Luanda - No começo da semana, o grupo de trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias ordenou a libertação imediata e uma compensação do empresário luso-angolano Carlos São Vicente por considerar que a sua detenção foi arbitrária. São Vicente, genro de Agostinho Neto, o primeiro Presidente de Angola, foi detido em 2020 e entretanto condenado em 2022 a 9 anos de prisão efectiva, por peculato, branqueamento de capital e fraude fiscal.

Fonte: RFI

Segundo o parecer definitivo do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias que mantém as conclusões da sua versão preliminar datada do final do ano passado, a detenção de Carlos São Vicente violou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

 

Neste documento de 16 páginas, os peritos denunciam designadamente as condições de uma detenção injustificadamente prolongada, a violação do direito a um julgamento independente e imparcial, a violação da presunção de inocência e a negação dos direitos de defesa.

 

Neste sentido, a ONU pede às autoridades angolanas a “libertação imediata” e à compensação de Carlos São Vicente, bem como a uma investigação imparcial sobre as condições em que o empresário foi julgado.

 

A defesa de Carlos São Vicente que foi quem recorreu junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Março de 2021, seis meses depois da sua detenção, qualificou o parecer da ONU de “decisão corajosa" que "representa um ponto de viragem decisivo” que pode fazer com que decisões judiciais consideradas arbitrárias sejam “ilegais e passíveis de serem declaradas nulas e sem efeito”.


Esta não é contudo a interpretação de Salvador Freire, advogado e dirigente da associação "Mãos Livres" que diz não acreditar que Angola vai cumprir esta decisão por ela não ser vinculativa.

 

"Este parecer não é vinculativo porque Angola tem as suas próprias leis e ordenamento jurídico e o processo foi julgado num tribunal competente. Só quem tem competência de decidir é o próprio tribunal. Portanto, este parecer não vincula, não cria condições imediatas para a liberdade do São Vicente. Apenas fica como um registo das violações dos direitos dos cidadãos angolanos praticados pelo governo angolano", considera o advogado.

 

Questionado sobre o facto de certas vozes na sociedade civil terem acusado a ONU de parcialidade perante outras queixas de injustiças em Angola, o activista considera que estas críticas são justificadas. "A posição que tomou a ONU vem demonstrar claramente que há violações dos Direitos Humanos e a atitude das Nações Unidas não tem sido a mais forte para condenar o governo angolano. Agora surge o caso de Carlos São Vicente de entre muitos outros casos que acontecem no país sobre a violação dos direitos fundamentais dos cidadãos e a ONU nunca tomou uma decisão tão dura como agora", diz Salvador Freire para quem é preciso "alertar o governo angolano sobre a violação dos Direitos Humanos, não só contra o cidadão São Vicente como outros que tenham acontecido".

 

Apesar do carácter inédito do parecer da ONU relativamente ao caso São Vicente, isto não significa que ele venha a ser libertado, do ponto de vista de Salvador Freire.

 

"Tenho a plena certeza que ele não vai ser libertado porque não é uma decisão transitória, é um apelo que as Nações Unidas fazem para a liberdade de São Vicente, não é uma decisão que transitou em julgado. Tenho a plena certeza que o governo angolano vai invocar o seu território, vai invocar as leis angolanas, vai invocar a não-interferência dos Estados no seu território, da interferência política ou jurídica no país. O que deve acontecer é que deve haver mais organizações, não só as Nações Unidas, como organizações em que Angola é parceira para pressionar o governo angolano para mudar de posição em relação à questão dos Direitos Humanos", diz o activista.

 

Recorde-se que Carlos São Vicente, ex-dono da seguradora AAA foi detido em 2020 e condenado em 2022 a 9 anos de prisão e ao pagamento de uma indemnização de 500 milhões de Dólares, após ter sido considerado culpado da prática de crimes de peculato, branqueamento de capitais e fraude fiscal, através de um alegado desvio de 900 milhões de Dólares da petrolífera angolana Sonangol. Neste sentido, a justiça angolana ordenou na altura que fossem apreendidos os seus bens e que fossem também congeladas as suas contas bancárias.