 de Janeiro de 2021, Manuel Paulo teve uma paragem cardíaca, na sua residência, em Luanda, onde cumpria prisão domiciliar, e foi levado para a Clínica Sagrada Esperança, onde faleceu.


No ponto de vista dos seus familiares, se o governo angolano tivesse autorizado a sua deslocação ao exterior, o destino de Manuel Paulo poderia ter sido outro, e não a morte.

CASO ZENU DOS SANTOS

José Filomeno dos Santos não esteve doente, mas sim o seu pai. Em Maio de 2022, este filho varão do antigo Presidente da República José Eduardo dos Santos viu-se impedido de viajar para Barcelona para ficar próximo do seu pai, que se encontrava gravemente doente e no leito da morte.


Apesar de ter sido condenado a cinco anos de prisão no ‘caso 500 milhões’, José Filomeno dos Santos não estava impedido legalmente de viajar, porque, em Junho 2019, no acórdão sobre o recurso do despacho de pronúncia, o Tribunal Supremo levantou todas as medidas de coacção e Zenu dos Santos ficou livre para viajar dentro e fora do país e deixou de estar obrigado a apresentar-se periodicamente no Tribunal.


No entanto, o Tribunal Supremo, liderado por Joel Leonardo, não entregava os passaportes de Zenu, causando arbitrariedades atribuídas às ‘ordens superiores’ da Presidência da República. Zenu foi o único filho de JES que não se despediu do pai no leito da morte, apesar de ter havido várias sugestões apelando ao governo que o deixasse viajar por razões humanitárias.

 

TRATAMENTOS A PRESOS NA ‘ERA JES’


Em finais de 2015, no seguimento do ‘caso 15 + duas”, o rapper e activista Henrique Luaty Beirão fez uma greve de fome de 36 dias. O antigo Presidente José Eduardo dos Santos (JES) baixou instruções para que não o deixassem morrer. Foi assim que Luaty foi transferido para a Clínica Girassol para cuidados médicos.


Em Março do ano seguinte, Nuno Álvaro Dala, um outro activista, implicado no mesmo processo, desencadeou também uma greve de fome de 33 dias. O governo enviou-o depois para a clínica Girassol, pertencente à Sonangol, para receber tratamento.


Angola é signatária de tratados internacionais, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que garantem o direito à saúde e proíbem a tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante.


Um especialista consultado pelo Club-K lembrou que a assistência médica aos presos é uma obrigação do Estado, para garantir a dignidade e o bem-estar dos reclusos.

EXEMPLO DE REGIMES QUE NEGAVAM ASSISTÊNCIA MÉDICA AOS PRESOS

Pesquisam feitas pelo Club-K, indicam que ao longo da história, houve vários regimes ditatoriais que negaram ou restringiram deliberadamente a assistência médica aos presos políticos como uma forma de punição ou controle.

Alguns exemplos notáveis incluem:

União Soviética (URSS): Durante o regime de Josef Stalin na União Soviética, muitos presos políticos foram detidos em condições desumanas nos campos de trabalho forçado conhecidos como Gulag. A assistência médica era frequentemente inadequada ou negada intencionalmente, levando a sofrimentos e mortes evitáveis.


Camboja (Khmer Vermelho): Durante o regime do Khmer Vermelho liderado por Pol Pot (1975-1979), no Camboja, milhares de pessoas foram detidas, torturadas e executadas por motivos políticos. A assistência médica era praticamente inexistente nos campos de trabalho forçado, levando à morte de muitos prisioneiros por doenças e condições médicas não tratadas.


Coreia do Norte: O regime autoritário da Coreia do Norte tem sido acusado de violações graves dos direitos humanos, incluindo a negação de assistência médica adequada aos presos políticos. Relatos de abusos e negligência médica em campos de prisioneiros políticos são frequentemente divulgados por desertores e grupos de direitos humanos.


Chile (Pinochet): Durante a ditadura militar de Augusto Pinochet no Chile (1973-1990), muitos presos políticos foram submetidos a torturas e maus-tratos. A assistência médica adequada foi negada intencionalmente em alguns casos, resultando em mortes de prisioneiros devido à falta de cuidados médicos.

“Infelizmente, essa prática é um reflexo dos abusos generalizados aos direitos humanos cometidos por esses regimes, que visavam silenciar dissidentes políticos e manter o controle autoritário”, rematou uma fonte do Club-K.