Luanda - Os argumentos do Governo para defender a Divisão Político-Administrativa (DPA) servem de combustível para os seus críticos. Felizmente, aumentamos a maturidade política e todos percebem que nem o Governo nem os que se opõem à DPA possuem uma bola de cristal para adivinhar o que vai ou não funcionar.

Fonte: JA

Os argumentos dos críticos, tal como os do Governo estão tomados por crenças e descrenças, expectativas e desconfianças, quando a DPA é muito mais do que isso. Mais do que uma discussão entre os que acreditam e que não acreditam, a DPA afigura-se como uma solução técnica. Uma maior municipalização do país implica um salto de 164 para 325 municípios e isso quer dizer que, para metade da população do país, os serviços públicos como a saúde, educação, administração pública e polícia vão ficar mais próximos. Tecnicamente é uma medida que baixa o número de beneficiários desses serviços per capita. Nenhuma das principais críticas feitas à DPA rebate ou desvaloriza o aumento do número de municípios como estratégia de aproximação dos serviços públicos aos beneficiários.

 

Como é hábito na nossa sociedade, algumas vozes críticas são-no apenas porque não acreditam em nada que o Governo defenda. Se as mesmas propostas da DPA fossem apresentadas por outros protagonistas, eles estariam na primeira linha a aplaudir. Outros colocam legitimamente dúvidas e estão no seu direito de não acreditar numa mudança efectiva, sobretudo porque o Governo não fornece dados, respostas aos questionamentos dos cidadãos, nem argumentos consistentes e tecnicamente fundamentados sobre o impacto da DPA na vida dos angolanos.

Em vez do Governo cair na armadilha de alimentar a discussão do "Eu acho” sobre a DPA, deveria apresentar um plano de implementação estruturado e tecnicamente bem sustentado. A primeira questão é sobre que serviços mínimos são indispensáveis e vão acompanhar a instalação dos 161 municípios, em quanto ficará orçado e donde virá esse dinheiro. Em nosso entender, cada nova administração teria de ter, no mínimo, uma administração municipal, uma esquadra de polícia, escolas do ensino básico e médio, um hospital municipal ou centros de saúde com essa categoria e uma estrada nacional de acesso ao município sede e/ou à cidade mais próxima. É esse plano (e não "o achismo”) que vai rebater as críticas de que se deveria dar prioridade à saúde, educação e transportes. Se cada um dos novos municípios tiver um centro de saúde ou hospital de terceiro nível, a DPA acaba por resolver também a crítica que vem sobretudo do Sindicato dos Médicos de que há uma excessiva concentração dos investimentos nos grandes hospitais, o que, por ausência de estabelecimentos de saúde de terceiro nível, empurra os doentes para os hospitais superiores.

O problema é donde virá o dinheiro? É importante o Governo esclarecer se teremos ou não o PIIM II e se as receitas para essa nova versão poderão vir novamente do Fundo Soberano e também dos valores apreendidos da luta contra a corrupção. Ora, se o PIIM II for convertido no plano de implementação da DPA, o Governo resolve a dúvida central dos valores para implementar a DPA como apresenta, na sequência da experiência da primeira versão do PIIM, uma listagem de obras e serviços públicos com cronologia de execução e orçamentos controlados.

Uma questão de suma importância é a estratégia dos recursos humanos. Não há dúvidas de que o Governo deveria recriar o sistema de formação da Administração Local do Estado, com uma nova instituição de formação de governadores provinciais, administradores municipais e funcionários da administração local. A extinção do IFAL (Instituto de Formação da Administração Local) e do INFORFIP (Instituto de Formação de Finanças Públicas) é um erro que importa corrigir com urgência, com a criação, de preferência no centro do país, de uma instituição que garanta a formação gratuita e obrigatória da administração local, mas também dos futuros funcionários autárquicos.

No plano político, a DPA deveria ser acompanhada de uma profunda reforma dos critérios de escolha e nomeação dos administradores municipais. O mérito é o único critério possível e ele pode ser valorizado através do preenchimento de vagas por concurso público, seguido de formação obrigatória. O sucesso da DPA depende inteiramente dessa reforma dos recursos humanos e dos critérios de nomeação - dos administradores municipais. Se se mantiver o poder discricionário dos governadores provinciais de nomear e exonerar administradores municipais (o que para nós deveria ser alterado), essa escolha deverá estar condicionada a uma base de dados onde deverão constar por classificação quantitativa os cidadãos aprovados em concurso público e nos cursos de formação de administradores. Com isso se iria reduzir consideravelmente a margem dos governadores para nomear os amigos, os primos dos primos ou o "bom militante” lá do partido.

O Governo é chamado a apresentar a estratégia de recursos humanos e critérios para a escolha dos 325 administradores municipais e seus adjuntos.

Não sendo o próprio Governo capaz de explicar o bem-intencionado da sua proposta de DPA, é normal que em determinados círculos não haja nenhum interesse em dar o benefício da dúvida. Com a maioria parlamentar que possui, a DPA será uma realidade em 2025.

O Governo continua erradamente a insistir no argumento de que a DPA nada tem a ver com as autarquias. É obvio que os processos estão relacionados e, se um não condiciona o outro, influencia grandemente. Em teoria, a administração local pode coabitar com as autarquias, mas é exactamente aqui que radica o braço de ferro (que em ambos os casos roça os limites da birra política, diga-se) entre a UNITA e o MPLA sobre o gradualismo ou a implementação integral nos 164 municípios.

Com 325 municípios, se se mantiver a ideia de uma implementação integral, o cenário eleitoral muda completamente. Ao mesmo tempo que os grandes municípios urbanos se fragmentam, regista-se um grande crescimento dos municípios rurais, com a elevação de comunas. Tanto a fragmentação de grandes municípios urbanos como Luanda, Viana e outros, como o crescimento exponencial dos pequenos municípios de feição rural, favorece claramente o partido que tiver maior penetração rural e maior capacidade de mobilização das populações mais distantes das grandes cidades.

Altera-se todo o cenário e todas as perspectivas eleitorais que se colocavam aquando do início do debate do pacote autárquico na Assembleia Nacional. Em coerência, realizar eleições autárquicas em 325 municípios, na grande maioria sem sequer experiência de administração local, é uma completa loucura, mas os nossos partidos políticos têm muito mais propensão a lutar até à exaustão para ganhar o braço de ferro entre eles do que a buscarem soluções razoáveis e flexíveis no interesse dos cidadãos e do país.

Estamos em crer que tão logo seja aprovada a DPA no Parlamento, o pacote autárquico vai conhecer novidades. Sem que haja mais qualquer diferença de interpretação da CRA nesta matéria, a DPA é o factor determinante para a solução do problema autárquico. E não ficaríamos nada surpreendidos, se no braço de ferro partidário, os argumentos agora se invertessem. Na política angolana, tudo é possível.