Luanda - Angola, República Democrática do Congo e Zâmbia querem revitalizar antiga rota comercial da era colonial. UE e EUA apoiam ambiciosos planos para aumentar os recursos energéticos verdes e enfrentar o domínio chinês.

Fonte: DW

A fila de camiões estende-se por mais dez quilómetros em Kasumbalesa, na fronteira entre a República Democrática do Congo (RDC) e a Zâmbia. Os reboques dos veículos estão cobertos com lonas para proteger a preciosa carga: placas de cobre e sacos de cobalto.

 

Preso nos engarrafamentos de trânsito, Tito Mandela, que trabalha para uma empresa sul-africana, desligou o motor do seu camião enquanto espera para seguir viagem.

 

"Hoje, só andámos 500 metros. Nem sequer percorremos um quilómetro", queixa-se o motorista de 52 anos. "E agora que o dia está quase a acabar, ainda nem sequer chegámos à fronteira. Temos mesmo de chegar à alfândega hoje. Mas não sei se vamos conseguir", desabafa.

Longas viagens em busca de metais preciosos

 

Depois de atravessar finalmente a fronteira com a Zâmbia, o camionista ainda tem uma longa viagem pela frente. Tem de transportar a preciosa carga até ao porto de Durban, no Oceano Índico.

 

É aqui que a viagem continua, mas não para Tito Mandela. O minério vai ser carregado em navios com destino à Ásia - especialmente rumo à China.

 

O camionista Tito Mandela tem de conduzir das minas da RDC até Durban, na África do Sul O camionista Tito Mandela tem de conduzir das minas da RDC até Durban, na África do Sul.

A apetência por vários minérios no mercado da transição energética está a aumentar. Só a RDC extrai mais de dois terços da produção mundial de cobalto, um componente necessário em muitos produtos eletrónicos modernos, especialmente no fabrico de baterias para veículos elétricos.

 

Mas a carga que o camião de Tito Mandela transporta ainda tem um longo caminho pela frente. Uma viagem muitas vezes atrasada por filas de mais de 50 quilómetros na fronteira. "O pior que já vi foram 30, 40, 50 quilómetros de engarrafamento. Pode demorar uma ou duas semanas a atravessar a fronteira. É uma loucura!", conta o camionista.

 

Os proprietários das grandes empresas partilham a frustração de Mandela e estão agora a explorar a ideia de recorrer a uma rota alternativa para ligar a Faixa do Cobre africana ao resto do mundo.

 

Este plano envolve uma cidade portuária angolana, outrora ponto estratégico do comércio transatlântico, que também dá nome ao corredor comercial: Lobito.

 

Números claros e simples

Em outubro de 2023, os Estados Unidos e a União Europeia (UE) aprovaram uma declaração conunta para apoiar os esforços de revitalização e reforço do corredor do Lobito, ajudando, por exemlo, a encontrar investidores para o projeto - que custará mais de mil milhões de dólares (cerca de mil milhões de euros), segundo cálculos do Governo americano.

Para Washington e Bruxelas, ligar a Faixa do Cobre ao Oceano Atlântico é também uma jogada geopolítica na sua corrida contra Pequim. A China domina atualmente o mercado das cadeias de abastecimento estratégicas para a transição energética.

A RDC tem grandes expectativas em relação a esta nova parceria. "Isto pode impulsionar o nosso crescimento económico", disse à DW Roger Te-Biasu, coordenador da CEPCOR, uma agência governamental sob a tutela do Ministério dos Transportes congolês. "Comparado com outras vias de transporte na região, o Corredor do Lobito é o melhor", diz.

A análise das distâncias mostra porque: da capital mineira de Kolwezi, na RDC, até ao Lobito, em Angola, a distância é de 1.600 quilómetros - metade da distância até Durban, na África do Sul.

Roger Te-Biasu, coordenador da CEPCOR, tem grandes expectativas relativamente ao corredor ferroviário do LobitoRoger Te-Biasu, coordenador da CEPCOR, tem grandes expectativas relativamente ao corredor ferroviário do Lobito
Roger Te-Biasu tem grandes expectativas relativamente ao Corredor do LobitoFoto: Jonas Gerding/DW
O caminho de ferro vence a estrada

Para além das distâncias mais curtas, o facto de o Corredor do Lobito ser uma ligação ferroviária também contribui para o entusiasmo em torno do projeto. O transporte de carga sobre carris é muito mais amigo do ambiente.

E há ainda outra vantagem: não foi abatida uma única árvore para a construção da nova linha ferroviária, uma vez que os comboios vão circular numa artéria histórica que já existe, embora precise de grandes trabalhos de renovação.

A Bélgica e Portugal construíram a linha de caminho de ferro entre 1902 e 1929, para exportar cobre para a Europa. Mas durante a guerra civil que se seguiu à independência de Angola em 1975, a via de transporte entrou em colapso.

Agora está a ser reativada. "Já está tudo pronto do lado angolano", disse Te-Biasu à DW. "Os 1.348 quilómetros de linha férrea entre Lobito e Luao já estão construídos. As estradas de acompanhamento já existem, tal como o Aeroporto Internacional do Lobito, o terminal de embarque de minério e o porto."

No entanto, na cidade mineira congolesa de Kolwezi, as infraestruturas ainda não estão tão avançadas. Junto aos carris, os jovens jogam basquetebol e o terminal da estação parece um museu de arquitetura colonial.

Segundo Te-Biasu, o "verdadeiro estrangulamento" do Corredor do Lobito está do lado congolês. "O estado dos caminhos-de-ferro desse lado deixa muito a desejar. O Governo congolês continua a não investir", acrescenta.

As filas de espera são um incómodo frequente para os camionistas e um fator de custo para os exportadoresAs filas de espera são um incómodo frequente para os camionistas e um fator de custo para os exportadores
As filas de espera são um incómodo frequente para os camionistas e um fator de custo para os exportadoresFoto: Jonas Gerding/DW
Investir e intervir

Entretanto, foi finalmente encontrado um operador para o corredor. Um consórcio liderado pela Trafigura, empresa suíça de comércio de mercadorias, assegurou os direitos de utilização por mais de 30 anos, sob o nome de "Lobito Atlantic Railway".

O consórcio planeia investir cerca de 500 milhões de dólares em locomotivas, carruagens e infraestruturas adicionais.

Até 2035, o consórcio espera que as importações e exportações através da linha ascendam a três mil milhões de toneladas de mercadorias.

E também é suposto ser mais rápido, devendo o transporte demorar apenas oito dias. Atualmente, um camião para chegar até Durban passa quase um mês na estrada.

Acesso chinês ao Atlântico

Segundo a Trafigura, o consórcio não permitirá o desenvolvimento de um monopólio no Corredor do Lobito. Isto significa, no entanto, que os operadores chineses de minas poderão também utilizar a ligação ferroviária para exportar através do Lobito.

Christian Geraud Neema, analista do China Global South Project - uma organização sem fins lucrativos dedicada a analisar o engajamento da China em África - acredita que os operadores chineses vão fazer isso mesmo. "Olhando para as implicações económicas a longo prazo, até o simples acesso ao mar abrirá uma oportunidade para as empresas chinesas", disse à DW.

Os navios do Lobito para a China ainda teriam de circum-navegar a África Austral, mas, ainda assim, a opção ferroviária seria mais barata do que a incómoda rota por camião.

Corredor do Lobito: A bandeira na relação entre Angola e EUA

 

Foi por isso que o grupo China Railways investiu mais de mil milhões de dólares nas linhas ferroviárias de Angola.

"Se olharmos para o mapa, podemos encontrar muitos projetos mineiros chineses na RDC e na Zâmbia", acrescenta Neema Christian. A presença de empresas ocidentais, como a mineira suíça Glencore, é ainda uma exceção, mas pode vir a aumentar no futuro.

Atualmente, a maioria das minas da RDC vende os seus minérios à China, onde em 2022 foram processados mais de três quartos da produção mundial de cobalto.

De acordo com Neema, é aqui que a Europa e os EUA podem apresentar uma oferta diferente a África e obter mais influência e apoio. "Talvez devessem apoiar a RDC a processar localmente os minérios", afirma.

É este o objetivo final da Zâmbia e da RDC. Atualmente, os dois países estão a realizar uma análise de viabilidade para instalar uma fábrica-piloto conjunta de precursores de baterias.

Nesta nova corrida aos recursos de África, o apoio ao valor acrescentado local poderá tornar-se o próximo campo de competição entre as superpotências mundiais.