Luanda - Ponto prévio: O conflito armado que se instalou no país durante 27 anos (1975-2002), logo depois da independência de Angola, afastou, na altura, toda e qualquer possibilidade de um ambiente propício para se estabelecer relações de cooperação que tivessem como base o desenvolvimento social e económico do país, muito menos se podia pensar na mobilização de qualquer tipo de investimento estrageiro para Angola. Todos os esforços estavam até então virados na busca da paz interna. Com a assinatura dos acordos de paz em Abril de 2002, o Estado angolano viu que estavam então criadas as condições para cooperar com o mundo no sentido de recuperar o tempo perdido no conflito, procurando concentrar as suas acções no desenvolvimento do País. No entanto, analisando as capacidades internas, Angola entendeu que não podia sozinha, no estado de grande devastação em que o país se encontrava, promover o seu progresso. Era preciso contar com o auxílio dos parceiros internacionais no quadro da cooperação para o desenvolvimento, enquanto mecanismo surgido no calor do fim da Segunda Guerra Mundial.

Fonte: Club-k.net

Para melhor compreensão sobre o assunto, convenhamos primeiro olhar para os conceitos do desenvolvimento sustentável (DS) e da cooperação internacional para o desenvolvimento (CID).


No primeiro, Estender e Pitta (2008) afirmam que o DS surgiu durante a Comissão de Brundtland, na década de 1980 onde, na ocasião, a primeira-ministra norueguesa, Gro Harlem Brundtland, definiu-o como sendo a forma em que as actuais gerações satisfazem as suas necessidades sem, no entanto, comprometer a capacidade de gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades. Os autores entendem que, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direcção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro a fim de atender às necessidades e aspirações humanas.


A temática sobre o DS se tornou deveras importante, uma vez que no quadro das políticas públicas acaba assegurando, de alguma forma, o controlo e tratamento dos recursos naturais bem como garantir a satisfação das necessidades das populações na actualidade e no futuro, conforme previsto no relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, vulgarmente conhecido como “Nosso Futuro Comum”, de 1987


Quanto à CID, Ferreira (2015) assegura que a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento consiste no esforço levado a cabo conjuntamente por Estados desenvolvidos e Países em desenvolvimento, com a finalidade de combater as dificuldades económicas e sociais dos últimos, de forma sustentável e duradoura.


A temática sobre a CID começou a ganhar corpo no período após Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945, onde, no intuito de se acabar com as desigualdades, os Estados passaram a considerar essa cooperação como um vetor-chave para fomentar e promover o desenvolvimento social e económico, com principal foco para os Países menos desenvolvidos.


No segmento das acções, ainda neste período pós Segunda Guerra Mundial, foram criadas diversas organizações internacionais, nomeadamente a Organização de Cooperação Económica Europeia (OECE) de 1948, bem como as diferentes agências da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta mesma conjuntura, surgiram também as agências bilaterais de cooperação internacional para o desenvolvimento dos principais Países doadores. (Milani, 2014 apud Pereira, 2020).


Desde então, o mundo mobilizou-se em volta desta temática, facto que tem levado a um aumento significativo de acções neste âmbito de cooperação. Hoje é possível notar que, para muitos Estados e Organizações Internacionais, a cooperação internacional para o desenvolvimento passou a ser considerada como um vetor estratégico indispensável no quadro das suas políticas externas, através da qual procuram promover o desenvolvimento sustentável dos Países parceiros, mediante a aplicação de projectos quer sejam do âmbito técnico quer de ajuda financeira.


Entretanto, não obstante, a esta abertura e o espírito de ajuda mútua que se vai observando entre os actores internacionais, a CID continua a ser apenas um complemento ao esforço dos beneficiários face aos seus programas internos de combate à pobreza e de promoção do desenvolvimento social e económico.


Com base nesse quadro em que os Estados se desdobram na busca de um progresso mais equilibrado, observemos então para a realidade angolana, analisando, no caso, os projectos de CID implementados em Angola, bem como o seu impacto no desenvolvimento sustentável das comunidades locais, uma vez que Angola é igualmente um destes actores que prima por esse tipo de cooperação, criando sinergias com os seus parceiros internacionais a fim de satisfazer as necessidades internas, entre elas a erradicação da pobreza e de outros fenómenos consubstanciados, também, aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).


Nesse quadro de cooperação, Angola conta, entre outros, com parceiros como Banco Mundial, Nações Unidas, União Europeia e o Banco Africano de Desenvolvimento, que têm financiado inúmeros projectos que visam atender às necessidades do País.


A título de exemplo, vamos destacar os projectos financiados pelo Banco Mundial (BM) enquanto uma das maiores instituições financeiras multilaterais, que tem por missão proporcionar recursos sustentáveis que concorram para a diminuição da pobreza e garantir, de forma participada, o bem-estar dos povos nos Estados em desenvolvimento, com actuação sobre todos os aspectos fundamentais do desenvolvimento por meio de ajuda financeira e técnica para os seus parceiros.


As relações de cooperação entre Angola e o Banco Mundial tiveram início em 1989. No quadro dessa cooperação, olhando para os últimos 10 anos, segundo relatório do Iº trimestre do ano de 2020, apresentado pelo Ministério das Finanças de Angola, o pacote do BM continha até à data do relatório, um total de sete (7) projectos activos, com um volume de financiamento na ordem dos USD: 948,7 milhões. Estes projectos se desdobram em vários sectores, nomeadamente, na Agricultura, Energia e Água, Apoio Social, Educação, Saúde e Estatística, nos quais se inclui também o KWENDA, um programa de transferências monetárias. Entre esses projectos podemos destacar os seguintes:

 Projecto de Desenvolvimento de Agricultura Comercial (PDAC);
 Projecto de Desenvolvimento da Agricultura Familiar e Comercialização (MOSAP I e II);
 Projecto de Desenvolvimento Institucional do Sector de Águas (PDISA II);
 Projecto de Desenvolvimento Local;
 Projecto de Aprendizagem para Todos;
 Projecto de Reforço do Desempenho do Sistema de Saúde de Angola;
 Programa KWENDA.

Esse último é, por sinal, o mais conhecido junto das comunidades locais em Angola, face à sua particularidade de transferência directa de valores monetários às famílias em situação de pobreza e profunda vulnerabilidade. O programa é executado pelo Instituto de Desenvolvimento Local, então Fundo de Apoio Social (FAS) e, está avaliado em USD: 420 milhões, dos quais, USD: 320 milhões são financiados pelo Banco Mundial e os USD: 100 milhões provêm do Tesouro Nacional (Fundo Soberano Angolano).


Os projectos de CID são, de facto, um factor determinante para o progresso, capazes de proporcionar um desenvolvimento sustentável das comunidades locais. Todavia, no dia-a-dia, é notório no terreno, bem como ouve-se, por parte da sociedade e actores políticos, discursos que apontam para o fracasso de vários projectos que são implementados no País. A falência desses projectos implica de per si o atraso na resolução dos problemas sociais e do desenvolvimento das comunidades a nível do País, onde, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), apresentados em 2020, o estado da pobreza em Angola, aumentou para mais de 40%, ou seja, mais de 40 em cada 100 angolanos vivem abaixo da linha da pobreza e mais de 30% da força activa está no desemprego.


Outrossim, a exiguidade ou falta de serviços básicos nas comunidades locais, tem levado muitas pessoas a abandonarem as suas zonas de origem para o centro das cidades, com maior concentração para a capital do país, Luanda, em busca de melhores condições de sobrevivência. Esse êxodo rural não acontece por mera vontade das pessoas quererem abandonar as suas zonas de origem para as cidades urbanas. A escolha é motivada pelo facto de as cidades urbanas receberem uma maior concentração de projectos que proporcionam aos seus habitantes os serviços básicos necessários e até mesmo uma maior facilidade de encontrarem um trabalho ou emprego.


Essa realidade, além de criar desequilíbrio no desenvolvimento das comunidades, também acaba, por um lado, a afunilar o centro das cidades com muito mais gente acima das suas capacidades de acolhimento. E por outro lado, advoga a necessidade urgente de se implementar e descentralizar os serviços através de aplicação, nas comunidades, de projectos sustentáveis com vista a se dar respostas aos problemas que assolam as populações.


Afinal o que deve ser feito para que os projectos de cooperação internacional sejam efectivamente um factor de desenvolvimento sustentável nas comunidades locais em Angola?


De acordo com o que se observou ao longo da abordagem, deixamos a seguir algumas pistas sobre o que deve constar num possível desenho do projecto de intervenção:

 Reformulação dos métodos aplicados actualmente na implementação de projectos;


 Realização de um diagnóstico nacional (auscultação directa às comunidades locais) com vista a se identificar com maior profundidade os principais problemas causadores da vulnerabilidade populacional e que impedem o desenvolvimento social e económico das comunidades;


 Definição de um plano estratégico para debelar o fracasso de muitos projectos aplicados;


 Elaboração de um plano operacional específico com vista a implementar os projectos de acordo com os dados e prioridades apontadas pelas comunidades.


 Reforço da fiscalização (por entidades nacionais e instituições financiadoras) para garantir o sucesso dos projectos antes, durante e depois da sua implementação.


Uma das estratégias de acção para materialização desta proposta de intervenção seria:

 Estudos de viabilidades periódicos ao nível nacional;


 Realização de encontros comunitários directos entre entidades governativas e comunidades locais;


 Realização de inquéritos segmentados para recolha de diferentes opiniões;


 Implementação de projectos específicos em função da realidade local para prevenir o desperdício de esforços e materiais.


 Maior fiscalização dos projectos implementados.


O País é, ainda, virgem do ponto de vista do desenvolvimento e oferece várias áreas sobre as quais os parceiros internacionais devem/iam actuar no financiamento dos projectos públicos ou privados. É preciso que essas áreas sejam exploradas para se evitar a concentração de esforços onde mais de um parceiro internacional financia projectos ligados ao mesmo sector. A ideia é dividir as tarefas actuando em frentes distintas, mas em busca de resultados conjuntos: o desenvolvimento das comunidades locais e do País em geral. A prioridade deve ser com os projectos sustentáveis em detrimento de projectos assistencialistas. Pois, os primeiros são duradouros; os segundos são temporários e colocam as comunidades numa posição de mendigos e improdutivos permanentes que só esperam por uma mão para satisfação das suas necessidades.


Ps: Não existem ideias acabadas que não possam merecer uma observação contrária. Por esta razão, o caro leitor tem o direito de pensar diferente sobre esta abordagem.

Deus no comando, Jesus nas pilhas e os Ancestrais na vanguarda.

Haja paz e que Deus abençoe Angola e os angolanos!


Henriques Depende - Escritor e Mestre em Projectos de Cooperação Internacional


Fontes Consultadas
Estender, A. & Pitta, T. (2008). O conceito do desenvolvimento sustentável. Revista Terceiro Sector, 2 (1), 22-28. http://revistas.ung.br/index.php/3setor/article/viewFile/399/484.
Ferreira, P. M. (Abril de 2015). Cooperação para o Desenvolvimento. Instituto Camões. https://www.instituto-camoes.pt/images/cooperacao/aed_ficha_coop_desenvolv.pdf.
Instituto Nacional de Estatística. (Julho, 2020). Relatório de Pobreza Multidimensional de Angola.
Ministério da Finanças. (Abril, 2020). Relatório de desempenho da carteira de projectos das instituições multilaterais, 1º trimestre 2020. https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/mje1/~edisp/minfin1215815.pdf.