Luanda - A guerra da Ucrânia veio marcar a nossa realidade com a certeza do final de um mundo unipolar sob a hegemonia dos EUA. Numa actualidade marcada pelo desejo por parte das nações emergentes de uma nova ordem económica internacional, que promova em definitivo uma ruptura com padrão criado desde 1885 aquando da Conferência de Berlim e o subsequente processo de colonização, que ditou a eterna dependência das ex-colónias, mesmo após o processo formal de Independência, mantendo-as não só na esfera das nações industrializadas, como submetidas a relações comerciais desequilibradas e injustas. Por conseguinte, vários dos fenómenos da actualidade não devem ser analisados dissociados do processo histórico e evolutivo que os precederam ao longo dos anos desde a segunda guerra mundial.

Fonte: Club-k.net

No ocaso da guerra, em 1944, representantes de 44 nações se reuniram em Bretton Woods, New Hampshire, para desenvolver um novo sistema monetário internacional que veio a ser conhecido como sistema de Bretton Woods. – Na essência, o sistema definia que os demais países, equiparariam as suas moedas ao dólar para as transacções internacionais (que se baseavam quase que exclusivamente em importações dos EUA), sendo que os EUA respaldariam os seus dólares com reservas em ouro a um câmbio fixo de U$ 35,00 por onça. – Os participantes da conferência esperavam que este novo sistema "assegurasse a estabilidade da taxa de câmbio, evitasse desvalorizações competitivas e promovesse o crescimento económico. E o sistema funcionou bem. A par com o Plano Marshall, permitiu a reconstrução tanto do Japão como da europa ocidental e alavancou as exportações americanas. O acordo de Bretton Woods estabelecia que as demais economias ocidentais deviam indexar as suas moedas ao dólar, devendo por sua vez os Estados Unidos respaldar a sua moeda com ouro, avaliando-a em 35 U$ por onça. O plano funcionou maravilhosamente bem até os anos 60. Contudo, a franca recuperação da Alemanha e do Japão e a dívida pública crescente, incorrida pela guerra do Vietname e pela inflação, fizeram com que o dólar se tornasse cada vez mais supervalorizado, encarecendo sobre maneira as exportações, criando desse modo desconforto e insatisfação dos parceiros europeus. Em função disso, a participação americana na economia mundial decaiu sensivelmente levando-a a buscar novas formas de manter a sua hegemonia.


Foi assim que em 1971 o Presidente americano Nixon protagonizou o acto que seria conhecido como Nixon Shock. Ou seja, adoptou uma série de medidas unilaterais do governo americano que a luz do espírito de Bretton Woods revogava os acordos aí ratificados. O Nixon Shock foi um sucesso político para os EUA. É seguro que abalou a economia mundial como um cataclismo de proporções cósmicas. Praticamente trouxe a estagflação dos anos 70 do século passado. Os parceiros estratégicos dos EUA foram arrastados para cenários ruinosos e economicamente difíceis, mas viria a culminar com a vitória americana da guerra fria, com o desmoronar da União Soviética em 1991.


Regressando ao cerne da nossa análise o Nixon Shock, foi uma clara demonstração do pragmatismo estratégico da geopolítica americana, onde ainda que isso signifique a falência e ruína dos seus parceiros como danos colaterais, o importante é a preservação dos interesses dos EUA. Portanto, a estratégia subjacente ao cancelamento do acordo de Bretton Woods, foi a criação do padrão petrodólar; ou seja, em 1974 os Estados Unidos negociaram com a Arábia Saudita a compra do seu petróleo exclusivamente em dólares, assim como garantia de que esse país utilizaria esses dólares priorizando as suas importações a partir dos Estados Unidos bem como investindo em títulos do Tesouro e bancos americanos como forma de reciclar os seus lucros. Neste contexto, 1974 marcou o início da era do petrodólar e do agigantar do sistema financeiro americano. Daí em diante o dólar deixava de estar preso ao sistema de contrapartida do padrão ouro, ou a qualquer outro sistema de contrapartida. Tudo o que precisaria de fazer seria manter os recursos sauditas enclausurados nesse esquema. Sempre que necessário, bastar-lhe-ia tão-somente imprimir dinheiro e manter os países alinhados na sua esfera de influência, presos a tal esfera – há rumores cada vez mais crescentes de que a “ameaça global jihadista é uma criação dos EUA” – verdade ou não, todos os países que um dia tentaram sair da zona de influência da América ou que possuem potencial para diversificar com sucesso as suas parcerias tiveram o azar de enfrentar uma rebelião, uma guerra ou golpe de estado violentos. Há os que chegaram mesmo a transformar-se em ameaças globais, motivando a intervenção directa dos EUA e parceiros (ver o caso do Iraque e da Líbia). Só se conseguem livrar de tal destino os países que lograram obter um poderio militar capaz de se contrapor ou os que foram auxiliados por tais países.
Na actualidade, a guerra da Ucrânia veio por um lado marcar a firme intenção da Rússia em contrapor-se ao poder hegemónico dos EUA como potência global, mas veio também demonstrar que isso não só é possível, como qual é o caminho para a concretização desse desiderato. Ou seja, a auto-afirmação do Sul Global.


A propósito de globalização, este processo implicou também um frenético processo de deslocalização produtiva, em que as grandes companhias identificaram as vantagens económicas da deslocalização das suas fábricas para cenários contextuais, economicamente mais viáveis. Foi assim que a China, a Índia e o sudoeste asiático tornaram-se palcos altamente atractivos para investimentos das multinacionais, em grande medida fruto da estratégia e políticas dos países dessas regiões. O século 21 testemunhou uma mudança paradigmática no cenário económico mundial, vastas regiões do que viria a transformar-se no embrião pujante do Sul global, converteram-se em centros industriais produtivos, mais próximos das matérias-primas, ao passo que o velho mundo se convertia em centro de especulação financeira, de serviços e de consumo.


Embora o cenário contextual se afigurasse auspicioso para todos, havia a considerar a fragilidade do capital financeiro, que assenta essencialmente no poder especulativo. Onde especulações mal sucedidas tendem a gerar riscos sistémicos. E foi exactamente o que sucedeu nas crises financeira de 2008 e 2011. A bolha estourou. E como estourou. Entretanto, dos escombros dos impérios financeiros do mundo ocidental, emergiram a China, a Índia, a Rússia e o Brasil como protagonistas económicos industriais da actualidade, bem como outras pequenas nações configuradas em potencias regionais, mas com potencial de crescimento, como a África do Sul e a Venezuela. É óbvio que tais nações identificaram logo a partida que o grande obstáculo para o crescimento é a ordem mundial vigente, inspirada na Conferência de Berlim estruturada em Bretton Woods e aperfeiçoada pelo Nixon Shock. Logo, para terem sucesso é absolutamente imperiosa a instauração de uma nova Ordem Económica Mundial. Aliás, se analisarmos os factos com frieza, facilmente constatamos que este propósito é tão antigo, quanto o desejo de autodeterminação das nações anteriormente colonizadas. No tempo da guerra fria, o movimento dos Países Não Alinhados era já uma manifestação da intenção da construção de uma realidade envolvendo os países detentores de recursos naturais envolvidos num sistema comercial global sob bases mais justas e equitativas. Porque convenhamos, o sistema de Bretton Woods, para os EUA foi um sistema de manutenção de hegemonia económica, para as potencias ocidentais do pós guerra, foi um sistema de recuperação e estabilização económica, para todos os outros países do mundo e muito em especial para as nações que obtiveram a independência no pós guerra, tem sido um sistema de dominação, reforçado por instituições como o FMI e o BM.


No passado, o movimento do Países Não Alinhados, foi fortemente afectado pelo contexto de guerra fria, onde o mundo ideologicamente dividido em dois blocos, impunha que o movimento tivesse conotação comunista, uma vez que se contrapunha ao “capital imperialista”. Portanto, com o fim da União Soviética e o desmoronar do bloco socialista, assim como o surgimento do mundo unipolar, dominado pelos EUA e pelo “Otanistão”, esse movimento simplesmente se dissolveu.
Durante o período hegemónico dos EUA/Otanistão tornou-se relativamente perigoso para qualquer país tentar furar o sistema determinado Bretton Woods e os padrões petrodólares. Citemos como exemplos os já mencionados Iraque, Líbia e recentemente a Síria que só não teve o desfecho dos dois anteriores porque a sua derrocada poria em grande risco a posição da Rússia enquanto potência regional, o que a levou a actuar directamente no conflito, em defesa de Bashar Al Assad, e até hoje ainda lá se encontra assegurando que nada aconteça ao seu peão.


Voltando ao Cenário Rússia vs. Ucrânia

O velho Otanistão, sempre alimentou o projecto de induzir a desagregação da Rússia em vários estados mais pequenos, menos poderosos. Portanto, domináveis. Desse modo sob pretexto da ameaça do perigo expansionista russo, foi se expandindo em direcção às fronteiras da Rússia. Cercando-a e justificando que desse modo se buscava um cenário mais seguro para o mundo.


Aqui façamos um parágrafo para ponderar que a retórica do Otanistão, que define tanto a Rússia como a China nações imperialistas, cujo tamanho como país se deve ao facto de ao longo da história terem invadido e subjugado outros povos. O paradoxalmente caricato nisso é que tanto a Rússia como a China, principalmente esta, mantêm as suas actuais fronteiras há séculos (no caso da China a sensivelmente 5000 anos), não saíram à conquista do colónias mundo a fora. Ao contrário dos países do Otanistão que têm o histórico secularmente andarem pelo mundo inteiro, conquistando e subjugando outros povos com várias proezas genocidas no curriculum. Ousando inclusive, realizar vários acordos de partilha do mundo entre eles – podemos citar o Acordo de Tordesilhas e a Conferência de Berlim.


Regressando à narrativa, o “Euromaidan” em 2014, pode ser considerado como o início da jogada do Otanistão, para a desagregação da Rússia. O certo é que num conflito verifica-se também sempre um confronto de estratégias. Sendo que a estratégia do Otanistão, era simples, baseados na experiência da vitória dos EUA sobre a União Soviética na guerra fria;


1. Levariam a Rússia a uma situação de encurralamento com ou sem guerra de modo que a mesma pudesse ser isolada e asfixiada por sanções;


2. Essa situação, por sua vez conduziriam à degradação radical do nível de vida dos cidadãos, criando cenário favorável para convulsões sociais, revolução e implosão


3. Por fim, a tão almejada desagregação, à semelhança com o que sucedeu com as repúblicas da União Soviética.


Ironicamente, também se valendo da experiência que levou a desagregação da União Soviética, os russos definiram uma estratégia que aparentemente tem levado a melhor sobre os seus opositores e em minha opinião, dois factores foram fundamentais:


1. Os soviéticos eram vários povos forçados a viverem como um único país. Portanto, era forte o desejo de auto determinação. Ao passo que os russos são um povo multiétnico sofrendo ostracismo e racismo por parte do mundo ocidental. Portanto, é forte o sentimento de união, na base de “we against the ocidental world”;


2. O ponto acima cria grande interesse e motivação non estabelecimento de relações com todas as nações do mundo igualmente marginalizadas.

A Ascensão do BRICS e o Contexto Histórico


Tal como já foi atrás frisado, os BRICS – acrónimo de Brasil, Rússia, Índia, China e South Africa – são os precursores do movimento de nações que buscam edificar um Nova Ordem Económica Mundial, distanciada das normas estabelecidas por Bretton Woods e dos padrões dos petrodólares.


A manifestação de adesão é tal que actualmente já se fala em BRICS alargado e o movimento ganhou a denominação de Organização do Sul Global. Recentemente a Arábia Saudita manifestou a intenção de aderir aos BRICS, tudo isso após a aproximação histórica ao irão, patrocinada por Xi Ji Ping. Isso fez soar todas as sirenes de alerta na cúpula dos EUA e no império do Otanistão. É que tudo indica que a Arábia Saudita está mesmo prontinha para mandar para as calendas as bases do petrodólar paridas do engenho de Richard Nixon com o seu Nixon Shock.


A pelo menos uma década atrás, seguramente a monarquia saudita estaria em maus lençóis. Entretanto, hoje a realidade é bem diferente, embora não seja numa base ideológica, verifica-se nitidamente o nascimento de um novo mundo multipolar caracterizado pela existência de dois blocos de interesses, mas onde a correlação de forças se equiparam. Portanto a velha táctica do “malho e da bigorna” não se aplica. A confrontação é feita através de “proxis” ou polos de interesses. Na realidade, as monarquias árabes e as oligarquias financeiras, foram praticamente empurradas para o novo movimento económico integracionista, pelo tiro que o ocidente deu nos pés, ao manifestar a intenção de atacar as reservas russas em dólares, pois, apavorou todos os detentores de tais reservas ao verificarem o quão frágeis afinal estão na actual condição. Ganhando o sentimento da urgência da desdolarização das suas economias. Ora, todo mundo sabe o que e que acontece a um banco se todos os seus depositantes correm aos seus balcões para levantar os seus depósitos. É nessa condição praticamente em que se encontram os EUA. Com a agravante de que desde que em 1974 – altura em que estruturou o padrão petrodólar – sempre que precisou de adicionar liquidez à sua economia, limitou-se a imprimir dinheiro, sem a necessária contrapartida de valor económico.


Portanto o actual senário económico internacional caracteriza-se por uns EUA plenamente conscientes do momento delicado da sua história. Importa aqui frisar que embora o actual momento que vivenciamos seja o princípio da derrocada do império americano, isso não significa que os EUA vão entrar em falência amanhã, nem por sombras. Essa grande nação possui recursos para se reestruturar e manter-se uma das principais nações do mundo – à semelhança do Império Britânico quando se desmoronou – mas seguramente a sua época enquanto potência hegemónica acabou. Parafraseando Pepe Escobar, analista internacional brasileiro; “…a única potência secular que prevalece no mundo é a China, que viu nascer e desaparecer todos os impérios que o mundo já teve, mas ela mantém-se lá, no recanto das suas muralhas, impassível e imutável”.

 

Se do lado de lá temos os EUA e as potências do velho mundo, se debatendo por preservar o status quo. Do lado de cá, temos as nações não industrializadas, as antigas colónias e as nações marginalizadas, que vistas bem as coisas, são a maior parte dos países do mundo se unindo em prol do surgimento de uma nova ordem económica Internacional porventura mais equilibrada e justa e em rompimento absoluto com o padrão nascido em 1885 aquando da Conferência de Berlim, é pois nesse cenário que vemos ao governação angolana em contra corrente ao que seria natural, face aos seus interesses geoestratégicos, a esforçar-se por demonstrar as antigas potências hegemónicas que neles têm um parceiro em quem podem confiar e em quem identificam potencial de parceria a explorar.


Neste ponto deste artigo respeitando a inteligência dos meus leitores e sem tentar sequer induzi-los ao que quer que seja, convido-os para a reflexão que se impõe, sobre o que é que o povo angolano lucra com encontro realizado no 30 de Novembro – ironicamente o mês da Independência – em Washington, na sala oval da Casa Branca.