Luanda - No ano de 1990, a pacata vila de Mavinga ficou famosa nacional e internacionalmente devido à Ofensiva Último Assalto, levada a cabo pelos combatentes das FAPLA – braço armado do MPLA. A ofensiva visava tomar de assalto Mavinga e, a partir daí, efectuar o assalto final à Jamba, capital das Terras Livres de Angola. Felizmente, não deu certo. Os bravos combatentes das FALA – braço armado da UNITA – combateram o bom combate e obrigaram as tropas de Luanda a baterem em retirada.

Fonte: Club-k.net

Para se assinalar a retumbante vitória, a direcção da UNITA organizou várias actividades políticas, culturais e recreativas. Foi nesse quadro que alguns estudantes do Liceu Nacional da Jamba, enquadrados na UREAL – União Revolucionária dos Estudantes da Angola Livre – foram convidados para testemunhar in-loco, em Mavinga, a boa-nova que era anunciada com pompa e circunstância pela Rádio Vorgan.

 

No dia da nossa partida, o mano Augusto Santos, na altura, vice-presidente da UREAL, conversou particularmente connosco, os mais novos do Detil: Lukamba Dachala, Du Pedro, Zinho Liahuka, Lino Uliengue, Dino Fausto e Gerson Prata. Ele sabia que éramos um pouco malandros, e uma palavrinha seria indispensável. Dissemos-lhe que ficasse descansado, nenhum de nós sairia da linha. Ansiosos, partimos para Mavinga, e lá fomos... Era a primeira vez que estaríamos em uma área propriamente de guerra. Foi o que aconteceu: pisamos em lugares em que, dias antes, apenas as tropas governamentais circulavam. Os vestígios frescos que encontrámos, inclusive o cheiro à pólvora e a cadáver, dava para perceber que naquela localidade houve combates extremamente violentos! Muito sangue foi derramado! Passámos a ter a verdadeira noção do significado de guerra. Por outro lado, surpreendeu-nos o árduo trabalho dos combatentes das FAPLA: eles construíram Acampamentos/B.T – Bases Temporárias – totalmente subterrâneos, em que as trincheiras interligavam os vários bunkers que serviam de Logística, Posto de Primeiros-socorros, Salas de Reuniões Operativas, etc. Uma dessas BT, presumia-se que fosse do destemido Comandante Sakayoya. Foi isso que nos revelou o soldado que andou connosco. Foi também esse mesmo soldado que nos contou alguns detalhes de certas operações realizadas durante os meses de guerra. Ao atingirmos a área do aeródromo de Mavinga, o soldado que nos servia de guia indicou para o lado esquerdo da pista e disse: uleti konele oko?! (estão a ver do outro lado da pista?) – os kayandokas (alcunha de FAPLA) tinham chegado até aí! Era daí por onde saíam durante as noites para acarretar água no rio kúbia. Quando fossem descobertos, lançava-se "very-ligth' para melhor os localizar, só depois, os “kamolã-kongwe” ou os morteiros-60 entravam em acção.

 

Eram várias histórias contadas. Talvez, algumas delas precisariam de confirmação da outra parte, para vermos se as peças encaixavam devidamente... Mas por aquilo que vi, com os meus próprios olhos, dá-me a liberdade de dizer que, dificilmente, os soldados que andaram na linha da frente inventam histórias. Quem inventa são aqueles que fizeram a guerra à distância, isto é, na retaguarda, ou os que se renderam. Quem viu os seus companheiros tombar, não mente nem inventa – pelo contrário – respeita o “inimigo”. Digo isto porque ouvi, repetidas vezes, da boca de alguns militares das FALA referências de respeito e admiração por determinados comandantes das FAPLA. Um dos nomes que mais se ouvia, em conversas sobre o Último Assalto, era o de Sakayoya. Tanto mais que, na Jamba, o músico e compositor José Pedro, do Agrupamento Musical do Centro Integral da Juventude, cantou sobre Sakayoya. A fama dele era tanta que, até hoje, eu gostaria de o conhecer pessoalmente. Se isto acontecer, quem sabe, contar-me-ia outras histórias e, se calhar, confirmaria que aquele Acampamento por onde passámos, há 34 anos, ao lado da Vila de Mavinga, era mesmo o dele!

Voltarei...

Luanda, 16 de Fevereiro de 2024.
Gerson Prata