Luanda - Minha tia, aos 104 anos, conseguia lembrar-se de números de telefone de vários continentes. Sua mente era um tesouro de história, pintando sem esforço quadros de cidades transformadas ao longo de décadas. No entanto, com a eleição americana se aproximando, sussurros sobre a memória do presidente Biden e críticas semelhantes a Donald Trump levantam uma questão curiosa: uma boa memória é realmente a marca de um grande líder?

Fonte: Club-k.net

O sucesso muitas vezes floresce além dos limites da memória. Numa era repleta de ferramentas e muletas digitais, a recordação excepcional pode estar superestimada. O indivíduo que conheci, meticulosamente preservando cada e-mail desde 2004, confia fortemente em seu arquivo para a lembrança, não na memória pura. A tecnologia ainda complica a equação. Calendários e dispositivos armazenam vastas quantidades de informações, prontamente acessíveis na ponta dos dedos. O que antes era um feito de agilidade mental - cálculos complexos, por exemplo - agora é tratado com facilidade por calculadoras e IA.


No entanto, em meio a esses avanços, a disciplina e a organização permanecem vitais. Os líderes precisam de uma equipe bem organizada e da capacidade de aproveitar a informação de forma eficaz. Saber onde procurar e como usar a informação é o que diferencia os líderes verdadeiramente eficazes.


Em última análise, o sucesso de um presidente transcende a memória ou as habilidades técnicas. Depende da capacidade de inspirar, de reunir indivíduos em torno de uma visão compartilhada. Exige determinação firme e a capacidade de atingir objetivos, não apenas lembrá-los. Empatia e conduta ética, priorizando o que é certo, são pedras angulares da verdadeira liderança.


A história oferece exemplos como Franco, o ditador espanhol que usou sua memória fenomenal para manipular e controlar. Sua história nos lembra que mesmo a memória excepcional, desprovida de um propósito superior, pode ser uma arma perigosa.


Em 1981, quando eu tinha 15 anos, Ronald Reagan assumiu o cargo, despertando meu interesse em ler jornais. Lembro-me claramente das pessoas expressando preocupações sobre sua idade; na época, ele tinha 69 anos e deixaria o cargo aos 77 anos em 1989. Se essas preocupações foram alimentadas pela mídia, pela internet ou por comentários instantâneos, permanece incerto. No entanto, acompanhei diligentemente as eleições americanas visitando o Centro Cultural Americano na Cairo Road em Lusaka. Lá, eles apresentavam um boletim diário de uma hora com Peter Jennings do noticiário americano, e muitas pessoas se reuniam para se manter atualizadas sobre os eventos nos Estados Unidos.


Dentro do Centro Cultural, uma biblioteca abrigava vários jornais americanos. Essas publicações cobriam extensivamente as eleições americanas em curso, mas as preocupações com a memória estavam praticamente ausentes. Reagan era amplamente considerado um grande comunicador, capaz de se conectar instantaneamente com o povo. Essa qualidade foi evidente em líderes subsequentes como Barack Obama e, até certo ponto, até mesmo Donald Trump. Portanto, historicamente, a memória de um líder não foi o único indicador de sua eficácia na política americana.


Julgar líderes apenas por capacidades individuais como a memória cria uma lente estreita e potencialmente enganosa. Fomenta a ilusão de um líder sobre-humano e onisciente, o que raramente reflete a realidade. Margaret Thatcher, a ex-primeira-ministra britânica, demonstrou uma memória excepcional e meticulosa atenção aos detalhes, mas sua liderança foi finalmente minada pela falta de espírito colaborativo, levando à rebelião interna e sua queda.


Focar apenas nas qualidades de uma pessoa negligencia o poder da inteligência coletiva e do trabalho em equipe. Isso pode inflar o senso de auto-importância do líder, dificultando a criatividade e a tomada de decisões sólidas.


À medida que americanos e o mundo analisam líderes potenciais, vamos olhar além do superficial. Vamos buscar aqueles que podem inspirar, organizar e liderar com propósito, não apenas aqueles com os bancos de memória mais impressionantes. Para a verdadeira liderança, trata-se do coração e da mente, não apenas da capacidade de recordar o passado.