Luanda - Paulo Teixeira Jorge era uma figura interessante para um diálogo. Certo dia, no ano de 2006, recebeu-me após ter conferenciado, no seu gabinete, com o embaixador de Espanha em Angola, Xavier Vallaure.


Fonte: SA

Personalidade simples, que se despia da veia partidarizada


Ao longo da conversa veio-lhe à memória uma audiência em Luanda ao antigo secretário de Estado norte-americano Cyrus Vance, ao tempo em que era Ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola. Contou que na véspera da nomeação de Cyrus Roberts Vance como secretário de Estado norte-americano, Luanda foi informada que ele faria uma digressão por alguns países da África Austral para contactos exploratórios, prevendo escalar a capital de Angola.


No dia em que Cyrus Vance chegou a Luanda, o embaixador Paulo Teixeira Jorge deslocou-se ao aeroporto para recebê-lo. Era um período em que Luanda desenvolvia discretas iniciativas destinadas a obter o reconhecimento político-diplomático de Washington. Cyrus Vance não tinha ainda tomado posse como secretário de Estado. Estava apenas nomeado, pelo que aproveitava a viagem para «conhecer» o posicionamento das autoridades angolanas. No aeroporto de Luanda, segundo contou o malogrado Paulo Teixeira Jorge, o diplomata norte- americano teria levantando o tom de voz com certo autoritarismo para fazer uma chamada de atenção às autoridades angolanas.


O governante angolano manteve-se inicialmente em silêncio para minutos depois usar o mesmo tom musculado em resposta, rejeitando deste modo o tratamento autoritário do seu interlocutor. Como Cyrus Vance não estava ainda investido na pele de secretário de Estado, Paulo Teixeira Jorge tratou-o por «Senhor nomeado secretário de Estado». Teria sido uma forma de transmitir-lhe que não estava a falar com um homólogo por não ter sido ainda formalmente nomeado.


Cyrus Vance deu de si surpreendido não apenas pela atitude enérgica de Paulo Teixeira Jorge, mas também por ver o seu interlocutor expressar-se num inglês fluente. De facto, era um poliglota. Quando falava comigo, repetia em inglês as respostas que deu a Cyrus Vance. No seguimento do que contará, Paulo Teixeira Jorge lembrou que se soubesse que tocaríamos neste dossiê teria consultado as suas memórias anotadas para maior precisão. Direcionou o seu dedo indicador à sua própria testa para mostrar que faria recurso à memória «cerebral». Percebi que tinha as suas histórias apontadas em papel e que resultariam um dia em «memórias». Paulo Teixeira Jorge era um diplomata completo. Sempre que contasse algo tinha sempre um senso de humor. Era também uma personalidade simples, que se despia da veia partidarizada que caracteriza muitas figuras do MPLA.


Contar-me-á que na manhã daquele dia havia recebido o então ministro das Relações Exteriores João Miranda que lhe havia submetido um relatório sobre os trabalhos do MIREX. Paulo Teixeira Jorge deixou transparecer que embora respeitasse a iniciativa do ministro, em prestarlhe contas, contudo este procedimento não era obrigatório. Entendia que era posto ao corrente das actividades do ministério somente por ser o responsável do pelouro das Relações Exteriores do partido que suporta o Governo.


Tinha uma visão realista do país. Era um homem incansável e trabalhador que gostava da sua profissão. Em alguns casos, em detrimento da própria saúde. Previa viajar a Londres em Março passado para tratamento da doença que o levara a internar-se, algumas semanas antes, numa clinica em Luanda. Levantava a hipótese de que antes de viajar iria à República da Namíbia para assistir às comemorações da independência daquele país na qualidade de responsável das Relações Exteriores do MPLA. Antes da realização do último congresso do MPLA, esteve acamado. Enquanto permanecia numa unidade hospitalar em Luanda, exteriorizava a necessidade de se curar rápido para poder apresentar o relatório do seu trabalho naquele conclave partidário. Uma corrente interna do partido era apologista de que não se mantivesse no Secretariado do Bureau Político logo após o congresso. Na altura, o líder do partido, José Eduardo dos Santos, era identificado como se tendo oposto à sugestão de afastamento de Paulo Teixeira Jorge do posto de secretário do Bureau Político.  Presume-se que JES terá entendi- do que mesmo estando em idade avançada «o velho» encarava o trabalho de diplomacia partidária como uma forma de estar de bem com a Pátria.


No seio dos altos dirigentes do MPLA, era figura que simbolizava a máxima do Presidente Agostinho Neto, segundo a qual «o mais importante é resolver os problemas do povo». Há poucos meses, os deputados do MPLA pertencentes ao círculo provincial reivindicaram de questões como as da sua acomodação em Luanda e outras regalias. Paulo Teixeira Jorge ter-se-á oposto à discussão invocando que o «seu» MPLA não lutou para regalias dos dirigentes. Defendeu que se deveria antes discutir «regalias» para o povo e só depois os dirigentes deveriam pensar na sua própria condição.