Luanda - Consumido por muitos e mal aproveitados anos no e de poder, a desagregação do MPLA ganhou velocidade cruzeiro. A turma do “agora é a nossa vez” introduziu no partido a cultura do canibalismo.
Fonte: Correio Angolense
Não querendo partilhar com outros as imensas benesses do poder, o bando que está na mó de cima decidiu promover o canibalismo de modo a reduzir, ao mínimo possível, a quantidade de comensais a quem é permitido acesso ao farto banquete.
Sob o título “Sobre os congressos”, alguém, em representação do já conhecido Gabinete de Ódio, que é financiado e funciona e nas dependências do palácio presidencial, recorreu às redes sociais para fuzilar todos em quem enxerga disputa ou ameaça às suas benesses.
Começando por escrever que a realização de “inúmeros congressos sobre vários temas que está a ocorrer em Angola é muito positiva, representa uma vivacidade da sociedade civil, um interesse no debate, uma discussão pública que só pode trazer inovação e bons resultados”, logo a seguir deixa cair a máscara de cordeiro e assume a sua identidade de lobo esfaimado, que qualifica os organizadores dos recém realizados congressos do Direito Constitucional e dos Magistrados Judiciais como “um grupo, que é fechado, saudosista, obcecado pela volta ao passado, que está a usar a presença nos congressos para passar uma única mensagem. Essa mensagem é de crítica permanente e de negação de qualquer terceiro mandato (não que alguém o tenha pedido)”.
E acrescenta: “Este é um grupo articulado de juristas de alto gabarito que funcionaram como alegres executores da política de repressão do passado e agora aparecem como grandes defensores dos direitos humanos, do estado de direito e de não sei que mais, quando eles foram os grandes destruidores desses valores. É essa gente que tenta sequestrar para os seus intentos reaccionários os congressos. É só destes que falamos e devem ser combatidos. Todos sabemos os nomes deles. São os que fizeram a Constituição de 2010 e agora fingem que nada têm a ver com ela e enchem a boca com os direitos humanos”.
Anselmo Agostinho, heterónimo atrás do qual se acoita o incansável funcionário do Gabinete de Ódio, não inventou a pólvora.
Na verdade, são públicos os nomes dos pais da Constituição de 2010.
Quem tenha lido o documento até ao fim, há de ter encontrado a lista nominal de todos os legisladores constituintes, sendo 35 deputados do MPLA; 6 da UNITA; 2 do PRS; 1 da FNLA e 1 da Nova Democracia.
E também saberá que a Comissão Constitucional foi apoiada por um grupo técnico constituída por eminentes juristas e cientistas políticos, maioritariamente indicados pelo MPLA, nomeadamente, Carlos Feijó, coordenador; António Paulo, coordenador adjunto; Adão de Almeida; Cremildo Paca; João Maria Pocongo; José Octávio Serra Van-Dúnem; José António Lopes Semedo; Sihanouk L. Fortuna; Marcy Cláudio Lopes; Rosa Branca da Cunha Cardoso; Rosa Guerra e Solange Pereira.
Os restantes membros eram Casimiro Calei, Armindo Cassessa, Cláudia da Silva (UNITA); David JÁ (PRS); Lopes Malange (FNLA) e Manuel Moreira Pinheiro (Nova Democracia).
Participaram, ainda, Adérito Correia e Manuel Neto Costa.
Quando se refere àqueles que “fizeram a Constituição de 2010 e agora fingem que nada têm a ver com ela e enchem a boca com os direitos humanos”, a criatura que se oculta por detrás de um heterónimo confirma que, por preguiça mental ou por qualquer outra razão, o conhecimento que tem da Constituição da República de Angola limita-se, se tanto, a um ou dois articulados.
É que se ela tivesse a cultura da leitura saberia que o actual Presidente da República, João Lourenço, é um dos legisladores constituintes. À data em que foi elaborada, ele era o 1º vice-presidente da Assembleia Nacional.
Inadvertidamente, ou talvez não, o representante do Gabinete de Ódio inclui o Presidente da República entre aqueles “que fizeram a Constituição de 2010 e agora fingem que nada têm a ver com ela e enchem a boca com os direitos humanos”. Seguindo-lhe o raciocínio, o Presidente João Lourenço, enquanto legislador constituinte, também está entre os “actores recalcados, “que devem ser combatidos sem ilusões”.
Membro de proa do MPLA desde há vários anos, João Lourenço também não pode ser dissociado do grupo daqueles que “funcionaram como alegres executores da política de repressão do passado e agora aparecem como grandes defensores dos direitos humanos, do estado de direito e de não sei que mais, quando eles foram os grandes destruidores desses valores”.
Numa coisa Anselmo Agostinho tem razão: o poder em Angola caiu mesmo nas mãos de “um grupo, que é fechado, saudosista, obcecado pela volta ao passado”.
É isso que explica a roubalheira desenfreada, o regresso à repressão às liberdades de expressão e de manifestação, a renovação da intolerância, enfim, o retorno a um Estado totalitário puro e duro.
Tomada pela voracidade, a turma do “agora é a nossa vez” atira-se cegamente a quem ouse aproximar-se do repasto. Como o leão, o grupo não admite outros à mesa do banquete.
Mas, toldado pela ganância e pela voracidade, o grupo já nem perde tempo a distinguir os aliados dos inimigos.
Deste modo, o próprio Presidente da República, que era suposto defenderem, torna-se alvo dos esfaimados carnívoros.
Anselmo Agostinho descuidou-se, ou talvez não, ao aludir à “crítica permanente e de negação de qualquer terceiro mandato (não que alguém o tenha pedido)”.
Se ninguém pediu o terceiro mandato, porquê a alusão?
O ambiente de salve-se quem puder em que o MPLA já vive causará muitos danos directos e colaterais.
“Um dia, esses tipos hão-de se comer uns aos outros”, prognosticava o falecido Gustavo Costa.
Já começaram!
Correio Angolense