Luanda - O ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Adão de Almeida, veio a público explicar didacticamente o “racional” subjacente à criação de 417 municípios em Angola, passando dos actuais 164 para 581.

Fonte: Club-k.net

A Nova Divisão Político-Administrativa

A matemática da transformação é simples: trata-se de extinguir as comunas e os distritos urbanos actuais (518 comunas e 44 distritos urbanos) e tornar a maior parte em municípios.

 

Portanto, a mudança é nominal – a divisão territorial já existe, apenas muda de nome. O artigo 1.o do projecto de Lei da Divisão Político-Administrativa determina que o território da República de Angola é constituído por 20 províncias e 581 municípios, mas omite por completo as comunas e os referidos distritos administrativos, ao contrário do que acontece com a presente Lei n.o 18/16, de 17 de Outubro, cujo artigo 1.o menciona a existência de 518 comunas e 44 distritos urbanos.


A Constituição permite este género de “canetadas”, pois no Título referente ao Poder Local apenas refere os municípios como autarquia imperativa (artigo 218.o, n.o 1), remetendo para a lei ordinária a criação ou não de autarquias inframunicipais, como sejam as comunas, os bairros ou outro nome que se lhes queira dar (artigo 218.o, n.o3). Portanto, em termos da forma constitucional e legal, os preceitos básicos parecem ser respeitados nesta proposta de lei.


O “racional” apresentado pelo ministro assenta na ideia de converter essas unidades (comunas e distritos urbanos) em centros próximos da prestação do serviço. Desse modo, segundo o governo, devem reflectir a lógica da alteração da divisão político- administrativa, em que as comunas e os distritos urbanos se tornam municípios. Segundo o ministro, tudo sugere e recomenda que tenhamos mais eficiência na gestão, mais capacidade de resolver os problemas dos cidadãos, que tenhamos maior proximidade entre os cidadãos e os governantes.


Depois de ouvir todo discurso bonito proferida pelo Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil Adão de Almeida, tenho de discordar veementemente da absurda concretização agora desenhada, segundo a qual o número de municípios aumenta 3,5 vezes. É evidente que se trata de uma opção caótica em termos políticos e ruinosa em termos financeiros.


Mais uma vez, parece-nos que a mesma “alfaiataria” jurídica que desenhou a Constituição está de novo a propor soluções que nada têm que ver com a realidade angolana, decalcando atabalhoadamente sistemas de outros países. Estamos agora perante uma espécie de réplica dos discursos municipalistas e concelhios portugueses introduzidos na historiografia lusitana por Alexandre Herculano no século XIX. De repente, parece que em Angola todos leram Herculano e se tornaram municipalistas, acreditando que o passado e o futuro do país estão no município.


Vejamos as razões impeditivas desta ilusão autárquica.


A ideia de transformar comunas em municípios parece uma magia surgida de uma mente brilhante, mas a realidade é que a comuna, como o próprio ministro Almeida reconhece, não tem os poderes, a experiência e o historial de trabalhar com as comunidades locais. Na verdade, as comunas não passam de linhas territoriais sem conteúdo, estrutura, pessoal técnico, etc. Mudar o nome das “comunas” para “municípios” não altera a realidade. O nome não faz a coisa, a coisa é que faz o nome. De nada vale mudar o nome se não se muda a estrutura.


As sucessivas gerações de dirigentes angolanos têm cometido e ainda cometem este erro: pensar que as “magias legais” substituem a competência. Não interessa fazer leis mais ou menos inteligentes, com mais ou menos proclamações de boas intenções, se na prática as soluções no terreno não funcionam. A grande aposta do governo deveria ser na competência e eficiência dos seus quadros e não em construções legais descabidas.


Ronald Reagan, um dos presidentes americanos mais bem-sucedidos das últimas décadas, dizia que a “política é o pessoal”, isto é, o que trazia verdadeiramente resultados positivos a uma política não era a conversa, mas as pessoas escolhidas para levar avante essa política, a sua capacidade e eficácia. É este o ponto que João Lourenço tarda em ver. Com pessoas que ao longo dos anos serviram a vários mestres, demonstraram ser incompetentes e não fizeram avançar o país, não há sucesso possível, só frustração em cadeia.


Será possível, de um momento para o outro, criar as estruturas físicas, os edifícios, os instrumentos técnicos e as estruturas humanas para estabelecer 417 municípios? Obviamente que não! Logo, seremos remetidos para o gradualismo do costume, com um plano para implementar os 417 municípios ao longo de décadas.
As inconstituicionalidade do regime mexe com alicerce da nossa democracia e automaticamente transmite uma visão de sufoco das instituições do Estado, algo que a luz da nossa constituição é condenavel e punivel com base no artigo 6o da Constituição (Supremacia da Constituição e Legalidade), estabelecendo que o Estado subordina-se a Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis. Ainda sobre a presente Constituição no seu art. 230o (Legalidade), estabelece as entidades que podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade as seguintes entidades: a)- O Presidente da República; b)- Um décimo dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções; c)- Os Grupos Parlamentares; d)- O Procurador-Geral da República; e)- O Provedor de Justiça; f)- A Ordem dos Advogados de Angola. Destas entidades apenas a Ordem dos Advogados de Angola trabalha no sentido de garantir a constituicionalidade de qualquer norma.


Em suma, a ideia de pôr fim a uma divisão político-administrativa subautárquica é perigosa do ponto de vista político e da integridade do território, e espanta que o MPLA, o único partido a governar Angola há 47 anos, proponha tal absurdo.

Nguinaldo Alberto – Analista e acadêmico