Luanda - O presente artigo de opinião faz parte de uma série de quatro artigos sobre o continente africano, estruturado em quatro eixos de abordagem que são: política, económica, social e de segurança. Para este em concreto, a abordagem reservada é da dimensão política.

Fonte: JA

O ano de 2023 ficou marcado por vários acontecimentos de diversa ordem, quer político, económico, cultural, social e quer de segurança, que tiveram impacto ao nível das Relações Internacionais Africana e para o Sistema Internacional, que com certeza muito destes acontecimentos continuarão a dominar a pauta da política africana no ano de 2024.

É impossível, numa das partes da série de quatro artigos de opinião, abordar todos os assuntos ou todos os acontecimentos que pensamos que poderão dominar a pauta africana, e este apontamento é feito em função de um estudo de observação ou de análise dos fenómenos, da História e dos acontecimentos que não foram resolvidos em 2023, e que transcenderam para o ano de 2024, desta feita, como já foi feita referência acima, este primeiro capítulo abordar os assuntos ligados ao eixo político.

Um dos mais relevantes acontecimentos políticos para este ano, em África, diz respeito às eleições que estão previstas em 17 países da África subsaariana, incluindo os processos de transição do poder das juntas militares para os civis, como no Tchad, Burkina Faso e Mali, tendo em atenção que nestes Estados houve mudanças inconstitucionais de Governo e o compromisso por parte dos Governos de transição que o ano de 2024, seriam realizadas eleições com objectivos de devolver o poder para Governos civis eleitos.

É quase ponto assente que muitas destas juntas militare irão engendrar manobras dilatórias para a manutenção do poder e inviabilizar a realização de eleições para este ano, ou outra manobra será a passagem de alguns militares para a vida civil, em muitos casos o Presidente de transição para legitimar a sua candidatura, e essa lição a História de África já nos brindou, a título de exemplo:

- No Burkina, Blaise Compaoré chegou ao poder em 1987 após liderar um golpe militar, e em 1991 concorre para legitimar o poder. Foi reeleito em 1998, 2005 e 2010. Ele governou Burkina Faso por 27 anos, até ser deposto em 2014 por uma revolta popular;

-Guiné-Equatorial, o Presidente Obiang Nguema Mbasogo chegou ao cargo após um golpe de Estado contra o seu tio, Francisco Macias Nguema, em 1979, no mesmo ano realizam-se eleições para legitimar o seu poder;

- Yoweri Museveni chegou ao poder em 1986, após longa luta de guerrilha, que levou ao derrube do então Presidente, Milton Obote, e foi eleito democraticamente ao cargo pela primeira vez em 1996.

Poderíamos citar vários exemplos nesta direcção, este exercício telegráfico e meramente histórico é para sustentar a reflexão que muitos líderes destas juntas militar irão seguir a mesma manobra política.

No caso do Tchad, o Presidente de transição Mahamat Déby Itno promulgou uma nova Constituição, tendo alterado o imperativo de idade mínima ao baixar para os 35 anos contra os 45 anos, este elemento demonstrou a intenção do mesmo concorrer, partido do pressuposto que nasceu em 4 de Abril de 1984, neste ano completará 40 anos, logo preenche o requisito da idade mínima para concorrer.

É ainda um mistério quem será o sucessor de Filipe Nyusi a frente da Frelimo e do destino do país, porque até à presente data o partido não discutiu este assunto e não se sabe que "truque de mágica” Nyusi irá utilizar para um provável terceiro mandato, tendo em atenção que à luz da Constituição não poderá concorrer ou quem, que poderá salvaguardar o seu "day after” na presidência, ele poderá apoiar enquanto candidato a sua sucessão.

A Guiné – Bissau continua a ser um país com problema de coabitação entre o Presidente e o Primeiro – Ministro e a relação do Chefe de Estado com a Assembleia. Na história política da Guiné – Bissau, o primeiro Presidente que terminou um mandato foi José Mário Vaz, mas a meio de muitas turbulências, nomeou mais de 7 Primeiros-Ministros durante o mandato.

O acto de investidura do Presidente Umaro Sissoco Embaló decorreu em situação fora do ritual normal de cerimónia de investidura, por diversas razões; primeiro ainda existia um contencioso eleitoral ao nível do Tribunal; e segundo, talvez menos relevante, decorreu numa das salas de uma unidade hoteleira. Neste momento, o país enfrenta uma crise política pelo facto de o Presidente ter dissolvido o Parlamento ao arrepio da Constituição que foi grosseiramente violado, tendo em atenção que o artigo 94, alínea 1, da Constituição do país prevê que o Presidente da Guiné-Bissau não pode dissolver o parlamento faltando 12 meses para terminar o seu mandato.

Os processos eleitorais em África por norma são marcados por crises, que podem decorrer na fase pré-eleitoral, eleitoral e pós–eleitoral, atendendo os vários acontecimentos que decorrem nesta época, daí Achille Mbembe defender que "os ciclos eleitorais em África são sinónimos de ciclos sangrentos”.

Estes processos deveriam constituir-se numa nova página na consolidação da jovem democracia em África, e não deve ser apenas a execução de um ritual de escolha de pessoas como igualmente um escrutínio de programas de governação visando à resolução dos problemas do povo. Neste sentido, as eleições devem constituir momentos de aperfeiçoamento e de fortalecimento nacional (adaptado do prefácio de Onofre dos Santos, no livro As Eleições em Angola de 1992 até aos nossos dias, de autoria de Osvaldo Mboco).

(Continuação da parte política no próximo artigo)

 

*Professor de Relações internacionais e mestre em Gestão e Governação Pública, na especialidade de Políticas Públicas.