Luanda - "Os Serviços de Inteligência Externa devem estar de olhos bem abertos para tudo quanto se passa no mundo, sobretudo em termos de segurança e estabilidade dos países", orientou João Lourenço no passado dia 30 de Agosto, quando conferiu posse à directora-geral adjunta dos Serviços de Inteligência Externa (SIE), Teresa Bento da Silva, no Palácio da Cidade Alta, na presença dos directores dos três Serviços de Inteligência. Reforçou o discurso dizendo que "acabámos de ser surpreendidos, na madrugada de ontem, com a instabilidade que reina no Gabão". Em outras palavras, João Lourenço deixou o recado de que os Serviços de Inteligência são a primeira linha de defesa e segurança de um país, devendo estar atentos, preparados e vigilantes.


Fonte: NJ

"Adivinhar perigos e evitá-los", escreveu Luís de Camões, em "Os Lusíadas", no Canto VIII. Curiosamente, é o mote que figura actualmente no brasão do SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa), os homólogos do SIE em Portugal. Os Serviços devem conhecer antecipadamente as ameaças para a segurança do Estado e dos cidadãos, contribuindo para a prevenção de ameaças como o terrorismo, espionagem tecnológica, económica e científica, criminalidade organizada, tráfico de pessoas, tráfico de drogas, acções de instabilidade social, económica e política, entre outras. Desde Fevereiro último, e por altura da exoneração do antigo director da instituição, o general Zé Grande, o SIE, ao longo dos anos, vinha perdendo capacidade técnica, humana e operativa, defendendo também a necessidade da sua refundação e reposicionamento estratégico. Embora se entenda que João Lourenço utilizou o caso particular durante aquela tomada de posse para um reparo geral ao nosso sistema de inteligência e de segurança, deve existir uma reorientação de prioridade e de estratégias a nível das estruturas de Inteligência.

 

SIE (Externa), SINSE (Interna) e SISM (Militar) têm ainda sérias lacunas em termos de coordenação, cooperação e colaboração entre si. Existe um histórico de conflitos em termos de ego e protagonismo entre si, uma espécie de guerra fratricida por domínio e influência. A disparidade orçamental entre os Serviços também é um elemento que em nada abona uma certa coesão, colaboração e cumprimento de objectivos. Nesse quesito, há muito que o SISM é o parente pobre dos Serviços.

 

Há especialistas que defendem a criação de uma estrutura supra com a responsabilidade de coordenar a acção dos Serviços um pouco ao exemplo do que existe em Portugal com o SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa) ou com o que se pretendeu em Angola com a criação da Comunidade de Inteligência, mas não deixando os Serviços de estar na dependência directa do Presidente da República. Algo que também afecta a credibilidade dos Serviços é a crescente sensação junto da opinião pública de que estas estruturas são instrumentalizadas politicamente para servir os objectivos de quem governa.

 

A ideia de que estão focados para defender partido X e atacar partido Y não os ajuda na missão de passar a mensagem aos cidadãos da sua vocação republicana. Quando os Serviços tomam partido e se envolvem na luta política e partidária, reforçam a ideia de que são peões do poder político dominante, passam uma ideia muito negativa de que estão ao serviço do partido que governa. Quando quadros e dirigentes dos Serviços de Inteligência defendem partidos ou posições partidárias nas redes sociais, ou quando partilham desinformação para prejudicar este ou aquele partido, é um sinal de que se está a seguir um errado e perigoso. É preciso mostrar que os Serviços estão ao serviço da democracia e do Estado de Direito. Ao continuar a adoptar essa postura, caso se verifique uma situação de alternância política a nível do poder político, o País poderá viver a maior crise em todo o sistema de Segurança e de Inteligência. As extintas DISA e MINSE são uma espécie de "esqueletos no armário", que não ajudam muito na forma como os cidadãos encaram os serviços de Inteligência em Angola. Há um histórico, um passado de violência e de repressão que ainda faz memória na mente de muitos cidadãos.

 

A DISA não era um Serviço de Inteligência nos moldes que se tem agora num ambiente de Estado Democrático e de Direito, era uma polícia repressiva, com o objectivo de perseguição e repressão violenta aos seus opositores, e é preciso não levantar velhos fantasmas aos cidadãos. Não é competência dos Serviços limitarem direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, bem como também não é sua competência manipular, instrumentalizar ou interferir na linha editorial de órgãos de comunicação social. Não existe liberdade sem segurança, mas a segurança não pode colocar ameaças à liberdade. Os Serviços são importantes, necessários e fundamentais na defesa do Estado e dos seus cidadãos. A sua função incide, essencialmente, em antecipar riscos e ameaças, em "alimentar" o poder político com informações relevantes para a defesa do Estado e tomada de decisões. Naquele dia, o que João Lourenço lhes pediu foi para reforçarem o seu poder de previsão e de antecipação. "Adivinhar perigos e evitá-los", como escreveu Camões.