Luanda - Em substância, Dom António Manuel Nsaku Ne Nvunda, foi um Enviado Especial do Rei do Kongo Mani Kongo Alvaro I. Ele foi credenciado em 1604 pelo Rei para tornar-se Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Reino do Kongo junto ao Papa Paulo V no Vaticano.

Fonte: JA

Depois de empossado, ele empreendeu uma longa viagem para chegar à Roma, mas a sua odisseia estará repleta de armadilhas e contratempos que colocarão em risco a sua integridade física e a sua missão, depois de ter saído de Mbanza Kongo, passando por Luanda, São Tomé, Brasil, Lisboa e Madrid. Segundo testemunhos, o seu barco terá sido sequestrado por piratas que transportavam escravos para o Brasil, tendo sido por milagre que este teria escapado das mãos dos traficantes.

Dom António Manuel Nsaku Ne Nvunda é um personagem e um símbolo de extrema importância na luta contra a escravatura, já que tinha como projecto e objectivo, estabelecer uma aliança com a Igreja Católica para deixar de depender de Potugal e acabar assim com a escravatura que estava no seu pico.

No final de 1606, a delegação de Nsaku Ne Nvunda chega finalmente à Lisboa. Na altura nem a Espanha nem Portugal reconheciam a soberania do Reino do Kongo. As potências ibéricas evocaram o princípio da "Padroada" prerrogativa pela qual Roma lhes concedia a administração dos territórios descobertos e evangelizados para negar ao Kongo o direiro de manter relações diplomáticas direitas com a Santa Sé.

A delegação de Nsaku Ne Nvunda enfrentou uma forte hostilidade dos governos português e espanhol que colocaram todo tipo de obstáculos políticos, diplomáticos e constrangimentos logisticos para o impedir de assumir as suas funções em Roma. Ele chegou a ser detido em Lisboa e Madrid.

Depois de múltiplas vicissitudes, Nsaku Ne Nvunda apesar do seu estado de saúde debilitado, conseguiu chegar à Roma no dia 03 de Janeiro de 1608, quatro anos após a sua partida do Reino do Kongo. Foi recebido com honra pelo Papa Paulo V. Após uma viagem de mais de quatro anos, Dom António Manuel Nsaku ne Nvunda, Embaixador do Kongo, apresentou finalmente as suas cartas credenciais ao Papa Paulo V, tornando-se assim o primeiro Embaixador Africano junto da Santa Sé. Exausto e doente, desconfia-se que teria sido envenenado, morreu no dia 06 de Janeiro de 1608, três dias após a sua chegada. Ele falava Espanhol, Potuguês e latim.

O Papa Paulo V ordenou um funeral digno de um legado, foi sepultado na basílica Românica de Sainte Marie-Majeure.

Principais aprendizados:

A primeira lição que podemos tirar desta grande empreitada, é a visão do Rei do Kongo Mani Kongo Álvaro I que no século XVI já tinha uma visão sobre a geopolítica e as relações internacionais bastante aguçada com a consciência do peso da diplomacia do Vaticano nas relações internacionais;

A segunda lição era os objectivos políticos e diplomáticos que o Rei do Kongo, Mani Kongo Alvaro I preconizava com esta missão diplomática, que podem ser resumidos em quatro eixos:

• Estabelecer um canal directo com o Vaticano afim de quebrar o princípio da Padroada;

•Pedir a influência do Vaticano para meter fim ao tráfico de escravos entre os três continentes;

•Assegurar a soberania do Reino do Kongo que iria abrir as portas de uma diplomacia directa com o resto do Mundo

•Sobretudo, ser uma estratégia de luta contra a colonização para a emancipação do Reino do Kongo.

A terceira e última lição é a reação de Portugal e Espanha que perceberam o alcance da decisão do Rei Mani Kongo Alvaro I e tomaram medidas políticas e diplomáticas para sabotar esta missão, com medidas proactivas que conduziram a morte de Nsaku Ne Nvunda.

Há várias vertentes sobre as quais deve-se trabalhar para enaltecer a figura de Nsaku Ne Nvunda. Entre outros aspectos, destaca-se o seguinte:

•Ele foi um grande diplomata angolano e deve ser lembrado como o pioneiro da diplomacia africana no Vaticano e no resto do Mundo. E uma posição inedita sobretudo naquela época em que a África era colonizada e não tinha nenhuma visibilidade política nem diplomática a nível internacional.

• Deve-se salientar as suas qualidades humanas, pois Nsaku Ne Nvunda não só tinha o sentido de missão, mas teve a coragem de resistir aos piratas e as autoridades portugueses e espanholas para concluir a sua missão.

•Deve-se salientar o reconhecimento do Papa Paulo V que, sem dúvidas, percebeu o alcance político e diplomático desta missão e empenhou-se pessolmente para acolher Nsaku Ne Nvunda com todos os símbolos protocolares necessários e foi sepultado com honras e dignidade, sendo estes gestos todos, um sinal enviado ao Mundo naquele contexto da época.

•Deve-se evocar o tratamento que o Vaticano deu a figura de Nsaku Ne Nvunda contextualizando, como uma posição política e diplomática face a Portugal e Espanha.

Para concluir, o reconhecimento perante figuras de tamanha dimensão é importante na medida em que permite transmitir o nosso legado histórico às gerações vindouras através de acções tais como:

•Uma maior divulgação desta epopeia através de escritos, colóquios, filmes e redes sociais;

•Reforçar os conteúdos sobre esta epopeia nos manuais de história nacional e em particular nos cursos dos estudantes de relações internacionais;

•Encorajar trabalhos de pesquisa universitária sobre esta epopeia sob forma de Memórias, teses e exposições escritas;

• Um reconhecimento político e diplomático pelas autoridades competentes estabelecendo-se por exemplo, um prémio com o seu nome para os quadros e personalidades que se destacam no campo diplomático.

• Anualmente, recordar a data de sua morte como símbolo da nossa gradidão por este grande diplomata e filho de Angola/África.


Miguel da Costa-Embiaxador de Angola na República Democrática do Congo (RDC)