Luanda - Os últimos três anos em África ficaram marcados por golpes de Estado militar que decorreram, maioritariamente, na parte ocidental do continente, que se transformou numa das sub-regiões de África mais instáveis, mais complexas, e com muitas incertezas do futuro político e militar, devido aos vários acontecimentos políticos, e de segurança, que tiveram implicações para o continente berço da humanidade.

Fonte: Club-k.net

A situação de segurança na região do Sahel deteriorou-se, destapou e colocou a nu as fragilidades das instituições dos Estados africanos, que agudizaram os riscos e as ameaças predominantes nesta região.

 

A situação na região continua muito volátil. Grupos terroristas, com conexões com o Estado Islâmico, como o Boko Haram, intensificaram a sua presença na região da África Ocidental, onde foram responsáveis por vários crimes hediondos, como massacres de grupos étnicos e religiosos, tortura, abuso sexual, desaparecimentos de pessoas e pilhagens que provocam deslocações forçadas das populações.

 

Os golpes de Estado militares provocaram o retrocesso dos aspectos ligados ao Estado de direito e democrático, e a deterioração da segurança na região, devido às acções perpetradas pelos militares, no Mali, no Burkina Faso, na Guiné-Conacry, no Níger e recentemente no Gabão, derrubando os governos destes países e invertendo a ordem constitucional.

 

O golpe de Estado do Mali provocou, por um lado, o efeito dominó e teve influência no regresso dos golpes de Estado na região — devido à opacidade da comunidade internacional e das organizações regionais em dar resposta a esta situação — e, por outro lado, por ser bem-sucedido, motivou que os militares de outros Estados seguissem tal prática.

 

Seria ingenuidade intelectual pensar que muitos destes golpes de Estado não tiveram o patrocínio de figuras ligadas aos terceiros Estados. Não queremos com essa afirmação usar o argumento da vitimização, de que tudo de mal que acontece aos africanos é culpa da mão in- visível das grandes potências, mas o realismo político leva-nos a essa conclusão, em função da legitimidade obtida pelos Presidentes que chegaram ao poder pela via não constitucional, mas recebidos com honras militares pelos Presidentes que foram eleitos democraticamente e participam nas cimeiras internacionais.

Segundo Jean Michel Mabeko-Tali, Professor da Universidade de Washington, em declarações ao programa “Café da Manhã” da LAC, o golpe realizado no Mali foi uma revolta popular contra a origem francesa. “(...) Foi a rua que ditou a queda do antigo governo. O Estado não levava em consideração o papel da rua, que literalmente impõe a nova Liderança (...)”, enfatizou.

É importante frisar que os golpes de Estado que decorreram em África apresentaram vários denominadores comuns, mas para esse artigo descrevemos quatro, que podem ser apontados nesta equação:

1- Os golpes de Estado ocorreram todos na África Ocidental, excepto o golpe de Estado do Gabão, que faz parte da África Central;

2- Todos ocorrerem nas antigas colónias francesas em África;

3- Todos foram executados pelos militares;

4- Todos tiveram o apoio popular.

Este último denominador decorre em virtude do descontentamento das populações com o governo, que em muitos casos não conseguiram pôr cobro a uma série de situações de ordem política, económica, social e até de segurança.

Mas importa referenciar que os golpes de Estado criaram uma “falsa ideia” de que a solução dos problemas da sociedade passava pela mudança dos regimes, pela via da força, e a institucionalização de um governo de transição controlado pelos militares.

Ainda na esteira do pensamento do historiador, citado acima, os “(...) golpes de Estado em África não são motivados apenas pelo desejo do poder, mas motivadas por uma revolta popular, contra a exploração ocidental, mas também pela crise de liderança em África (...)”.

Assim, com a queda destes governos pró-ocidentais, surge a oportunidade para se instalarem e/ou aumentar a expressão de outros dois grandes actores da geopolítica mundial — China e Rússia.

Estes dois últimos não colonizaram África, e a imagem que se tem destes é diferente daquela que se tem do Ocidente colonizador e opressor, assim como ficou patente no discurso do capitão Traoré — considerado por alguns africanos como a incarnação de Thomas Sankara —, que, durante a Cimeira Rússia-África, afirmara: “(...) a Rússia é um país amigo e libertador: primeiro com as independências e depois com o apoio no combate aos extremistas islâmicos através da presença do Grupo Vagner. E a China é o grande parceiro económico com empréstimos com juros mais bonificados (...)”.

Um estudo feito pelo Professor Doutor Ilonka Costa, em Estudos Estratégicos da Universidade Agostinho Neto, aponta uma combinação de factores para o ressurgimento dos golpes de Estado nesta região, aponta algumas razões internas, como:

• São países extremamente frágeis — resultando da colonização francesa na grande maioria deles;

• Fragilidade das instituições resultante das políticas e práticas políticas no pós-independência;

• A desertificação em consequência das alterações climáticas e acção humana. O Saara avança para Sul;

• A insegurança ligada ao extremismo, que é o ponto nevrálgico, dado existir na região países multiculturais, multiétnicos e multireligiosos por conta da herança colonial em grande medida, ou seja, é aquela análise “cliché” sobre a formação dos países africanos — mapa cor-de-rosa e o desenho artificial das fronteiras — a partir dos interesses dos colonizadores, no caso em particular a França. Entre outras razões descritas pelo professor citado.

Devemos subscrever que os factores internos são determinantes para que um Estado vivencie um golpe de Estado, ou não, tendo em atenção a consolidação ou fragilidade das instituições dos Estados de direito e democrático e do nível de maturidade política dos seus cidadãos, bem como o respeito das instituições castrenses perante o poder político.

Existe uma dimensão externa que não tem força suficiente para evitar os golpes de Estado, porque está desprovida de instrumentos e meios para repor a ordem constitucional, simplesmente se limita a mitigar o impacto dos golpes de Estado para os Estados visados em particular, e, em geral, para a região em que se encontra inserida, que se atribui às organizações internacionais e blocos geoeconómicos a responsabilidade de esfriar estes acontecimentos. Ainda na dimensão externa, parece paradoxal o que escreveremos agora. Em África, os golpes de Estado ganharam proporções alarmantes devido à ausência de poder da União Africana, e da ONU, em sancionar governos que chegaram ao poder pelas vias que não estão consagradas nas Constituições, mas, em parte, legitimados pela comunidade internacional. Essa legitimação passava por permitir que esses governos participem em cimeiras das organizações sub-regionais, regionais e mundiais. Conforme o autor deste artigo defende na obra “Os Desafios de África no século XXI - Um Continente que Procura se Reencontrar”.

Os longos consulados dos presidentes africanos, que muitas vezes são usados como argumento para o golpe, têm sofrido várias críticas quer ao nível interno, quer no nível externo.

O ex-Presidente Barack Obama, durante uma visita à África, em 2015, criticou a longevidade no poder por parte dos líderes africanos, dizendo: “(...) O continente não avançará se os seus líderes se recusarem a sair dos cargos quando terminam os seus mandatos (...). Por vezes, ouvimos os líderes dizer o seguinte: (...) Sou a única pessoa capaz de manter esta nação unida; se isto for verdade, então o líder falhou, realmente, na construção do seu país (...)”.

É perigoso atrelar a estabilidade do Estado ao líder, enquanto os homens são falíveis, são mortais. A estabilidade de uma nação deve estar assente no fortalecimento das instituições.

Os golpes de Estado não se constituíram num elemento determinante de mudança quer pela forma de governação, quer pelo progresso social, económico e de segurança, pelo contrário, constituíram-se no retrocesso das liberdades e garantias fundamentais. A título de exemplo, são os golpes de Estado que ocorreram nas décadas de 70, 80 e 90 do século XX que muitos golpistas continuam no poder até a data presente ou foram derrubados por outros militares, fazendo juízo de valores: “Não acredito que os últimos golpes de Estado poderão introduzir um paradigma diferente comparativamente aos que decorreram no século passado”.

É notável que estes governos que chegaram ao poder pela via não constitucional não conseguirão pôr cobro ao terrorismo e ao clima de insegurança da região e alterar o “estado das coisas” que usaram como argumento para perpetuar o golpe.

Muitos dos governos contrataram empresas de mercenários para garantir a segurança e treino de tropas especiais dos exércitos, em troca de exploração de mineiros sem qualquer controlo das autoridades. Isto é perigoso, à medida que põe em causa a soberania do Estado e o governo se torna refém destes grupos que a qualquer altura podem colocar outra figura no poder.

A pergunta de um milhão de dólares que não se quer calar é a seguinte: qual será o próximo o país em África a tornar-se vítima de um golpe de Estado?

 

*Professor de Relações Internacionais e mestre em Gestão e Governação Pública, na especialidade de Políticas Públicas.