Luanda - Na invasão da Ucrânia pela Rússia no dia 24 de fevereiro de 2022, no meu primeiro artigo, tinha afirmado que seria bastante difícil conter a guerra da Ucrânia dentro das suas fronteiras sem alastrar-se pela Europa. Ao longo dos dois anos de guerra houve muita prudência de conter a guerra dentro da Ucrânia, sem o envolvimento directo (em termos de tropas) da NATO dentro da Ucrânia.

Fonte: Club-k.net

A NATO não desdobrou as suas unidades dentro da Ucrânia, limitando-se apenas aos apoios logísticos, políticos, diplomáticos, financeiros, comerciais, formação militar, acessória técnica e inteligência militar. As sanções económicas e comerciais contra a Rússia tem sido o Grande Cavalo de Troia do Ocidente, neste esforço titânico de apoio à Ucrânia.


No fundo a doutrina ocidental tem sido de manter a guerra ao low profile, contê-la dentro da Ucrânia, evitar a confrontação directa com a Rússia, e não dar azo à escalada da guerra e ao recurso às armas nucleares táticas ou estratégicas. Portanto, isso tem sido o conceito e o quadro estratégico da NATO e da União Europeia.


Até no início deste ano tudo tem corrido de acordo com esta visão estratégica. Infelizmente, tem- se registada a alteração gradual do equilíbrio no teatro de guerra, na região leste da Ucrânia. As unidades russas têm estado a ganhar algumas posições no Leste da Ucrânia, desarticulando algumas linhas de defesas das tropas ucranianas. Isso acontece na altura em que o Congresso Americano bloqueou alguns pacotes de ajuda militar à Ucrânia. Notou-se igualmente o afrouxamento da ajuda da União Europeia, não obstante os discursos fervorosos dos dirigentes políticos ocidentais. Isso criou uma grande lacuna na logística ucraniana, em termos de municiamento, sobretudo das armas de apoio, de longo alcance, que têm o grande poder de fogo de proteção e de destruição.


A postura do Congresso Americano e o ressurgimento na arena política americana do Donald Trump, como candidato do Partido Republicano, despertou a consciência dos Líderes Europeus sobre a essência e a urgência da Europa assegurar nas suas próprias mãos a segurança e a defesa da Europa. Como é sabido, Donald Trump é da Extrema-Direita e capitalista neoliberal. Ele comunga a mesma doutrina totalitária do Vladimir Putin. Tem aversão muito forte contra a União Europeia e a Aliança Transatlântica.


Por isso, no decurso do Mandato do Donald Trump a Europa já estava a debruçar-se sobre a «formulação» da Nova Doutrina Militar Europeia, virada para a Segurança e a Defesa da Europa sem depender muito dos EUA. Nesta conformidade, os estadistas da Alemanha, da França e da Polônia, durante a Cimeira (15/03/2024) do Triângulo de Weimar, que teve lugar em Berlim, tomaram um conjunto de medidas concretas sobre a situação militar da Ucrânia, dentre as quais:

A ideia do envio de tropas à Ucrânia; alargamento do teatro de guerra; introdução de armas de apoio de longo alcance; intensificação da guerra; abertura de fábricas e indústrias de armamento na Ucrânia; aquisição no mercado internacional do armamento sofisticado; reforço da cooperação militar entre o Triângulo de Weimar e a Ucrânia; formulação da nova estratégia e doutrina militar para a segurança e a defesa da Europa; a defesa da Europa pela própria Europa; e a capacitação militar da Ucrânia para derrotar a invasão russa.

Nesta conformidade, além da Comissão Europeia, tem-se verificado investimentos avultados nas indústrias militares dos países europeus para defender a Ucrânia e robustecer o sistema da defesa da Europa. Esta postura europeia contraria a sua doutrina que vigorou desde o início da guerra da Ucrânia que consistia em limitar o potencial militar ucraniano em termos da quantidade, da qualidade e do alcance das armas de apoio e do sistema aéreo. As medidas tomadas não excluem o desdobramento das tropas europeias dentro da Ucrânia para travar e derrotar o avanço das tropas russas. Logicamente, a construção das fábricas e indústrias militares dentro da Ucrânia exigirá obviamente o despacho das tropas europeias para guarnecer as infraestruturas.


Portanto, na minha leitura, como político, diplomata e militar, a visão estratégica do Ocidente foi prudente. Somente contraria a doutrina militar. Dando o facto de que, a guerra é um acto de violência extrema, que coloca toda gente entre a morte e a vida, altera o seu estado psicológico, que lhes obrigam defender-se com os meios que estiverem dentro do seu alcance. Portanto, não é justo, nestas condições extremas, da proteção da vida humana, restringir a defesa de um povo, que deve defender-se do agressor poderoso, com armas nucleares, pronto para usá-las quando quiser e quando poder

Como também é ilusório tentar convencer o inimigo a tomar uma atitude sem exercer suficientemente a pressão militar sobre ele. Vejamos, a visão estratégica é que determina os meios de alcança-la. A definição do teatro de guerra depende da direcçao política e do comando das forças que estão envolvidas directamente na guerra. Em função disso, as decisões estratégicas não dependem dos aliados que apenas apoiam o esforço de guerra e não participam fisicamente no teatro de guerra.


Por isso, quando atacar a outra parte deve contar com a mesma resposta de te atacar dentro do seu território. Pois, no ponto de vista estratégico, a guerra não se ganha sem ter a capacidade de atingir a retaguarda do inimigo, a sua logística, as infraestruturas que sustentam a guerra e a «força moral» do Homem. Este é o contexto real da guerra. O que quer dizer que, as restrições impostas sobre o Kiev visava limitar a resistência ucraniana que conduziria à sua capitulação.


Isso faz-me recordar da Emenda Clark (1975) dos Estados Unidos da América que proibiu a ajuda militar à UNITA e à FNLA. Indirectamente, isso significava privar a UNITA da capacidade de resistência contra a ocupação russo-cubana. Foi necessário fazer finca-pé e bater com muita força contra o Exército Expedicionário Russo-Cubano. Como dizia o Alto Comandante das FALA, Jonas Savimbi, cita: “A Pátria não se discute, a Pátria defende-se.” Fim de citação. Com certeza, foi nestas circunstâncias que a Pátria foi defendida da ocupação e da dominação russo-cubana, que foram derrotados decisivamente e expulsos do território angolano.


Para dizer que, a NATO e a União Europeia souberam que a sua visão estratégica não teria resultados palpáveis, embora tivessem feitos muitos esforços de apoiar a causa do povo ucraniano, inclusive sacrificar as suas economias que dependiam excessivamente do petróleo, do gás, de cereais e do óleo alimentar da Rússia, da Ucrânia e da Bielorrússia. Se a Ucrânia sujeitasse às restrições impostas pelo Ocidente, ela já teria caído há muito tempo nas mãos da Rússia.


Importa realçar que, neste período de guerra, a Ucrânia desenvolveu as suas capacidades técnico- militares e tecnológicas no domínio da Inteligência Artificial, como dos drones de longo alcance, que têm sido eficazes em atacar alvos estratégicos em todo o país, inclusive em Moscovo, na Crimeia e no Mar Negro. Isso permitiu resistir e ganhar a confiança das potências ocidentais que tinham dúvidas da vontade política do Kiev e do seu potencial militar.


Acontece que, a alteração do equilíbrio militar na Frente Leste da Ucrânia criou a euforia em Kremlin, induzindo-lhe a expor a sua visão estratégica, resumido no seguinte, cita: «A Ucrânia não existe; a nossa marcha não termina na Ucrânia; o Emanuel Mácron não tem autoridade de falar em nome da NATO; a Rússia é capaz de usar as armas nucleares; estamos determinados para acabar com a supremacia americana e estabelecer uma Nova Ordem Mundial». Fim de referência.


Esta postura do Kremlin chamou a atenção dos líderes ocidentais, sobretudo do Presidente Emanuel Mácron, que surgiu com a nova visão estratégica e com a necessidade de enviar tropas europeias à Ucrânia para travar a invasão russa e derrota-la. Isso marcou a mudança da visão estratégica da Europa sobre a guerra da Ucrânia.


Em síntese, eu vivi na Alemanha Federal durante muitos anos e andei pela Europa. Eu percebi o estado psicológico dos europeus. Após a queda do muro de Berlim, do desmoronamento do Império Soviético e da abertura ao Ocidente, a Europa ficou afetada pelo «pacifismo», de acreditar que, «a paz era definitiva e jamais haveria guerra no centro da Europa». A doutrina pacifista defende a tese de que, «a paz mundial deve ser defendida pelo desarmamento das nações e pelo recurso a tribunais internacionais, como solução dos conflitos e das divergências».


Na base deste conceito a Europa reduziu drasticamente os seus investimentos na Segurança e na Defesa. Enquanto a Rússia e a China investiram massivamente na indústria militar. Como tal, isso criou o desequilíbrio entre o Ocidente e as Potências Asiáticas. O Presidente Vladimir Putin, como homem do KGB, sabia absolutamente a vulnerabilidade da Europa. Por isso, achou que era o momento propício para entrar na Ucrânia, avançar para o centro da Europa e desarticular a NATO e a União Europeia.


Portanto, embora seja tarde, mas a visão do Presidente Emanuel Mácron, de enviar tropas à Ucrânia, é a mais realista. Pois, é melhor fazer a guerra fora das suas fronteiras do que fazê-la dentro do seu território, na posição defensiva. O Vladimir Putin não vai parar por ai. Alguém terá que dar-lhe o sinal evidente de que existe uma zona vermelha.


Luanda, 19 de Março de 2024.