Luanda - Costumo recomendar a obra de Klaus Schwab, “Moldando a 4ª Revolução Industrial”, para pessoas interessadas em debater com alguma substância a questão da Inteligência Artificial nos nossos dias e como ela pode ajudar a tornar melhor a nossa vida ou a complicá-la, bem mais do que ela já é.

Fonte: JA

Isso a propósito de uma conversa animada que tive, semanas atrás, com dois estudantes de Jornalismo, para quem o surgimento de softwares ou programas de computador como ChatGPT e Chatbot, significava a morte anunciada do Jornalismo. De facto, a nova mania dos usuários da Internet (bem, já não é tão nova assim), veio facilitar e muito as coisas, principalmente na disponibilização de dados específicos sobre um universo cada vez maior e diversificado de fenómenos.

Ao simular conversações de texto ou de voz, com uma capacidade inumana de "ver”, escutar, processar dados e gerar respostas, traduzir idiomas e até fazer recomendações, essas ferramentas vieram dar ao computador uma capacidade superior a dos humanos, mas não ao ponto de os substituir. E o Jornalismo, que só os jornalistas fazem, aplicativo nenhum será capaz de lhe fazer a vez, por ene razões e mais algumas.

Aos meus amigos estudantes de Jornalismo, a quem peço permissão para essa espécie de prolongamento da nossa agradável conversa no sítio do meu amigo Santana, recomendo uma leitura de qualquer manual sério de Jornalismo, para chegarmos a uma conclusão: o Jornalismo é acima de tudo um exercício intelectual, cujo resultado, sempre que bem feito, é um produto cultural.

Temos hoje muitos jornais fazendo recurso à Inteligência Artificial. Em realidades diferentes da nossa actual, refiro-me ao universo mediático, tarefas ligadas ao planeamento editorial, atendimento ao público, como os classificados ou até apresentação do boletim meteorológico, já são reservadas aos chamados assistentes virtuais. Mesmo nas redacções, que são o coração de qualquer empresa jornalística, é possível o concurso destas engenhocas, porém em situações bem determinadas e ainda assim recomenda-se uma espreitadela, lá no finalzinho, como diria o inglês, just in case.

Hoje por hoje, é comum vermos o uso de assistentes virtuais de chatbot em ambientes business-to-consumer (B2C) e business-to-business (B2B) para lidar com aquelas tarefas consideradas simples. Existem de facto muitas vantagens e a primeira delas é a redução de custos e da margem de erro. Outra, não menos relevante, é o atendimento e disponibilização de serviços em períodos em que o pessoal normalmente está indisponível.

De volta ao tema, claro está que o Jornalismo não está na lista de profissões a prazo, pelo contrário.

E em linha com o que venho defendendo, Miguel Reis, advogado e docente do Instituto de Estudos Superiores em Portugal, considera o Jornalismo uma actividade de criação intelectual e cada peça jornalística, independentemente do género e do meio que lhe serve de veículo, será sempre um produto cultural que é dado a servir a terceiros, no caso, leitores, ouvintes ou telespectadores.

Mesmo a mera narração de factos, sublinha, por maior que seja o esforço do profissional no sentido de se manter dentro dos limites da objectividade e do rigor, o Jornalismo será sempre uma actividade intelectual e criativa do jornalista, que ao recorrer aos préstimos de um assistente virtual de chatbot torna ainda mais suculenta e aprazível a sua peça jornalística.

Supor uma substituição, pura e simples, é desconhecer em absoluto o bê-a-bâ do Jornalismo. Aliás, foi precisamente este o ponto de viragem na conversa com os meus amigos estudantes de Jornalismo, entusiastas das tecnologias. Foi quando falamos do furo jornalístico e do exclusivo, sem os quais não existe sequer Jornalismo.

Podemos considerar em desuso ou descontinuadas notícias do tipo sem açúcar nem sal. No Jornalismo moderno, a notícia terá sempre as impressões digitais do autor, por mais ténues ou subtis que se apresentem, elas terão sempre um toque pessoal do autor que faz dela um produto cultural, em nada comparado (ou comparável) com um conteúdo concebido ou modificado pelo assistente virtual.

Os meios de comunicação social estarão perante um grande desafio, que é a necessidade de se criarem mecanismos de protecção da propriedade intelectual, que é o mesmo que dizer, mecanismos para proteger o Jornalismo enquanto razão de existir das empresas jornalísticas, mas também pela função social útil e relevante que desempenha em qualquer sociedade.

Observação atenta conclui que essa situação deixa campo aberto para o conteúdo e entregas publicitárias, como de resto se percebe a partir da avaliação global, por exemplo, da programação televisiva. O aumento da oferta de publicidade é proporcional à diminuição da oferta de conteúdos informativos em quantidade e qualidade.

Qualquer entendimento que leve à secundarização da actividade intelectual e criativa, a que chamamos Jornalismo, penaliza grandemente sociedades com baixos índices de literacia. São essas sociedades que, em rigor, precisam de um serviço público de comunicação social, devidamente estruturado e funcional, de modo a garantir o acesso massivo e fácil à informação e ao conhecimento.

Sobre a hipotética morte do jornalismo, com o advento do ChatGPT e Chatbot e outras formas de Inteligência Artificial, sinceramente não vislumbro qualquer relação dialética entre ambos. A regulação pode ajudar a prevenir os perigos do seu uso inadequado, desde logo a violação de direitos autorais e a desinformação, que é uma espécie de antítese do fim último das empresas jornalísticas.

A Inteligência Artificial é hoje uma realidade presente e incontornável, em praticamente todas as esferas da vida, mas nada que afaste a sua função instrumental, diferenciada é certo, mas instrumental, também no jornalismo, que segue sendo uma actividade de criação intelectual.

 

*Jornalista