Luanda - Há ao longo de muito tempo uma velha e crónica discussão sobre a democracia interna nos Partidos politicos angolanos, com destaque para o MPLA Partido governante e vencedor de todas eleições realizadas no país, e a UNITA maior Partido na oposição, derrotada em todos pleitos eleitorais. Neste artigo faremos uma comparação factual e jurídica, com base no disposto nos respectivos estatutos enquanto documentos reitores, com objectivo de verificar o grau de democracia de facto e de jure internamente nos dois maiores Partidos angolanos. No final, os leitores farão a sua própria conclusão, sobre qual dos dois Partidos é mais democrático ou onde há mais democracia, sendo assim procuraremos aqui esclarecer as diversas fake news a respeito do assunto. Tendo em conta que em democracia quanto mais orgãos forem eleitos melhor é o seu funcionamento, e o poder e a actuação do líder deve sempre ser escrutinado por outros órgãos, evitando com isso poderes absolutos.
No MPLA e na UNITA onde há mais democracia, ou melhor quem é mais democrático?
O MPLA tem como objectivo fundamental, a edificação e a preservação de uma sociedade democrática, humanista, de trabalho, de paz, de progresso, de liberdade, de solidariedade e de justiça social, baseada na estabilidade, na harmonia e na unidade nacional. O MPLA foi fundado a 10 de Dezembro de 1956 em Luanda, tem como matriz, a esquerda (socialismo democrático), ideologia política mais ligada a justiça social, a solidariedade, ao humanismo, a liberdade, a igualdade e a prosperidade coletiva. É essa ideologia e forma de organização social que o MPLA orienta e constitui o seu manifesto eleitoral que submete ao voto e sugração popular, para que depois de vencer as eleições o transforme em plano de governo ou Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN).
Para não ser um artigo massudo, vamos nos centrar ao período mais recente da história de Angola, do MPLA e da UNITA, até porque não faz sentido falar da democracia interna nos Partidos em estudo no período de 1975 a 1991, período que no país só havia formalmente um “Partido politico legalizado”, tendo o MPLA deixado de ser movimento e se tornado Partido no seu o Primeiro Congresso, realizado em 1977 tendo daí se tornado Partido do Trabalho, de lá para cá, o MPLA tornou-se oficialmente um Partido politico, e a UNITA era um movimento rebelde ou grupo beligerante que lutava contra o governo com razões, motivos e fundamentos próprios.
A UNITA foi fundada nas chanas do leste (Moxico) em Muangai, no dia 13 de Março de 1966, enquanto movimento, a UNITA realizou vários congressos ao invés de conferências nacionais ou convenções, situação atipica visto que os congressos pelo menos politicos é característica dos Partidos politicos, sendo por isso seus órgãos máximos e não de movimentos ou grupos rebeldes (beligerantes). A UNITA um Partido de centro direita, com maior preponderância para a ideologia de direita, ela torna-se legalmente como Partido
politico em 1991, como resultado do Acordo de Bicesse, assinado entre o Governo angolano e a UNITA, no dia 31 de Maio de 1991 em Portugal.
Sob liderança de José Eduardo dos Santos e sobretudo depois da adopção do multipartidarismo em 1991, o MPLA em todos seus Congressos teve apenas uma única candidatura a Presidente do Partido, a de José Eduardo dos Santos, mas sempre elegeu o Vice Presidente, o Secretário Geral, órgãos singulares não menos importantes a vários níveis, tais como os Primeiros e Segundos Secretários do Partido, Primeiro Secretário da JMPLA e Secretaria Geral da OMA e seus respectivos adjuntos a todos níveis (Provincial, Municipal, Distrital, Comunal e local), inclui-se aqui também as Comissões de Disciplina e Auditória em todos escalões.
A UNITA, sob a liderança de Jonas Savimbi (1966-2002) e mesmo depois de já transformado em Partido politico, sempre teve também candidatura única, elegia apenas os órgãos e organismos ao nível central. Ao nível local elegia apenas os comités provinciais, municipais e comunais (órgãos colectivos). O líder a UNITA nomeava o Vice Presidente do seu Partido, o Secretário do Partido, os Secretários (Primeiros Secretários) Provinciais, Municipais e Comunais, nunca foram eleitos.
O MPLA apesar de ter candidaturas únicas para Presidente do Partido, quer no tempo de José Eduardo dos Santos bem como actualmente no tempo de João Lourenço, elege muito mais orgãos singualres aos vários níveis do que a UNITA. A UNITA de 2003 período sem Jonas Savimbi (morto em combate em 2002), de lá para cá apresentou candidaturas multiplas para o cargo de Presidente do Partido, excepto o congresso de 2021 que Adalberto Costa Júnior concorreu sozinho.
Olhando profundamente para o estatuto do MPLA saído do Congresso de 2021 e da UNITA saído no Congresso de 2019, e a realidade dos dois Partidos, nota-se o seguinte:
O MPLA apesar de ter candidaturas únicas para eleição do Presidente do Partido, elege o Primeiro Secretário Provincial do Partido (vide alinea b do artigo 52o) , apresenta mais candidaturas multiplas aos órgãos singulares (Vice Presidente do Partido, Secretário Geral, Segundos Secretários do Partido a todos níveis e Primeiro Secretário Nacional da JMPLA) do que a UNITA, e também elege mais órgãos singulares do que a UNITA, sendo assim, aqui vamos:
De acordo ao estatuto do MPLA, elege-se e em candidaturas multiplas, o Vice Presidente do Partido (vide artigo 82o o seu número 2), o Secretário Geral do Partido (vide artigo 83o o seu número 2), o Presidente do Grupo Parlamentar (vide artigo 86o alinea h) e j) e seus respectivos adjuntos, os Segundos Secretários Provinciais, Municipais, de Distrito e Comunais (vide o artigo 56o alinea c). Já ao nível das bases a democracia no MPLA é mais reforçada, sendo que os seus Comités de Acção do Partido e de Sector apresentam por cumprimento estatutário diversas listas, havendo por isso candidaturas multiplas ao cargo de Primeiro Secretário do Comité de Acção do Partido ou do Sector, e eleição das respectivas direcções e secretariado em listas submetidas pelos candidatos ao cargo de Primeiro Secretário nas respectivas conferências (vide artigo 52o alinea b).
Olhando para o estatuto do MPLA ja referido, e entrando nas competências do seu Presidente disposto no seu artigo 80o, o Presidente do MPLA quase não tem poderes de nomear ou exonerar os quadros do Partido, excepto o previsto na sua alinea w) que é o de nomear e exonerar os directores do Comité Central, após aprovação do Bureau Político, o que significa que o poder de nomear ou exonerar um determinado quadro por parte do Presidente do Partido fica ainda sob aprecição preventiva de um orgão colegial (o Bureau Político), podendo não ser aprovada a referida nomeação. Este exercicio é com certeza um veio importante de democracia, podendo a vontade do líder ser escrutinada, não é absoluta, havendo aqui um chek and balance de um outro órgão.
A UNITA, apesar de que de 2003 para cá apresentar de facto candidaturas multiplas ao cargo de Presidente do Partido, com excepção o Congresso de 2021, como já fizemos referência, que teve Adalberto Costa Júnior como candidato único, não elege o Vice Presidente do Partido e nem o Secretário do Partido (Secretário Geral), tão pouco os Secretários Provinciais (Primeiros Secretários) e Secretários Adjuntos Provinciais (Segundo Secretário), não elege ainda os Secretários Municipais, do Distrito ou da Comuna e os seus respectivos adjuntos, muito menos os responsáveis do órgãos executivos de base que são os secretários dos Comités Sectoriais, de Zonas, Locais e as Assembleias dos Núcleos, todos estes são nomeados.
O estatuto da UNITA aprovada em Congresso em 2019, em relação as competências do seu Presidente, no seu artigo 49o na alinea f) dá ao Presidente amplos e absolutos poderes na gestão dos quadros sem ser escrutinado por nenhum outro órgão, como o de nomear e exonerar os membros do Executivo Nacional do Partido, os Secretários Provinciais e titulares dos demais órgãos do Partido, nos termos dos Estatutos e Regulamentos, ou seja, tem o poder discricionário de nomear e exonerar as entidades acima citadas, não havendo aqui um chek and balance.
Aqui, e tendo em conta o disposto no número 3 do artigo 24o do estatuto da UNITA, o entendimento é que os órgãos (quadros) do Partido que o Presidente da UNITA tem competência para nomear e exonerar são os órgãos executivos, não sendo possível serem os órgãos deliberativos que são (o Congresso; a Comissão Política; o Comité Permanente; as Conferências; os Comités Provinciais; os Comités Municipais; os Comités Comunais e os Órgãos de Base). Sendo que de acordo ao aludido artigo, os órgãos executivos da UNITA são: o Secretariado Executivo do Comité Permanente; o Secretariado-Geral; o Grupo Parlamentar; o Secretariado dos Comités Provinciais; o Secretariado dos Comités Municipais; o Secretariado dos Comités Comunais e os órgãos de Base.
Assim, de acordo ao artigo 23o no seu número 3, combinado com artigo 49o na sua linea f), o Presidente da UNITA além dos outros poderes previstos nos estatutos, também nomeia e exonera as seguintes entidades:
a) Os membros do Secretariado Executivo do Comité Permanente: (i) os dois Vice- Presidentes do Partido; (ii) o Secretário Geral do Partido; (iii) os dois Secretários Gerais Adjuntos do Partido; (iv) os Secretários Nacionais; (v) o Secretário da Comissão Política; (vi) o Secretário do Comité Permanente; (vii) o Presidente e o Primeiro Vice-Presidente do Grupo Parlamentar; (viii) os Membros do Secretariado-Geral.
O Presidente da UNITA nomeia ainda:
b) Os Membros dos Secretariados dos Comités Provinciais: (i) Secretários Provinciais; (ii) Secretarios Adjuntos Provinciais; (iii) Membros dos Secretáriados Provinciais); (iv) Membros dos Secretariados dos Comités Municipais; (v) Membros dos Secretariados dos Comités dos Distritos e Comunais.
O Presidente da UNITA nomeia também:
c) Os órgãos executivos de Base: (i) Secretários dos Comités Sectoriais; (ii) os Secretários dos Comités de Zonas; (iii) Secretários dos Comités Locais e; (iv) Secretários das Assembleias dos Núcleos.
No ponto de vista do Direito Administrastivo dir-se-a que o Presi
CONCLUSÃO:
➢ Como vimos no estatuto, no MPLA elege-se por voto secreto (vide artigo 14o no seu número 3), o Presidente do Partido, o Vice Presidente do Partido, o Secretário Geral do Partido, o Presidente da Bancada Parlamentar e seus adjuntos, os Primeiros Secretários do Partido e seus Segundos Secretários em todos níveis (Provinciais, Municipais, do Distrito e Comunais), os Primeiros Secretários dos Comités do Sector, dos Comités de Acção do Partido e os respectivos adjuntos. Elege-se também o Primeiro Secretário Nacional da JMPLA, a Secretária Geral da OMA e os respectivos Adjuntos a todos níveis (Provincial, Municipal, de Distrito, Comunal e local). Elege- se também os órgãos juridicionais do Partido, da OMA e da JMPLA (Comissão de Disciplina e Auditória) a todos níveis (Provincial, Municipal, de Distrito, Comunal e local)
➢ Na UNITA só se elege o Presidente da UNITA, a Presidente da LIMA e o Secretário Geral da JURA, todos os outros são nomeados e, em larga maioria pelo Presidente do Partido.
Chegado aqui, penso que cada um pode e está em condições de responder a pergunta de partida que norteou a nossa pesquisa: No MPLA e na UNITA onde há mais democracia, ou melhor quem é mais democrático?
Pedro dos Santos Santareno – Cidadão angolano e Mestre em Ciência Política