Luanda - O comunicado final da 64º Sessão Ordinária da Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO, que teve lugar no dia 10 de Dezembro de 2023, em Abuja, Nigéria, concernente a crise política na Guiné-Bissau, ao apelar “ao respeito total pela Constituição (...), cumprindo a lei e ao reinício rápido do funcionamento de todas instituições nacionais”, terá frustrado as pretensões em formar um novo governo de iniciativa presidencial na Guiné-Bissau, liderado por Umaro Sissoco Embaló - USE, poucos dias depois do derrube do Governo e da dissolução do Parlamento, através de um Decreto Presidencial que, de acordo com constitucionalistas locais, “viola, insustentavelmente o princípio da separação de poderes (do art. 59, n.° 2 da Constituição), o limite temporal de dissolução do Parlamento (do art. 94, n.° 1), que proíbe, taxativamente, a dissolução do Parlamento nos 12 meses posteriores à sua eleição e o princípio da constitucionalidade (do art. 8.º), que subordina os órgãos do Estado à Constituição e faz depender a validade dos seus actos ao respeito pela Lei Fundamental”.

Fonte: Club-k.net

Inconformado, por não ter conseguido se movimentar junto dos órgãos da CEDEAO, como fazia no passado, para ver rapidamente legitimados os actos inconstitucionais, designadamente o derrube do Governo e a dissolução do Parlamento, Sissoco, cuja astúcia política faz dele 'um animal político' com poder para ter sob o seu domínio quase toda a classe política e militar guineense, terá percebido que a CEDEAO não o ajudaria a materializar a formação do novo Governo de iniciativa presidencial, pelo que criou logo alternativa. A alternativa encontrada, foi exatamente no Palácio do Eliséu, em França, onde após encontro com o seu homólogo, no dia 19 de Dezembro de 2023, o Presidente de França, Emmanuel Macron, encorajou o seu homólogo da Guiné-Bissau-USE, a formar "rapidamente um novo governo", conforme anunciou, em comunicado, a Presidência francesa, portanto, uma 'legitimidade maior do que a da CEDEAO', já que a França dominará a sub-região e por arrasto a CEDEAO. Em menos de 48h, após o encontro de Paris, Embaló formou o seu Governo à medida e gosto, após ter exonerado Geraldo Martins, da Coligação PAI-Terra Ranka, vencedora das eleições legislativas de 4 de junho de 2023.


O novo Governo está composto, grosso modo, pela mesma turba que integrou o Governo anterior a realização das eleições legislativas, liderado pelo MADEM-G15, portanto, foram, simplesmente seis meses de descanso. Os influentes do 'grupo do lado esquerdo' estão todos de volta. Por seu turno, USE, voltará a presidir todas as Reuniões do Conselho de Ministro, como gosta e fazia antes de perder as eleições legislativas, sendo que voltará a ter um Primeiro-ministro subserviente e que não o ofusque em termos intelectuais, como era o caso de Geraldo Martins. Tudo volta a forma anterior. Na verdade, na Guiné-Bissau, será normal ver os mesmos indivíduos repetirem pastas no aparelho do Estado, duas, três, quatro, cinco vezes, de modos que, para naquela realidade, quando o chefe for exonerado convém dizer, na despedida, que aguardamos pelo chefe o mais breve possível e não se rir dele, ainda que seja a encarnação da ignorância, incompetência e prepotência, na medida em que a probabilidade de voltar em menos de seis meses na mesma função, é tão grande quanto a previsão de chuva de um instituto de meteorologia credível.


Na realidade guineense 'não será possível comer sozinho', ainda que se ganhe com maioria qualificada. O político ou partido sente-se activo / vivo quando integra o Governo e não o Parlamento. A título de exemplo, será desta forma, que o partido PRS, que no histórico de eleições só ganhou uma vez, integrou, praticamente, todos os governos constitucionais. O partido PRS é de matriz étnico-balanta, sendo que as forças de segurança e defesa, de modo geral, são compostas, maioritariamente, por balantas, portanto, será 'mandatório', convidar este partido a integrar o Governo, ainda que se ganhe com maioria qualificada, sob pena de não conseguir governar, na medida em que na Guiné-Bissau, as eleições não serão determinantes para se chegar ao poder ou mante-lo, mas sim as alianças que se fazem, sobretudo com elite militar.


A astúcia política, que se consubstanciará na aglomeração daquilo a que deduzido das teorias do académico norte americano, Robert Dahl, assenta-se no que chamaríamos de “recursos políticos” - o conjunto de recursos, materiais e imateriais, que um individuo ou grupo usa para a aquisição ou manutenção do poder. Desse ponto de vista, quem já detém o poder, tem mais vantagem sobre quem não detém (oposição) - fundamentalmente em África, é um recurso cujo grupo sob liderança de USE dominará, presentemente, sem grande concorrência, de modos que mesmo estando na oposição, não terá se sentido em larga desvantagem em relação a quem detinha o poder- PAIGC.


Olhando para a Guiné-Bissau, cujos crónicos problemas político-institucionais, transformam aquele país numa espécie de 'laboratório para qualquer politólogo experimentar ou comprovar teorias de ciência política, filosofia, sociologia, direito constitucional, teologia, entre outras', no jogo que leva a aquisição ou manutenção do poder, a astúcia política, em muitos casos, chega mesmo a superar a inteligência secular e até ser determinante, portanto, um intelectual, poderá perder com um indivíduo muito abaixo dele, no campo intelectual, ou mesmo ignorante, mas muito esperto, ambicioso, populista, corajoso e com uma rede de contactos que servem de suporte as suas pretensões, ainda que 'maquiavélicas' - aqui ressalta-se o carácter competitivo da própria política, cujo objecto é a conquista ou manutenção do poder
Claro que tal astúcia só serve no jogo da aquisição ou manutenção do poder, e não dá para usá-la para ter boa governação. A economia é ciência e não se manipula com astúcia, muito menos com ignorância, pelo que mais do que astúcia, exigirá mesmo inteligência secular, e desse ponto de vista, os astutos, que chegam ao poder desta forma, mantendo a mesma arrogância e ignorância, transformam-se em autênticos paraquedistas políticos e aventureiros, diante dos seus povos, no exercício do poder, e não recebem aprovação governativa, até dos próprios familiares directos. Não dá, com astúcia ou mesmo magia negra e / ou africana, convencer uma criança, quanto mais todo um povo, que já está repleta, quando ainda sente muita fome, ou que a energia já foi restabelecida, quando se está as escuras. Ainda que se mude os conceitos, como no romance, 1984, de George Orwell, fome será mesmo fome, escuridão será mesmo escuridão, pobreza e subdesenvolvimento serão isso mesmo.
Entretanto, USE terá a vantagem em ter as forças de segurança e defesa sob o seu domínio e recursos financeiros, e isso viu-se nos confrontos do dia 1 de Dezembro, de modos que impor vontades será mais fácil, sob o olhar cúmplice da Comunidade Internacional, com destaque para a União Africana, que, por norma, dos apelos formais não passa. Como num passado recente, o grupo sob liderança de USE vai consolidar o poder e ter a sua 'legitimidade branqueada' pela Comunidade Internacional, na medida em que for sendo reconhecido, sendo que no plano interno, quem resistir terá os militares sob alçada.


O poder, que no final do dia é um jogo de inteligência, em que, fundamentalmente em África, os piores jogares, mesmo jogando mau, mas fazendo melhor uso dos “recursos políticos” - batotando, sãos os que ganham, pelo que a 'contrainteligência', como num jogo de xadrez em que deve se observar e refletir permanentemente sobre a jogada ou simples pretensão do adversário, deve funcionar para impedir eventuais batotas e consequente perda do jogo - poder. Na política, a dosimetria, muitas das vezes nos é dada pelo adversário, ou seja, se ele joga essencialmente de uma certa forma, e com isso ganha, devemos estudar as suas jogadas e adoptar parte delas, para esbater a superioridade que ostentará e com isso deixá-lo em desvantagem. A política é amoral!


Com este cenário, em que na Guiné-Bissau, nas palavras de um analista político local, será mais fácil ganhar poder do que conservá-lo, será pouco provável que o PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, que viu de forma traiçoeira muitos dos seus militantes de proa a integrarem o novo governo de iniciativa presidencial, sem anuência do partido, volte ao poder a curto ou médio prazo, pois será muito pouco provável que Sissoco e aliados, voltem a deixar o poder escapar tão cedo, ainda que tenham de recorrer a repressão, numa escala maior que as de um passado recente - o que poderá envolver mesmo a eliminação física de opositores e críticos -, ou não voltar a realizar eleições tão cedo, num contexto em que o povo deverá continuar a viver sob a incerteza de um futuro de instabilidade político-institucional, cinquenta anos depois do alcance da independência, na medida em que o poder que era, relativamente, institucional, transforma-se, cada vez mais, em unipessoal, com todos os riscos que isso representa, para um país como a Guiné-Bissau, que após ter sido 'reconhecido' como narcoestado, poderá se seguir o risco em ser também 'reconhecida' como o novo faroeste africano.


Daniel ‘Dongala
Politólogo