Luanda - Ingenium mala saepe movent é uma expressão da literatura clássica para dizer que a necessidade ou a dificuldade aguça o engenho. Entretanto, sinto que nem sempre é rigorosamente assim. Por isso, vemos vários exemplos preocupantes em que as pessoas se conformam com o seu status quo e nada fazem para reverter a situação.

Fonte: JA

Ao invés disso há, facilmente, a tentação de aguardarmos por um Messias. Cristo existiu e veio para nos salvar, é verdade, mas não podemos permitir à manutenção de um estado de coisas em que se assiste uma degradação assustadora da qualidade de vida das pessoas, esperando, apenas, que alguém venha resolver. Façamos por nós mesmos.

Muitas vezes, um argumento para essa estagnação social é a ausência de ferramentas, essencialmente educativas ou informativas, para encontrar uma saída que permita as pessoas melhorar e mudar.

Por isso, a luta contra a pobreza deve merecer uma resposta cabal de todos. Não podemos olhar impávidos a degradação social, cultural e económica em que se encontram algumas comunidades. E, muitas vezes, não tão distantes do nosso olhar.

Vem tudo isso a propósito do meu amigo Ngouabi Mariano Salvador, condecorado recentemente pelo Presidente francês, Emanuel Macron, Cavaleiro da Ordem de Mérito, pela consistência do seu trabalho social e desportivo no clube Formiguinhas do Cazenga.

Não se julgue que o meu reconhecimento ao Ngouabi Salvador seja decorrente daquela distinção. Ela é, sem sombra de dúvidas, importante e até orgulha-nos a todos enquanto angolanos e, especialmente, enquanto seus amigos.

O meu louvor ao Ngouabi Salvador prende-se, exactamente, com o seu profundo sentido patriótico e humanista, sendo daqueles que não questiona, mas doa-se completamente à causas colectivas.

E digo isso porque sou suspeita, tal como alguns dos seus amigos que ao longo dos anos retiraram um pouco do seu para doar ao projecto, atendendo assim alguns custos. Lembro-me, por isso, duma vaquinha que fizemos em 2016 ou 17, para que as equipas pudessem participar num campeonato nacional de juniores e juvenis, disputado no Lubango.

A grandeza do projecto Formiguinhas do Cazenga não está apenas na sua dimensão desportiva. A magnitude do projecto está, também, na sua capacidade de transformar vidas, renovar esperanças e criar um novo mundo e horizonte para crianças e jovens, que estariam potencialmente numa linha de risco para o insucesso.

São crianças que sentam-se debaixo da mulembeira e têm a alegria de ouvir histórias, de questionar o mundo e o país com oradores da dimensão de Adão de Almeida, Laurinda Cardoso, Vera Daves de Sousa, José Octávio Serra Vandúnem e tantos outros que, ao longo dos tempos, tiram também um pouco de si para doar àqueles petizes.

O Ngoaubi é mais do que um sonhador que está a montar no clube desportivo uma biblioteca para atender os atletas e a comunidade. Que luta para obter bolsas de estudo internas e no exterior aos melhores atletas, fazendo-os perceber que o desporto é um caminho.

Ele é, também, um verdadeiro aglutinador de vontades, devolvendo-nos a utopia sobre o quão importante é para cada um de nós trabalhar por esse colectivo. É claro que há sonhos e frustrações. É claro que o parto faz-se com dor como uma viagem faz-se com tempestades. Tudo isso faz parte do caminho e precisamos, acima de tudo, acreditar e fazer acontecer Angola, todos os dias.

Precisamos abandonar uma abordagem apática e egoísta para seguirmos uma postura de altruísmo, pensando que o dar é mais importante que o receber, doar o que temos é um caminho para conseguir de volta dez vezes mais o que se deseja.

Não tenho, por isso, qualquer dúvida sobre o quanto a minha figura do ano de 2023 foi o bom camarada Ngouabi Mariano Salvador.

Sem dúvidas, quando olhamos para a nossa sociedade percebemos o quanto precisamos de mais "Ngouabis”, nas diferentes dimensões da vida. Precisamos de transformar o individual para ganharmos um colectivo rigorosamente diferente.

Recupero, propositadamente, um título do livro do Cardeal José Tolentino Mendonça, "O que é amar um País”. E deixo essa provocação para todos os leitores, na convicção plena de que o Ngouabi ama essa terra. Feliz 2024 para todos nós.