Luanda - A dramática situação que se viveu em Angola nos últimos anos da I República teve o feliz desfecho do fim da guerra que opunha o Governo e a UNITA, assinalado pelos Acordos de Paz de Bicesse, assinados em Lisboa a 31 de maio de 1991, entre José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi. Este foi o fruto de uma longa negociação alcançada com o empenho de Portugal através de Aníbal Cavaco Silva e José Manuel Durão Barroso, então, respetivamente, Primeiro-Ministro e Secretário de Estado da Cooperação, para além do acompanhamento dos Estados Unidos da América e da Rússia.

Fonte: Club-k.net

Mas os Acordos de Bicesse não foram apenas o estabelecimento do fim das hostilidades, mas sobretudo o lançamento em novas bases de um Estado de Direito Democrático, com o abandono dos aspetos matriciais anteriores de inspiração socialista.


Essa mudança de rumo em Angola não podia ainda alhear-se da nova conjuntura internacional decorrente da queda do Muro de Berlim em 1989 e da posterior implosão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, desaparecendo uma boa parte do bloco comunista e da sua ideologia marxista-leninista. A transição democrática e constitucional que Angola viveu a partir deste tempo assentou em diversos momentos constituintes que, no seu conjunto, deram origem a uma nova ordem constitucional tributária do paradigma do Estado de Direito Democrático.
O primeiro desses momentos, ocorrido antes da assinatura dos Acordos de Bicesse, foi o da aprovação pela Assembleia do Povo, ainda monopartidariamente composta pelo MPLA, da Lei no 12/91, de 6 de maio, supostamente de revisão à LCRPA1975 e intitulada “lei de revisão constitucional”.


O texto aprovado por esta Lei de Revisão Constitucional no 12/91 seguiu no fundamental a sistematização estabelecida na LCRPA1975, com os seguintes títulos, num total de 100 artigos: Título I – Princípios Fundamentais; Título II – Direitos e Deveres Fundamentais; Título III – Dos Órgãos do Estado: Capítulo I – Princípios, Capítulo II – Presidente da República, Capítulo III – Assembleia do Povo, Capítulo IV – Comissão Permanente da Assembleia do Povo, Capítulo V – Governo, Capítulo VI – Órgãos Locais do Estado, Capítulo VII – Da Justiça; Título IV – Defesa Nacional; Título V – Símbolos da República Popular de Angola; Título VI – Disposições Finais e Transitórias.

Simplesmente, qualquer semelhança entre a Lei no 12/91 e a LCRPA1975 era apenas meramente formal, dado o facto de terem sido introduzidas alterações estruturais na ordem constitucional pré-existente, mudando-lhe radicalmente a identidade, pela consagração de um Estado de Direito Democrático, o que podia comprovar-se pelos seguintes elementos: a abolição à referência ao papel do MPLA como partido único de vanguarda e à construção da sociedade socialista: “A República Popular de Angola é um Estado democrático de Direito que tem como fundamentos a unidade nacional, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo de expressão e organização política e o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo, quer como membro de grupos sociais organizados” (Art. 2o da LCRPA1991); a alusão ao pluripartidarismo e ao sufrágio direto e universal na escolha dos titulares dos órgãos políticos: “O povo angolano exerce o poder político através do sufrágio universal periódico para a escolha dos seus representantes, através do referendo e por outras formas de participação democrática dos cidadãos na vida da Nação” (Art. 3o, segunda parte, da LCRPA1991); o reconhecimento do pluralismo de setores de propriedade, contra o anterior predomínio da propriedade socialista ou da planificação económica: “O sistema económico assenta na coexistência de diversos tipos de propriedade, pública, privada, mista, cooperativa e familiar, gozando todos de igual proteção. O Estado estimula a participação, no processo económico, de todos os agentes e de todas as formas de propriedade, criando as condições para o seu funcionamento eficaz no interesse do desenvolvimento económico nacional e da satisfação das necessidades dos cidadãos” (Art. 10o da LCRPA1991).


Isso mesmo era admitido pelo próprio preâmbulo da Lei no 12/91, no qual se afirmava que os “Os principais objetivos da presente revisão visam fundamentalmente, por um lado, consagrar o pluripartidarismo e a despartidarização das Forças Armadas e, por outro lado, dar dignidade constitucional às importantes transformações que têm vindo a ser introduzidas na área económica através da legislação aprovada nos últimos anos” (6odo preâmbulo da Lei no 12/91, de 6 de maio).


O mesmo preâmbulo, logo a seguir, em seu 7o, desenhava o novo modelo constitucional a adotar: Com a presente revisão da Lei Constitucional pretende-se assim criar a abertura democrática que permita ampliar a participação organizada de todos os cidadãos na vida política nacional e na direcção do Estado, ampliar o reconhecimento e proteção dos direitos, liberdades e deveres fundamentais dos cidadãos no âmbito de uma sociedade democrática, assim como consagrar constitucionalmente os princípios da reforma económica em curso, nomeadamente, aqueles que visam estimular a iniciativa e a proteção da actividade de todos os agentes económicos.


Em associação a este novo texto constitucional, foram aprovados outros importantes diplomas legais, materialmente constitucionais e complementares da nova ideia de Direito estabelecida:

1. 2. 3. 4. 5. 6.
Há um fase de
1. 2. 3. 4.
Lei da Nacionalidade: Lei no 13/91, de 11 de maio;
Lei das Associações: Lei no 14/91, de 11 de maio;
Lei dos Partidos Políticos: Lei no 15/91, de 11 de maio;
Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação: Lei no 16/91, 11 de maio;
Lei sobre o Estado de Sítio e o Estado de Emergência: Lei no 17/91, 11 de maio; Lei de Imprensa: Lei no 22/91, de 15 de junho; Lei da Greve: Lei no 23/91, de 15 de junho.


segundo conjunto de legislação, aprovado em 1992, que igualmente integra esta transição: Lei Eleitoral:


Lei no 5/92, de 16 de abril; Lei sobre a Observação Internacional: Lei no 6/92, de 16 de abril;

Lei sobre o Conselho Nacional da Comunicação Social: Lei no 7/92, de 16 de abril;
Lei sobre o Direito de Antena e o Direito de Resposta e Réplica Política dos Partidos Políticos: Lei no 8/92, de 16 de abril;
Lei reguladora do Exercício da Atividade de Radiodifusão: Lei no 9/92, de 16 de abril.


Assim se completou um novo quadro jurídico, constitucional e legal, absolutamente diverso daquele que caracterizou a I República em Angola, no começo de um novo período. Ainda que se reivindicando desse nome, naturalmente que a Lei no 12/91 não foi uma mera lei de revisão constitucional, mas um verdadeiro novo texto constitucional, exprimindo um novo poder constituinte que posteriormente desabrocharia em várias vagas.

 

Não sendo porventura um texto perfeito ou até tecnicamente suficiente, a Lei no 12/91 indubitavelmente que cumpriu a missão histórica de estabelecer as bases jurídico- constitucionais que permitiram o início seguro da transição democrático-constitucional.


Daí a justificação para que tenha uma designação autónoma de Lei Constitucional da República Popular de Angola de 1991, na medida em que representou uma Constituição “intercalar” perante aquilo que aconteceria no ano seguinte.


No próximo artigo darei sequencia sobre o constitucionalismo Angolano abordando sobre A Lei Constitucional da República de Angola de 1992 e as suas revisões (1992-2010)


Nguinaldo Alberto – Analista e acadêmico