Luanda - A intenção de escrever esta Reflexão (no rescaldo da Cimeira dos BRICS) não visa avaliar a dinâmica daquele evento, em termos da geopolítica mundial, do multilateralismo, do desenvolvimento global e da parceria estratégica. Pois que, tudo isso tem sido amplamente debatido, analisado e divulgado em todos os espaços sociais da mídia internacional. Por isso, o foco da minha Reflexão está direcionado à «postura africana» perante o processo de desenvolvimento, no ponto de vista bilateral, continental e multilateral.

Fonte: Club-k.net

Porque, a minha percepção é de que existe vontade política e abertura dos BRICS ao mercado africano no sentido de dinamizar o seu desenvolvimento, nos domínios das novas tecnologias, da industrialização, da modernização, da educação, da saúde, das infraestruturas, da segurança alimentar e energética, e da erradicação da pobreza e da fome. Os últimos dois elementos, são os grandes desafios da África. Tudo isso visa essencialmente o desencadeamento da nova revolução industrial e do desenvolvimento de alta qualidade. Isso esta de acordo com a «visão estratégica» do Xi Jinping, Presidente da China, que foi defendida na Cimeira dos BRICS, em Joanesburgo, entre 22-24 de agosto de 2023.


Neste âmbito, como podemos constatar, a Estratégia das potências industrializadas consiste na busca de uma nova revolução industrial para alcançar o desenvolvimento de alta qualidade. Vejamos que isso acontece na altura em que a África ainda não entrou (no domínio tecnológico) na Primeira Revolução Industrial (1760-1840), que iniciou na Grã-Bretanha e que se expandiu pela Europa Continental e aos Estados Unidos da América. Como é sabido, a Revolução Industrial impactou a economia mundial, e que, serviu de «factor catalisador», que dinamizou e impulsionou a transição do sistema feudal para o capitalismo ocidental.


Neste âmbito, a Ásia já superou há muitas décadas a Revolução Industrial. Nesta fase, das transformações profundas da economia mundial, a Ásia está muito acelerada na Revolução Digital e na Tecnologia da Inteligência Artificial. Quer dizer que, o mundo industrializado já está na Nova Era da Revolução Tecnológica. A título de exemplo, durante a Cimeira dos BRICS, em Joanesburgo, a India colocou a sua Nave Espacial no polo Sul da Lua, a parte mais acidentada, na qual ninguém ainda ousou de lá alunar. A partir da Lua a Nave Espacial Indiana está empenhada no Estudo e na Pesquisa do Universo, tirando imagens da Terra.


Tudo isso indica que a corrida ao Universo está muito acelerada entre as potências industrializadas. Infelizmente, nesta corrida espacial, a África está absolutamente ausente, e nem existe a vontade política de se engajar nisso. O mais grave ainda é de que, quando olhamos ao mundo, veremos que somente a África Subsariana é que continua atrasada, mantida no subdesenvolvimento, com níveis elevadíssimos da pobreza. Na minha perspectiva, nunca faltaram os recursos, os meios e as oportunidades para que a África pudesse conquistar a tecnologia, que é a condição sine qua non do desenvolvimento e da industrialização. Eu tenho estado a bater sempre na mesma tecla, de que, enquanto a Africa não conquistar a tecnologia moderna não será possível superar o subdesenvolvimento e acabar com a dependência económica.


Repare que, a dependência económica deriva da falta de tecnologia avançada para que seja possível explorar os recursos naturais e transformá-los em produtos acabados para o consumo interno e para a exportação. Isso permite ter o melhor benefício económico, com balanços comerciais positivos. Devemos perceber que a falta de tecnologia resulta na dependência económica, que viabiliza a exportação aos países industrializados os recursos naturais da África no seu estado bruto.


De lá, os recursos naturais (matérias primas) africanos são transformados em produtos (commodity) acabados para depois serem colocados nos mercados africanos, a preços exorbitantes, causando, além da inflação, balanças comerciais negativas. Esta é uma das fontes principais da acumulação de capitais por todas potências industrializadas – sem excepção.


Angola, por exemplo, não tem capacidade da refinação do seu crude, para que, ela pudesse a atender à demanda do consumo interno e tirasse maior proveito dos recursos petrolíferos. A crise económica actual, sem precedente, resulta essencialmente deste factor, causando a subida do preço do combustível, a inflação, a depreciação da moeda, a perca do poder de compra, a pobreza extrema, a fome e a taxa elevadíssima da mortalidade.


Voltando ao assunto, o desenvolvimento sustentável dos países asiáticos partiu deste principio económico, da conquista da tecnologia e do know-how, com que foi viável industrializar e modernizar as suas economias, ter capacidade de expandir-se aos países africanos e aproveitar-se dos recursos naturais africanos para sustentar a grande produção das indústrias pesadas dos países asiáticos, com destaque, da China e da Rússia.


Em função disso, a China é um exemplo de sucesso, que se aproveitou bem da tecnologia ocidental, com a qual, desencadeou a Revolução Industrial. Eu estive duas vezes na China na década 70 e constatei com os meus olhos o estado de atraso, de pobreza e do subdesenvolvimento daquele país asiático, que se tornou um Gigante.


Acima disso, deve-se levar em conta que, apesar de ser o líder das economias emergentes, e sendo a segunda maior economia mundial, mesmo assim, a China continua a apostar na cooperação económica, comercial, tecnológica e científica com os Estados Unidos e com a União Europeia. Pois, a China está ciente, não somente da superioridade tecnológica dos EUA, mas sobretudo, da manutenção da paz, da ordem mundial e da estabilidade do mercado internacional, que constituem «factores imprescindíveis» para que haja a segurança global, o intercâmbio comercial e o desenvolvimento sustentável. Pois, o mundo contemporâneo é uma aldeia global, uma comunidade única, ligada por uma vasta rede de comunicações, como uma teia de aranhas.


Neste mesmo contexto, os BRICS (na visão dos seus fundadores) é um Fórum Económico Multilateral que visa agregar as economias emergentes e subdesenvolvidas para constituir-se num “contrapoder” ao Bloco Ocidental. Este Fórum busca um conjunto de objectivos, tais como: fazer reformas do Conselho de Segurança das Nações Unidas; equilibrar o mercado internacional; desdolarizar os mercados; reduzir a hegemonia norte-americana; e impulsionar o desenvolvimento das economias emergentes e em via de desenvolvimento.


Por mim, acho que é pertinente que haja de facto o equilíbrio na comunidade internacional. Apenas deve-se salvaguardar o Direito Internacional para garantir a paz, a estabilidade, a igualdade, a justiça, a soberania e a integridade territorial dos Estados – grandes ou pequenos. Em função disso, a China e a Rússia, que buscam a supremacia mundial (por via dos BRICS) devem respeitar o Direito Internacional e primar pela transparência e honestidade na sua visão geopolítica e geoestratégica.


Neste respeito, a admissão de novos membros dos BRICS obedeceu a um conjunto de critérios. Isso permitiu, do meu lado, descortinar a visão estratégica das potências asiáticas, e sobretudo, da China. Além disso, não ficou bem-claro porque a África do Sul, o Anfitrião do Evento, não conseguiu introduzir nos BRICS mais um membro dos países da África Austral ou da África Central? Pois, na Africa do Norte foram admitidos a Etópia e o Egito. No Médio Oriente entraram a Arabia Saudita, Irão e Emirados Árabe Unidos. Ao passo que, na América Latina, entrou a Argentina. Vendo pelo Atlas geográfico tudo está bem-claro em termos do conceito geopolítico e do itinerário geoestratégico das potências asiáticas.


Não obstante, os BRICS representam uma boa oportunidade aos Países Africanos para tirar o proveito deste mercado, que é vasto e importante. Porém, para que seja benéfico, a África deve possuir uma visão clara, realista e prudente daquilo que se pretende realizar. Não se deve ignorar o facto de que, cada Estado defende os seus interesses.


Nesta relação, não existe o «sonho comum» na comunidade internacional. O que existe de facto é a «coincidência dos interesses», que também não são permanentes, porque eles sofrem alterações constantes de acordo com as transformações profundas que ocorrem no mundo, que ocorrem dentro das Nações, e que, ocorrem entre os Estados.


Parafraseando, a África deve diversificar e afinar bem os seus mecanismos de cooperação bilateral e multilateral, primando pela conquista das tecnologias criticas através de uma política prudente e focalizada aos alvos bem definidos. Mesmo assim, não é suficiente se não existir «quadros de alta qualidade», previamente preparados e equipados, para buscar os conhecimentos críticos e transformá-los em algo concreto. Nesta referência, a China tem uma visão ampla da África, tem o seu sonho, e tem a necessidade de investir massivamente no mercado africano, trazendo consigo novas tecnologias e conhecimentos apropriados, que vão ao encontro da sua visão estratégica.


Isso agora vai depender das lideranças africanas em formular estratégias viáveis de acesso às oportunidades que estarão expostas, e deste modo, transformá-las em coisas concretas e úteis com vista a impulsionar o desenvolvimento sustentável da África.


Em síntese, gostaria de chamar atenção ao seguinte. A lógica da relação humana foi sempre caracterizada por facto dos povos mais fortes e melhores equipados vencer e dominar os povos mais fracos e menos equipados. A história da humanidade nunca registou o inverso desta lógica. A não ser que um povo mais fraco tenha uma liderança sábia, como do Nelson Mandela, que tinha «virtudes excecionais» que lhe permitiram, a partir da cadeia, encetar o dialogo construtivo, alcançar o consenso e desfazer o regime do apartheid.


Com isso significa que, para superar os desequilíbrios existentes na comunidade internacional, os povos menos equipados devem ter inteligência, habilidade e subtileza de buscar conhecimentos dos mais fortes para se equipar, organizar-se, estruturar-se, inovar e desenvolver capacidades resilientes. Noutras palavras, África deve libertar-se da dependência económica e tecnológica. Se isso não acontecer, África correr-se-á o risco de manter-se na condição de atraso e da pobreza, tornando-se vítima da exploração e da opressão dos outros povos mais avançados.


Por outro lado, uma economia dominada por estrangeiros, a todos os níveis, como em Angola, não tem hipótese de romper as barreiras, alcançar o empoderamento económico do povo, aproveitar as oportunidades e fazer crescer e desenvolver a economia. Pois que, além do mercado estar totalmente controlado por estrangeiros, acontece que, mais de dois terços do rendimento do país é expatriado (legal ou ilicitamente) ao estrangeiro por via de esquemas, de fugas de capitais, de branqueamentos, de desvios ou de pagamentos de dividas públicas excessivas, cujas origens são duvidosas. Uma boa parte dos activos dos países africanos estão escondidos no estrangeiro, sobretudo nos paraísos fiscais.


Enfim, este é o Panorama real da África Subsariana. Enquanto este quadro não for alterado substancialmente, nos domínios críticos, como da boa governação, da mudança da mentalidade e da conquista das novas tecnologias, não será viável alterar o actual status quo da África. Correndo o risco de a África Subsariana mergulhar-se na opressão estrangeira mais severa. Sabendo que, se isso acontecer, os novos colonizadores da África não virão da Europa ou das Américas. Mas sim, virão da Ásia.


Luanda, 01 de Setembro de 2023.