Luanda - O ativista angolano Adão Ramos Manuel dirigiu uma carta aberta à Sra. Carolina Cerqueira, Presidente da Assembleia Nacional de Angola, expressando sua decepção e descontentamento com o desempenho dos deputados angolanos em relação à inclusão e defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

Fonte: Club-k.net

Na carta, datada de 13 de março de 2024, Adão Ramos destaca a importância da democracia inclusiva e da igualdade de direitos para todas as pessoas, independentemente de suas habilidades e necessidades. Ele ressalta que, apesar da ratificação de vários instrumentos legais internacionais e nacionais que visam proteger os direitos das pessoas com deficiência, o Parlamento angolano não tem fiscalizado sua implementação de forma adequada.

 

Adão Ramos lamenta que a relação entre democracia e inclusão das pessoas com deficiência não tenha sido devidamente considerada durante a última legislatura, e exorta a Presidente da Assembleia Nacional e os demais membros do Parlamento a assumirem um compromisso sério com a promoção da inclusão e defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

 

À sua Excelência Sra. Presidente da Assembleia Nacional,
Dra. Carolina Cerqueira

Luanda

Cc.: Bancadas Parlamentares

Assunto: manifestação de decepção e descontentamento: uma contribuição para a melhoria na defesa das pessoas com deficiência pela Assembleia Nacional.

Excelentíssima Senhora Presidente, da Assembleia Nacional, queira aceitar as minhas saudações patrióticas, com votos de um Ano Novo Próspero.

Manda-me o dever de ser cidadão e a responsabilidade de cooperar com as instituições do país, que lhe endereça a presente missiva.

Sou um cidadão angolano com deficiência, que tem uma certa participação nos mais variados espaços da sociedade angolana, actuando fundamentalmente nos média tradicionais e nas redes sociais, procurando influenciar por meio de intervenções em debates, entrevistas e artigos de opinião, sobre a inclusão das Pessoas com Deficiência, Cidadania e o dever do Estado.

Fazendo parte dos meus propósitos, ajudar na promoção do diálogo construtivo e que sejam estabelecidas pontes, visando o alcance de entendimentos profícuos, que blindem o país contra situações geradoras de desarmonia e/ou falta de coesão nacionais;

Escrevo-lhe profundamente decepcionado/insatisfeito, após aturada reflexão sobre o mau desempenho dos deputados angolanos durante a IV legislatura (2017 – 2022), especificamente no que concerne à promoção do cumprimento, da protecção e do respeito dos direitos, bem como, à inclusão das pessoas com deficiência na sociedade angolana.

Observamos com apreensão uma lacuna significativa no papel dos deputados na promoção de uma democracia inclusiva, fundamentada nos direitos de todas e todos o(a)s cidadã(o)s, apesar de terem sido aprovados, em sede do Parlamento, vários instrumentos legais (internacionais e nacionais), nomeadamente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência(CDPD), o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos Relativo aos Direitos das Pessoas com Deficiência em África, a Lei 10/16, de 27 de Julho, e outros mais, cuja aplicação o hemiciclo não fiscaliza, e se quer dedica deputação entorno dos mesmos.

A relação entre a democracia e inclusão das pessoas com deficiência é intrincada e significativa.
Numa democracia saudável e “dinâmica”, como um dia foi apodada a nossa, o princípio fundamental da igualdade de direitos e oportunidades, defendido pelo artigo 23º da Constituição da República de Angola (CRA), para todas e todos é central.

A inclusão das pessoas com deficiência se alinha perfeitamente a esse princípio, pois busca garantir que todas as pessoas, independentemente das suas habilidades e necessidades, tenham as mesmas oportunidades de participar plenamente na sociedade, como estabelece a CDPD, ratificada a 5 de Março de 2013, nos 3º e 5º princípios gerais, artigos 4º(Obrigações Gerais) c, d e seguintes, 19º(Direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade), 29º(Participação na vida política e pública) e outros.

Uma democracia inclusiva valoriza a diversidade e busca eliminar barreiras atitudinais e outras, que possam impedir a participação de qualquer grupo, incluindo o das pessoas com deficiência. Isso implica em garantir a acessibilidade física, comunicacional e social em todas as esferas da vida, desde a educação, a formação e o emprego, até à participação política e pública, também estabelecidos pela CDPD e o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos Relativo aos Direitos das Pessoas com Deficiência em África, nos 2º, 5º e 10º princípios gerais, artigos 14º(Direito de viver na comunidade), 15º(Acessibilidade), 19º(direito ao Trabalho), 21º(Direito de participar na vida política e pública) e 22º(Auto-representação).

Além disso, uma democracia inclusiva envolve a consulta e a participação activa das pessoas com deficiência na concepção e tomada de decisões que afectam as suas vidas. Isso pode ser alcançado através da representação política, da colaboração com organizações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, como a Federação das Associações de Pessoas com Deficiência(FAPED), e da promoção de uma sensibilização mais ampla sobre as suas necessidades e aspirações, como estabelece a CDPD, no artigo 8º(Sensibilização).

Portanto, a inclusão das pessoas com deficiência é uma parte integral do funcionamento eficaz de uma democracia, pois demonstra o compromisso de garantir que todas e todos cidadã(o)s tenham a oportunidade de contribuir para a sociedade de maneira significativa e igualitária.

A inclusão das pessoas com deficiência deve ser um pilar central dessa missão, cuja prioridade, lamentavelmente, não vimos reflectida nas acções da última legislatura do Parlamento angolano, tal como nas anteriores, para não variar.

A Assembleia Nacional foi concebida como coração da democracia, onde os representantes eleitos trabalham para criar leis que reflitam à vontade e interesse do povo. Idealmente, é um espaço para representação diversificada e inclusiva, buscando promover a participação de diferentes grupos na tomada de decisões. No entanto, a efectividade desses princípios no hemiciclo angolano estão sempre para depois, sem que se saiba quando.

Excelência Senhora Presidente, a inclusão das pessoas com deficiência não é apenas uma questão de justiça social, mas também um indicador da saúde democrática do nosso país.

Os deputados à Assembleia Nacional de Angola, estiveram absolutamente aquém desse desiderato, durante a última legislatura, como vem ocorrendo desde a primeira, denotando uma involução considerável. Daí a minha profunda decepção.

Exorto, assim, à Vossa Excelência e aos demais membros da Assembleia Nacional, a reafirmarem o vosso compromisso com a construção de uma sociedade onde todas e todos desfrutem plenamente dos seus direitos.

Espero sinceramente que, nesta nova legislatura (2022 – 2027), os deputados assumam um papel catalisador na promoção da inclusão e na defesa dos direitos das pessoas com deficiência, contribuindo assim para o fortalecimento da nossa democracia.

É míster que a promoção do respeito, da protecção e do respeito dos direitos das pessoas com deficiência, tão essenciais para a construção de uma sociedade democrática, justa e inclusiva, deixem de ser negligenciadas por aqueles em quem votamos para nos representar no Parlamento.

Ao exprimir a minha insatisfação, face ao fraco desempenho da AN nos aspectos já referidos, solicito, com veemência, que seja agendado um debate mensal que aborde sobre os desafios das pessoas com deficiência em Angola e o impacto dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas suas vidas, ao qual possamos ter acesso.

É imperactivo que os representantes do povo assumam a responsabilidade de conduzir discussões significativas e implementar medidas eficazes para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência, mormente por via do Orçamento Geral do Estado(OGE).

Espero sinceramente que a presente legislatura seja marcada por acções concretas e visíveis, reflectindo um compromisso sério dos deputados com a inclusão e a defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais de todas a cidadãs e todos os cidadãos angolana(o)s com deficiência, as quais, tal como as pessoas sem deficiência, também são eleitores e contribuintes, e o seus votos e contribuições não valem menos.

Os deputados poderão desempenhar um papel crucial na promoção da inclusão das pessoas com deficiência, fazendo deputações inclusivas, através de várias acções como:


1. Advocacia Legislativa: propor, promover e apoiar legislação que garanta os direitos e a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência. Isso pode incluir a revisão de várias leis, ou aprovação de novas, entre outras acções;

2. Representação: os deputados que têm experiência ou interesse na temática da deficiência podem actuar como vozes influentes no parlamento, garantindo que os interesses e as necessidades das pessoas com deficiência sejam ouvidos e representados, em articulação com a FAPED;

3. Fiscalização: fiscalizar a implementação dos programas, das políticas e da legislação relacionados aos direitos das pessoas com deficiência, garantindo que as medidas sejam eficazes e cumpram os seus objectivos;

4. Consciencialização: promover a consciencialização sobre questões relacionadas à deficiência, destacando a importância da inclusão e desafiando estereótipos e

5. preconceitos;

6. Apoio a Orçamentos e Recursos: exigir alocação de recursos no OGE para programas e serviços que beneficiem as pessoas com deficiência, como educação especializada, serviços de saúde adequados, projectos de acessibilidade, estatuto de utilidade pública à FAPED, etc;

7. Engajamento com Organizações: trabalhar em colaboração com organizações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, entendendo as suas necessidades e incorporando as suas perspectivas na formulação de políticas;

8. Promoção da Participação Política: incentivar e apoiar a participação activa de pessoas com deficiência na política, seja como eleitores, candidatos ou titulares de cargos de nomeação;

9. Diálogo com as Pessoas com Deficiência: ouvir e dialogar directamente com as pessoas com deficiência, através da FAPED, para entender as suas experiências, os desafios e sugestões para melhorar a inclusão;

 

10. Intercâmbio Internacional: participar de fóruns internacionais para compartilhar melhores práticas e aprender com outras nações em relação à inclusão das pessoas com deficiência.

 

Portanto, os deputados têm a responsabilidade de usar a sua posição e influência para garantir que a inclusão das pessoas com deficiência seja uma prioridade na agenda parlamentar, política e/ou governativa do país, sendo que as suas acções podem contribuir significativamente para a construção de uma sociedade mais igualitária, equitativas e acessível.

 

Lutando por uma defesa mais incisiva: a nossa manifestação de decepção é uma chamada à acção pela melhoria na representação das pessoas com deficiência.

Nada sobre Nós, sem Nós;
Nada sem nós é inclusivo;
Inclusão é também connosco;
Democracia constrói-se com inclusão.

Luanda, 13 de Março de 2024.


Atenciosamente,

Adão Ramos Manuel
(Activista, defensor e formador dos Direitos das Pessoas com Deficiência)