Luanda - Certos sectores da sociedade civil angolana e dos partidos da oposição defendem insistentemente que o Presidente angolano deveria ser eleito directamente, deixando de ser eleito nas condições previstas actualmente na CRA de 2010. Ou seja, na qualidade de cabeça de lista dentro de uma lista partidária. Defendendo-se, desde modo, a modalidade de 1992, onde o Presidente era eleito directamente. Para abordar essa temática, simples na sua colocação e complexa na concretização efectiva, parece-nos ser importante esmiuçar esse assunto em mais do que um texto, face à complexidade do mesmo.

Fonte: Jornal Economico

Partindo, desde logo, de três proposições essenciais: i) a eleição do Presidente da República não define a natureza de um sistema de governo, porquanto existem presidentes eleitos no sistema parlamentar (Itália) e semi-presidencialista (França, Portugal e Moçambique); ii) a eleição directa do presidente não está associada aos seus poderes, visto que, por exemplo, o presidente sul-africano não é eleito directamente e, ainda assim, tem mais poderes do que o Presidente português, que é eleito directamente; e iii) a eleição ou não eleição directa ou indirecta do presidente não coloca em causa a sua legitimidade política para governar, visto que os chefes de governo dos sistemas parlamentares e semipresidencialistas não são eleitos, mas, sim, nomeados. No entanto, têm a sua legitimidade política assegurada e respeitada.


Essas três proposições relacionadas com a forma de (e o impacto na) eleição de um Presidente dentro de um sistema político demonstram que colocar a tónica na eleição directa do Presidente acaba por ser instrinsecamente insuficiente. Esta alteração pode não gerar uma modificação do sistema de governo, porque eleger directamente o presidente não significa manter os seus respectivos poderes, podendo ser estes ser esvaziados pelos partidos.

Uma alteração na forma de eleição do presidente angolano impactará no funcionamento do sistema de governo e de partido, porquanto os sistemas de governo, eleitoral e partidário são subsistemas do sistema político. Esperam-se, pois, possíveis trade-off nas escolhas político-institucionais, como a da impossibilidade técnica-política de combinar a máxima democraticidade com a máxima governabilidade. Quando se maximizam, por exemplo, as variáveis da democraticidade, reduzem-se, automaticamente, as da governabilidade. O contrário também sucede.

Por exemplo, eleger directamente um presidente possibilitaria a candidatura de independentes que passariam a ter o direito a concorrer às eleições, o que ampliaria o direito à participação política e, por consequência, provocaria a existência de um sistema político, talvez, mais democrático, no qual os cidadãos angolanos com a capacidade política activa possuiriam o direito de escolher os seus candidatos preferidos.

Quais seriam os impactos para a governabilidade, se um candidato independente vencesse? Procuraremos responder a esta e a outras perguntas nos próximos textos que dedicaremos ao tema.

 

*Sérgio Manuel Dundão, Investigador, autor da obra “Sistema Eleitoral Angolano e Eleições em Contexto de Pós-Guerra: Um Estudo das eleições de 2008, 2012 e 2017”