Luanda - De forma inusitada, os angolanos depararam-se com um conjunto de medidas restritivas como resposta a problemas de escassez de recursos financeiros na economia do País. Pelo Ministro de Estado para a Coordenação Económica, José de Lima Massano, foi possível perceber que o aumento das taxas de juro nos mercados internacionais tornou insustentável a emissão de eurobonds, e a contração de novos créditos em moeda estrangeira, associada a redução no preço do petróleo e demais factores internos. Entre as medidas de estímulo a economia nacional nomeadamente o aumento da produção nacional, acesso ao financiamento, melhoria do ambiente de negócios, simplificação e alívio tributário, a medida com real impacto no curto prazo pode ser aquela relacionada ao alívio tributário, sendo as outras medidas de médio e longo prazo.
Fonte: Club-k.net
A redução da taxa de IVA de 14% para 7% referente aos bens alimentares, que é uma das medidas de alívio tributário, não é uma novidade em sí mesma, pois os bens que compõem a cesta básica são já tributados à taxa de 5%, nos termos do no 1, do artigo 15o da Lei 42/20 que aprova o OGE 2021. O sector da hotelaria por exemplo verificou uma redução na taxa do IVA de 14% para 7% nos termos do no 2 do artigo 14o da Lei 32/21 que aprova o OGE 2022. Tais medidas não promoveram a redução dos preços na economia, sendo por isso dificil acreditar que a mesma medida adoptada agora para os bens alimentares produzirá efeitos positivos no nível geral de preços. É fundamental compreender a mecánica do IVA para se definir políticas que tenham impacto na economia real.
O CIVA agrupa os contribuintes em três principais regimes de tributação: Geral, Simplificado e de Exclusão. As empresas enquadradas no Regime Geral são cerca de 12000 ao nível do País, de acordo com o Novo Jornal online (www.novojornal.co.ao) e apenas estas empresas podem cobrar IVA na factura e deduzir o IVA suportado nas aquisições. As alterações nas taxas de IVA, aplicam-se de forma directa nas transacções comerciais deste pequeno grupo de empresas enquadradas no Regime Geral. Uma grande parte das empresas existentes são enquadradas no Regime Simplificado (VN anual superior a 10.000.000,00 kz) e no Regime de Exclusão (VN até 10.000.000,00 kz), correspondendo as micro e pequenas empresas que não aderiram ao Regime Geral. Estas empresas correspondem a maioria das que comercializam bens alimentares em todo o País e não podem cobrar o IVA nem deduzir na totalidade.
Na prática, as empresas do Regime Simplificado liquidam IVA sobre os recebimentos a taxa de 7%, e deduzem apenas 7% de todo o IVA que suportam nas aquisições, surgindo uma distorção nas contas das empresas referente a 93% do IVA suportado e não dedutivel , como vemos no exemplo abaixo:
No processo de gestão interna das empresas, o IVA suportado pelas empresas do Regime Simplificado é uma componente do custo de aquisição, de modo que a percentagem não deduzida fará parte do custo total, sobre o qual incidirá a margem de comercialização. Assim, a distorção acima citada, origina um aumento lícito dos preços, que depois será penalizado pela ANIESA como prática indecorosa. Neste regime a neutralidade do IVA é inexistente e qualquer redução nas taxas ou isenção de produtos não terá os efeitos pretendidos porque até mesmo os produtos isentos do IVA são tributados a taxa de 7% de Imposto de Selo, nos termos do CIVA.
Em nosso entender, se pretendemos estimular a economia nacional da facto, precisaremos adoptar medidas que atentem para o estímulo do lado da produção e oferta de bens e também do lado da procura especificamente no poder de compra.
1. Assim do lado da produção e oferta de bens e serviços, propomos:
a. Alterar a percentagem de dedução do Iva suportado no Regime Simplificado de 7% para 50%, o que concederia alguma folga financeira para estas empresas, direccionando as suas aquisições para empresas do regime geral do IVA. É dificil compreender o espírito da Lei nesta norma, que aparenta mais um abuso de poder pelo Estado do que uma justa tributação, assim como um atropelo ao princípio da justiça tributária e capacidade contributiva.
b. Atribuição de forma transparente e com simplificação nos processos, de direitos de superfície, aos detentores de terras para exploração agrícola e pecuária familiar ou industrial, permitindo as entidades bancárias a obtenção de garantia para concessão de créditos ao sector do agronegócio que se pretende expandir. Anexar os financiamentos a compra de insumos e equipamentos no mercado nacional, de modo a tornar competitivo o mercado local. Sem estes elementos, a diversificação da economia pelo sector agrícola será mera falácia.
c. Ajustar a perspectiva fiscal relactiva a clasificação da dimensão das empresas, com a Lei das Sociedades Comerciais e a Lei das MPMEs. As medidas adoptadas com vista ao aumento da base tributária, têm muitas vezes ignorado a inexistência de capacidade real nas empresas para cumprir com as obrigações que determinados Regimes tributários acarretam.
Veja-se por exemplo que nos termos da Lei 20/11 - Lei das MPMEs, micro empresas são aquelas cujo volume de negócios anual não ultrapasse 250.000 USD. Entretanto, os Códigos dos principais impostos (CIVA, CII e CIRT) ignoram este elemento, e definem por exemplo, micro empresas como aquelas cujo volume de negocios anual não ultrapasse os 10.000.000,00 kz.
d. É fundamental hoje, aplicar com força de Lei, as medidas conseguidas pelo Simplifica 2.0, principalmente referentes a emissão de alvarás comerciais. As actividades definidas nesta norma como não obrigadas a apresentação do alvará, devem ser de domínio público e aceitação das principais instituições públicas. Ainda hoje, a banca solicita alvará para abertura de conta bancária e concessão de créditos, as instituições do Estado solicitam alvará para concursos públicos de fornecimento de bens e serviços, independentes da actividade em causa. Eliminar estes equívocos, imprimiria com certeza maior dinamismo do lado da produção e oferta de bens e serviços, melhorando consideravelmente o ambiente de negócios no curto prazo.
e. Possibilidade de deduzir na colecta, para as empresas que desenvolvam a custo próprio infraestruturas de utilidade pública nas zonas do interior do País (conforme definidas na Lei das MPMEs e na Lei dos Benefícios Fiscais), de uma percentagem do valor das empreitadas, tratando-se de estradas secundárias e terciárias, mini- hídricas para fornecimento de electricidade, postos médicos e outros serviços por exemplo, que sejam disponibilizados as famílias, empresas e instituições do Estado.
Esta medida deverá ocorrer com rigorosa fiscalização da qualidade das obras, controlo do real desembolso financeiro, e procedimentos de fiscalização pela AGT as contas destas empresas, como ocorre com os procedimentos de reembolso do IVA. Esta medida pode ser fiscalmente mais eficiente do que a atribuição de isenções em sede Imposto Industrial sobre o lucro das empresas.
2. Medidas do lado da procura e poder de compra
Do lado da procura, importa lembrar que actividade financeira do Estado, visa arrecadar receitas dos contribuintes para realizar despesas que satisfaçam as necessidades dos cidadãos e contribuintes. Referimos também que uma economia cresce com a produção e mais ainda com o consumo, como dizia o Presidente do Brasil Luis Inácio da Silva Lula, é necessário disponibilizar recursos a classe baixa, porque ela é parte da solução e não o problema.
a. Assim, em lugar de aumentar os salários de forma continuada, propomos a isenção do IRT para alguns rendimentos como subsídios de férias, subsídio de natal e prémios de produtividade, até determinada percentagem do salário base. É também o momento de efectivar a retenção do IRT às forças de defesa e segurança, aumentando as receitas tributárias ao mesmo tempo que se isenta alguns subsídios e prémios desta classe. A isenção no IRT para alguns rendimentos variáveis e não só proporcionaria aos contribunites uma sensação de alívio real e aumento no poder de compra, ainda que temporário.
b. Sabendo que uma parcela importante das despesas para funcionários públicos comuns relaciona-se a alimentação e transporte, considerando também o aumento do preço nos combustiveis, a atribuição de passes para acesso aos transportes públicos gratuitos para escalões com remuneração mais reduzida, teria impacto positivo na qualidade de vida. Teria também influência positiva na pontualidade e assiduidade dos funcionários, com a definição de horários fixos de partida e regresso. Tenha-se claramente em conta a insuficiência de transportes públicos disponíveis no mercado.
c. Neste conjunto de medidas, a atribuição de cartões com valores ponderados da cesta básica para a compra em supermercados e mini-mercados nacionais e locais, teria impacto positivo no poder de compra e permitiria reduzir a alocação de recursos para o mercado informal. Haveria apenas um adiamento na arrecadação
da receita tributária, pois com o aumento do volume de negócios do produtor local, teriamos um potencial aumento do Lucro e consequente aumento da carga tributária.
Com os actuais níveis de inflação, perda do poder de compra e dificuldades extremas para desenvolver a actividade económica, é expectável e aceitavel que todos tenhamos que fazer esforços, incluíndo o próprio Estado.
Uma ligeira redução nas receitas tributárias pode ser necessaria para alavancar a economia, e evitar situações como as que verificamos hoje com a existência de 700 mil milhões de Kwanzas na conta de reembolso do IVA sem gente para reclamar, ao mesmo tempo que milhares de empresários têm dificuldades de continuar as suas actividades, e as Ordens de Saque por exemplo, duram cerca de 90 dias para compensar.
Estas seriam em nosso entender, medidas de estimulo com real impacto no curto prazo, a medida que se estruturam e implementam as medidas de médio e longo prazo.
Sobre o Autor:
Adelino Catumbela Gunge Santos, casado de 31 anos de idade. Mestrando em Direito Económico pelo ISPLB, MBA em Contabilidade e Finanças pelo ISG-Economic and Business School, Licenciado em Contabilidade e Auditoria pel Universidade Katyavala Bwila. Contabilista, membro da OCPCA, Director geral da empresa ACGS Consultoria,Lda, Professor de Fiscalidade no Instituto Superior Politécnico Católico de Benguela.