Luanda - No dia 27 de Maio de 2023, através da CGTN (China Global Television Network) assisti uma entrevista (em Inglês) de uma académica chinesa, Professora Doutora Keyu Jin, sobre as transformações profundas que ocorrem na sociedade chinesa. Ela chama a atenção da comunidade internacional, sobretudo do Ocidente, para perceber melhor a realidade actual da China e as suas perspectivas, em todos os domínios.
Fonte: Club-k.net
A Doutora Keyu Jin escreveu um livro sobre a dinâmica chinesa, intitulado: “Face to Face.” Na tradução portuguesa: “Cara a Cara.”
A entrevista da Professora Universitária Keyu Jin foi extensa e abordou na profundidade as transformações na China em todos os domínios da vida política, diplomática, económica, tecnológica, científica, cultural e doutrinária. De facto, foi uma abordagem muito interessante, fluida, eloquente e objectiva, tocando em muitos aspectos da governação, da estruturação, da organização, da decentralização político-administrativa e da relação entre o Partido Comunista Chinês, o Governo e o Sector Privado.
O mais interessante, para mim, foi a distinção entre o capitalismo norte-americano e a economia mista (de mercado) chinesa. Lembro-me que, recentemente havia abordado este assunto sobre as características do «capitalismo ocidental» e do «capitalismo de Estado», que prevalece na China e na Rússia. A Doutora Keyu Jin afirmava que, a economia chinesa é mista, dinâmica e competitiva. O Partido Comunista Chinês (Governo) orienta a economia, regula o mercado, traça os objectivos, define a doutrina e determina as prioridades e as metas estratégicas.
Acima disso, ela salientou que, o objectivo estratégico do Governo Chinês é de dominar as novas tecnologias e a ciência, que vão impulsionar e acelerar a industrialização, a modernização, a produtividade e a competitividade. O Estado Chinês visa a acumulação do capital que deve ser distribuído equitativamente, evitando a classe capitalista concentrar todo o capital nas suas mãos.
Na visão dela, a «acumulação excessiva de capitais» por um pequeno número de capitalistas tem o potencial muito grande de criar o desequilíbrio, de reduzir a capacidade de erradicar a pobreza, de não ter recursos suficientes para empoderar a classe média com recursos necessários para atingir os níveis desejados de crescimento tecnológico, científico e know-how, sobretudo na esfera da Inteligência Artificial, que é o grande desafio do Século XXI.
Em poucas palavras, ela sublinhou que, o Governo Chinês tem a responsabilidade de «controlar o crescimento da classe capitalista, mantendo-a dentro dos limites definidos». Nesta óptica, «é preciso travar o surgimento de uma classe capitalista poderosa, capaz de acumular nas suas mãos a boa parte da riqueza do país, que lhe permite colocar-se acima do poder (Estado) político, como acontece nos Estados Unidos da América».
Neste respeito, a Tese da Doutora Keyu Jin é de que, cita: «nos Estados Unidos da América o capital está cada vez mais concentrado num pequeno numero de capitalistas, aumentando, de modo acelerado, a classe dos pobres».
A Professora Keyu Jin, nesta entrevista, reconheceu que, na economia de mercado deve haver a livre iniciativa e a competitividade, que são os motores de crescimento, da produtividade e da inovação tecnológica, cientifica e know-how. Só que, o Estado deve controlar a competitividade para que haja o empoderamento das classes baixas e médias, para que elas possam defender-se (dentro mercado) dos grandes capitalistas, que têm o domínio do poder financeiro e tecnológico.
Levantou a questão de que, nesta fase da economia chinesa os mecanismos de freios estão a funcionar bem. Todavia, nas fases mais avançadas da economia do mercado a China poderá vir enfrentar os grandes desafios não somente da competitividade, da inovação e da produtividade, mas sobretudo, do controlo da classe capitalista chinesa, que continua a crescer e a competir-se eficazmente no mercado interno e externo.
Pois que, segundo ela, os mecanismos de freios e de empoderamento estatal poderão desacelerar o ritmo do crescimento da economia chinesa, pondo em causa a sua competitividade com os Estados Unidos da América, cuja economia capitalista depende da propriedade privada, da iniciativa individual e da competitividade.
Em síntese, a tese da Doutora Keyu Jin reside na diferença entre a Doutrina do Partido Comunista Chinês e o sistema capitalista dos Estados Unidos da América. Na sua análise: «na China o Estado está acima do Capital, e os Capitalistas sujeitam-se ao Governo, na qualidade do Estado». Ao passo que, na afirmação dela: «nos Estados Unidos da América esta lógica está invertida porque o Capital está acima do Estado e o Governo é comandado pelos detentores de capitais».
Por outro lado, percebi que, o sistema Socialista Chinês alterou muito da sua Doutrina Socialista, em que, no passado, não existia a propriedade privada; não permitia a existência da classe capitalista; a competitividade era um tabu; e a planificação da economia era total e absoluta. Porém, transparece-me que, os princípios da coletividade, da equidade e da justiça social continuam estarem na base da inspiração ideológica do Partido Comunista Chinês, mas num contexto muito diferente do passado.
A minha dúvida reside no facto de que, com os factores da globalização e da abertura da China ao Mundo, se isso será viável travar os vícios do capitalismo ocidental que já se manifestam claramente na sociedade chinesa, sobretudo na juventude, na classe média e na intelligentsia, que estão directamente expostas ao conforto da burguesia ocidental?
Contudo, no meu entender, a essência do socialismo reside essencialmente no princípio da «justiça social», em que, o Estado deve defender e proteger os segmentos mais vulneráveis da sociedade, com vista a empoderá-los e promovê-los, para que tenham os níveis necessários de formação académica e dos conhecimentos técnico-profissionais, que lhes permitam inserir-se no mercado, agigantar-se e competir-se em pé de igualdade.
No fundo, é isso que a China tem vindo a fazer, aplicar os princípios socialistas na economia do mercado, feitos com algumas adaptações necessárias, aproveitando o capitalismo ocidental como veículo da industrialização, da modernização, da inovação, da aquisição do know-how e da criação de capacidades competitivas.
Na África Subsariana não é isso que esteja a verificar-se nos processos da transição do sistema comunista ao sistema capitalista. Infelizmente, nota-se uma tendência crescente e generalizada, em que, a Superstrutura do Estado esteja a assumir o papel da classe capitalista, apoderando-se dos recursos do Estado para o enriquecimento ilícito das superstruturas, em detrimento da força do trabalho, sujeita a um sistema de exploração arbitrário, sem obedecer às regras.
O fundo da questão consiste no facto de que, o poder politico e o poder económico estão concentrados nos mesmos grupos de indivíduos, que dominam o Capital e mandam no Estado. Nesta situação, a legislação é feita pelas mesmas pessoas a fim de favorecer as suas Empresas. A «força do trabalho», nessas circunstâncias, não tem o suporte legal para defender os seus interesses perante a Superstrutura do Estado, que detém os meios de produção e o poder político. Deste modo, surgem os monopólios e os oligopólios que acumulam e concentram os Capitais através do Estado e das suas Empresas.
Em Angola, por exemplo, esta tendência tem sido dramática, em que, num curto espaço de tempo, uma classe capitalista emergiu do nada, tornando-se opulenta e todo-poderosa. Os casos mais recentes desta forma da acumulação de capitais são das Empresas «Carinho» e «Omatapalo» que têm acesso exclusivo aos investimentos públicos, quer internos quer externos. Veja que, em menos de cinco anos, essas duas empresas receberam quase todos os investimentos públicos, sem concurso público, com valores bilionários, assegurados por petróleo e diamantes.
Num sistema como este é difícil haver a competitividade entre as empresas, e além disso, é impossível haver a distribuição justa do rendimento nacional. Isso, sem dúvida nenhuma, mergulha o país na pobreza generalizada e extrema, como está a acontecer agora em Angola, onde as famílias inteiras estão à margem do sistema económico, empurradas aos contentores de lixos para sobreviver. Este é o grande contraste entre a China e os Países Africanos.
Enfim, esta abordagem não visa enaltecer o Modelo político-económico da China, mas apenas para mostrar como as coisas estão e o rumo que seguem. Agora, o que será o futuro da China em termos da sustentabilidade da economia mista e das suas características? Isso é difícil determinar, porque há uma série de factores endógenos e exógenos que irão influenciar a conjuntura mundial.
Uma coisa é certa, tendo em conta o potencial da economia chinesa e o ritmo do seu crescimento em todos os domínios, há probabilidade nas próximas décadas a China igualar ou suplantar os Estados Unidos da América. Pois, os anais da História da Humanidade revelam nitidamente este fenómeno constante caracterizado por «ascensão» e o «declínio» de todos os Grandes Impérios que uma vez existiram no Mundo. Nesta perspectiva, os Estados Unidos da América não serão uma excepção.
Assim sendo, a China poderá ser a próxima superpotência mundial, que virá impor o seu Modelo político que assentará nos ensinamentos do filosofo e pensador chinês, o Confúcio, que defendia os seguintes valores:
“Manutenção de tradições e costumes; ensinamentos da cultural chinesa; veneração do poder; supremacia e hegemonia; moralidade pessoal e governamental; procedimentos correctos nas relações sociais; justiça; sinceridade; e honestidade.”
Luanda, 29 de Maio de 2023