Luanda - O tema central da edição desta semana do Valor Económico destapa um ‘segredo de morte’ que inexplicavelmente esteve fora do debate público até ao momento. Por sua conta e risco, João Lourenço colocou-se numa posição de inelegibilidade à liderança do partido, no congresso ordinário que se espera para 2026. E, como detalha a matéria que dá corpo à manchete, trata-se de conclusões apoiadas por respeitados especialistas de diversas áreas, com particular realce para alguns dos mais conhecidos constitucionalistas do país.

Fonte: Valor Economico

A questão de fundo explica-se com uma formulação simples. Em Agosto de 2016, o MPLA realizou o seu XII congresso ordinário e, consciente de que não concorreria mais à Presidência da República, José Eduardo dos Santos preveniu-se. Fez aprovar estatutos que permitiam que o candidato a Presidente da República fosse qualquer militante com condições de elegibilidade e não necessariamente o presidente do partido. A intenção do falecido Presidente era clara: uma vez que iria perder a liderança do Estado, fez o possível para manter-se à frente do partido e conservar assim a sua influência sobre o inquilino da Cidade Alta. Valeu-lhe de nada a estratégia, claro, porque os seus próprios camaradas o obrigaram a renunciar, com o argumento de que a bicefalia era nociva. Um congresso ordinário foi assim arranjado às pressas, em 2018, e João Lourenço assumiu finalmente o controlo do partido e do Estado.


Possivelmente na tentativa de evitar o ‘azar’ de Dos Santos, João Lourenço optou por fazer diferente quando finalmente teve a oportunidade de cozer os estatutos à sua maneira. Em 2021, num congresso completamente controlado por si, decidiu introduzir uma norma que impõe o presidente do partido como o candidato automático a Presidente da República. Isto significa naturalmente que o congresso ordinário de 2026 não poderá eleger um militante que seja inelegível à chefia do Estado. E, como sabemos, João Lourenço sê-lo-á, ou seja, não será elegível, uma vez que está a fazer o seu segundo e último mandato permitido pela Constituição.


A pergunta que não se cala é: por que razão João Lourenço fez uma espécie de armadilha contra si mesmo, sabendo de antemão das limitações constitucionais sobre um terceiro mandato? Há naturalmente várias hipóteses que podem ser improvisadas em apenas três. A primeira pode ser uma negação da própria pergunta. Ou seja, talvez João Loureço não se tenha armadilhado, mas alguém se terá encarregado de o fazer por ele. É uma explicação remota, porque se funde numa hipotética ingenuidade do Presidente, mas não é negligenciável.


A segunda hipótese pode resumir-se na crença cega de que o actual presidente do MPLA tenha decidido mesmo jogar-se para fora do partido, consciente de que não teria mais o Estado consigo a partir de 2027. Porque se baseia no consentimento da simples boa fé de João Lourenço, é uma resposta ingênua, todavia teoricamente admissível. Finalmente a terceira e mais provável hipótese. João Lourenço terá amarrado o acesso à Presidência da República à figura do presidente do partido, porque estaria convencido de que a revisão da Constituição com o consequente alargamento de mandatos eram ‘favas contadas’. Hoje, colocado o contexto político em perspectiva, qualquer observador pode afirmar com significativa segurança que ‘favas contadas’ é o facto de que não haverá revisão constitucional, muito menos uma que sirva os intentos de João Lourenço.


Dito isto, o intervalo que se prolonga entre esta edição do Valor Económico e o próximo congresso ordinário do MPLA, em 2026, dará certamente alguma resposta a todas as possibilidades. Mais do que isso, esclarecerá definitivamente se João Lourenço tem sido um estadista, um aprendiz de xadrez ou um pugilista reformado, entretanto inconformado.