Luanda - Na democracia ocidental em que existe a separação efectiva dos poderes executivos, legislativos e judiciários o «impeachment» é um instrumento legal para garantir a boa governação, a legalidade e a supremacia da Constituição e da Lei.
Fonte: Club-k.net
Na língua portuguesa o «impeachment» significa a «destituição», um «processo político-criminal» que visa destituir o Chefe do Governo, o Chefe de Estado ou o Presidente da República, se violar a Constituição ou cometer delitos graves, que estejam bem estipulados e especificados na Constituição da República.
Em Angola, por exemplo, os crimes acima referidos estão bem consagrados no Artigo 129º, da CRA, sob o titulo: “Destituição do Presidente da República.”
Nos Estados Unidos da América, o impeachment está definido no Artigo II, Secção 4, com o seguinte teor: “O Presidente, o Vice-Presidente e todos os Funcionários Civis dos Estados Unidos serão destituídos do cargo por impeachment e condenação por traição, suborno ou por outros crimes graves e contravenções.”
Convinha sublinhar que, nos países democráticos, o impeachment é um exercício legal, aplicado frequentemente em forma de «moção de censura» e da «perda de confiança» no estadista, na governação, na gestão das finanças públicas ou na formulação e na execução das políticas públicas.
Em Portugal, o Governo de Primeiro-ministro, António Costa, perante as divergências no seio da Coligação Governamental sobre o Orçamento Geral do Estado, isto é, na ausência da confiança no desempenho do Governo, causou a queda do Governo, seguida da realização das eleições antecipadas.
No Reino Unido, por exemplo, tem havido sucessivas quedas de Governos (David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Liz Truss) do Partido Conservador (Tory) por motivos de falta de confiança, de politicas públicas inapropriadas, de má gestão ou de escândalos.
O Presidente Donald Trump, dos Estados Unidos da América, sofreu um processo dramático de impeachment, que não surtiu efeitos, devido o facto de que, o Partido Republicano tinha a maioria no SENADO. Repare que, na votação, houve Senadores Republicanos que votaram a favor da moção de impeachment movida pelo Partido Democrata.
No Brasil, Presidente Dilma Roussef foi destituída no processo de impeachment. Na Coreia do Sul, a Presidente Park Geun-Hye foi destituída por via de impeachment. Na África do Sul, Presidente Thabo Mbeki sofreu a destituição forçada pelo seu próprio Partido, Africa National Congress (ANC), movida por seu adversário politico, Jacob Zuma.
A situação actual de Angola, em termos análogos, assemelha-se ao caso do Presidente Richard Nixon, que foi destituído por impeachment devida a obstrução da justiça, abuso do poder e o desrespeito do Congresso durante a tramitação legal e processual do escândalo de Water Gate.
Em suma, o impeachment é um mecanismo de «contrapoder», que serve de «freios», cuja função é de garantir a «boa governação» que assenta em princípios universais, nomeadamente: Estado de Direito e Democrático; uma democracia plural, representativa, participativa, alternante, inclusiva, justa, transparente, ordeira, credível, legitima e responsável; respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais; garantia de igualdade de oportunidades, de acesso aos mercados de trabalho, aos créditos bancários, aos investimentos e aos serviços sociais de base.
Noutras palavras, o impeachment (destituição) visa salvaguardar a Constituição, evitando a arbitrariedade e o absolutismo, em que impera a vontade de uma pessoa, que se considera todo-poderoso, violando o princípio da separação dos poderes.
Por isso, não fiquei surpreendido nem espantado com teor do Comunicado de Imprensa do Bureau Político do MPLA, do dia 20 de Julho de 2023. Neste Comunicado o Bureau Politico do MPLA reagiu furiosamente, usando as artimanhas maquiavélicas de manipular o Preceito do Impeachment (destituição), tratando-o como sublevação, Golpe de Estado, conspiração, irresponsabilidade política, imaturidade, ruptura ao dialogo, etc.
A postura do MPLA demonstra claramente a sua natureza antidemocrática e o espirito forte enraizado no partidarismo, no ódio, na intolerância, na exclusão, na prepotência, na arrogância e no revanchismo. Este carácter é inspirado na doutrina totalitária, cuja lógica é a manutenção do poder político por todos os meios.
Por outro lado, a sua reação violenta, imprudente e desmedida revela a «culpabilidade implícita» dos crimes cometidos, que são do conhecimento geral do povo e da comunidade internacional. A titulo de exemplo, assiste-se aos actos de perseguição permanente dos adversários políticos e de infiltração e de implosão dos partidos de oposição. Isso, per si, atenta ao princípio democrático, consagrado na alínea (a), do numero 2, do Artigo 129º da CRA.
Por isso, o MPLA sabe a profundidade, a dimensão, o impacto, as consequências e os contornos de um processo de impeachment, apesar da «maioria fraudulenta» que ele possui na Assembleia Nacional.
Todavia, creio que, no seio do Grupo Parlamentar do MPLA existem patriotas, pessoas dignas e conscientes, que sabem como o país ficou mergulhado na crise profunda e segue um rumo incerto e perigoso (da ditadura), cujas consequências serão mais prejudiciais ao próprio MPLA.
Como sabemos, nas deliberações parlamentares existe a disciplina partidária. Apesar disso, nas questões de fundo, do interesse nacional, o patriotismo e a cidadania prevalecem sobre a militância partidária.
Aliás, o Deputado é eleito pelo povo (os eleitores) como seu representante com vista a defender os seus interesses vitais. É neste princípio que assenta o «espirito do impeachment», consagrado no Artigo 129º da Constituição da República de Angola.
Luanda, 22 de Julho de 2023.