Luanda - PR Lourenço prometeu acabar com a bajulação, mas enfrenta agora uma crise interna com divisões no partido. As manifestações de lealdade que criticava estão a consolidar o seu poder. Vítima ou beneficiário da bajulação?

Fonte: DW

Quando João Lourenço assumiu a liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), em 2018, prometeu romper com o passado de reverência e "culto de personalidade". Essas são práticas que, segundo ele, enfraquecem a coesão e a eficiência do partido. Na época, Lourenço declarou abertamente que "o culto de personalidade e a bajulação são nefastos".

 

Seis anos depois, essa promessa parece ter desvanecido.

 

No último sábado, 7 de setembro, uma marcha em apoio ao Presidente João Lourenço reuniu milhares de militantes em várias províncias. Foi uma manifestação promovida oficialmente para demonstrar lealdade à liderança de Lourenço.

 

Nas redes sociais, ouviam-se os apelos mesmo antes da marcha: "Vamos apoiar o líder, vamos apoiar o líder...”

 

O secretário-geral do MPLA, Paulo Pombolo defendeu o seguinte: "Nós é que elegemos o líder em 2021, e o papel dos militantes é apoiar esse líder para cumprir o seu mandato".

Para muito críticos, essa demonstração pública de apoio esconde uma tensão interna crescente dentro do partido.

Divisões e tensões internas

Veteranos do MPLA, como Dino Matrosse, ex-secretário-geral, têm sido acusados de conspirar para promover uma alternativa à liderança de Lourenço. Especulou-se, nas redes sociais, que Matrosse apoiaria Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó) como candidato ao congresso de 2026. Dino Matrosse disse em declarações à agência Lusa que essas alegações não têm qualquer fundamento.

 

Ainda assim, os rumores prosseguem, sobretudo tendo em conta declarações de figuras de peso no partido, incluindo do general Higino Carneiro, que admitiu há uns meses candidatar-se à presidência do MPLA.

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O próprio presidente João Lourenço já se referiu a "jogos de influência" dentro do partido para o processo de sucessão. "Há quem queira impor a sua vontade sobre o partido, mas a liderança é eleita democraticamente", criticou Lourenço.

Analistas observam que a cultura da bajulação, algo que o Presidente inicialmente prometeu combater, parece estar a ser usada para consolidar o seu poder.

Graça Campos, jornalista e analista político angolano, é contundente na sua avaliação: "Essa diretiva do MPLA tem obviamente a anuência do Presidente, e isso prova que ele ama ser bajulado" e acrescenta que a coerência de Lourenço tem sido posta à prova, e as suas promessas iniciais estão a ser desmentidas pelos próprios atos.


Resiliência ou fragmentação?

Segundo Graça Campos, as divisões atuais no MPLA podem ser difíceis de superar, uma vez que envolvem figuras de peso dentro do partido, incluindo veteranos.

"Com o fim da guerra civil e a extinção de inimigos externos como a UNITA, o MPLA perdeu o elemento unificador que mantinha as divergências sob controlo", explica.

Apesar das tensões internas, figuras como o ex-deputado do MPLA e especialista em ciência política João Pinto, minimizam a gravidade das tensões no partido.

"Em toda a sua história, o MPLA sempre viveu crises", disse Pinto, relembrando conflitos anteriores, como o de 1977. "O MPLA é um partido coeso", afirmou, destacando que divergências são normais em qualquer grande organização política.

Paulo Pombolo, secretário-geral do MPLA, rejeita veementemente a ideia de que o MPLA esteja dividido.

"O MPLA é único, o MPLA de Agostinho Neto, de José Eduardo dos Santos e de João Lourenço", declarou, reforçando que o partido segue unido em torno da liderança de Lourenço. A marcha de sábado, segundo ele, foi uma demonstração clara de que os militantes continuam a apoiar o Presidente.

O vira-casacas da política angolana

 

Mas Graça Campos vê a situação de forma diferente. Para ele, a marcha de apoio e as diretrizes do secretariado do MPLA são prova de que a bajulação, outrora condenada, se tornou uma ferramenta política.

"O MPLA é seguramente o caminho mais curto para a promoção", afirma Campos, criticando a evolução do partido sob a liderança de Lourenço.

O académico João Pinto não concorda: "[Bajulação] é uma linguagem própria do conflito e não de competição democrática. Ora, é tradição no nosso país os partidos políticos organizarem marchas de apoio, marchas de repulsa, sobra determinada situação. Se nós queremos ser civilizados, devemos respeitar os outros.”

Com a aproximação do congresso extraordinário de 2026, resta saber se João Lourenço conseguirá manter o controlo sobre o MPLA, ou se divisões internas culminarão numa luta intestinal pelo poder.