Luanda - Na noite do dia 9 do corrente mês, a Federação Angolana de Futebol (FAF) fez um gesto de aparente nobreza. Homenageou um restrito grupo de sete antigos futebolistas da Selecção Nacional, por feitos históricos alcançados com as cores de Angola.
Fonte: Jornal dos Desportos
Entre os homenageados, destacam-se Akwá, Zé Kalanga, Flávio Amado, Gilberto Amaral e Pedro Mantorras, antigos heróis que, juntos, conseguiram o feito de apurar Angola para o Mundial’2006, na Alemanha. Nesta lista integram-se outros dois nomes do futebol nacional, designadamente Djalma Campos e Manucho Gonçalves, mas não mundialistas. Tudo pareceu justo e digno; um reconhecimento merecido àqueles que, em momentos difíceis para o país, souberam dar alegrias ao povo e elevaram o nome de Angola no panorama futebolístico internacional.
No entanto, por detrás deste tributo, aparentemente inofensivo, há um barulho ensurdecedor, uma perturbação que deixa um cheiro de desconfiança no ar. O “timing” desta homenagem é o primeiro motivo para levantar suspeitas.
O tributo aconteceu justamente durante o intervalo do jogo entre Angola e Sudão, partida referente à segunda jornada do Grupo F de apuramento para o Campeonato Africano das Nações (CAN), a realizar-se no próximo ano, no Reino de Marrocos. Não é de se ignorar que o acto coincida, de forma desconcertante, com o primeiro dia da entrega de candidaturas à presidência da FAF. Será apenas uma coincidência? Ou estaremos perante uma tentativa descarada de manipulação emocional dos eleitores, num período tão sensível como o das eleições?
O uso de homenagens, em momentos de pré-campanha eleitoral é uma manobra que, na minha opinião, roça a desonestidade. Não me entendam mal. Os homenageados são merecedores de todos os aplausos e honrarias. São figuras incontornáveis da história do nosso futebol, ícones que trouxeram alegria e orgulho ao povo angolano.
Mas usar o nome destes heróis para fins obscuros, para um objectivo do qual conhecemos, é, no mínimo, desonesto, para não falarmos de imoral.
Este gesto, realizado numa altura pré-eleitoral, sugere estarmos perante uma estratégia velada de campanha. E não é apenas o tributo em si a levantar questões, mas o contexto mais amplo em que ele ocorre. A actual direcção da FAF não se limita apenas a homenagens durante jogos importantes, vai mais longe, com a distribuição de materiais desportivos a várias associações provinciais da modalidade.
Um exemplo gritante foi o que aconteceu na Associação Provincial da Huíla, onde foram distribuídos equipamentos, claramente com o objectivo de ganhar o favor dos eleitores. E, como se não bastasse, surgem promessas a presidentes de clubes, figuras que têm uma importância decisiva no resultado do pleito.
Pergunto: até que ponto podemos considerar estas acções legítimas? Não será esta uma forma de viciar o processo eleitoral, ao tentar influenciar os eleitores com benesses e favores? É inevitável que estes gestos, disfarçados de altruísmo e de reconhecimento, sejam vistos como manobras e não como actos genuínos de valorização dos feitos dos nossos atletas.
E não pára por aqui. Outro episódio, igualmente perturbador, foi o regresso de Bastos Quissanga à Selecção Nacional, poucos dias antes do arranque do período eleitoral. Para quem não se recorda, o central do Botafogo, considerado por muitos o melhor jogador angolano no exterior, tinha sido afastado dos Palancas Negras com acusações graves.
Foi apontado como um “perigo para o balneário”, uma figura desestabilizadora que não teria lugar no grupo comandado por Pedro Gonçalves.
Agora, questiono-me: o que terá mudado tão repentinamente? Será que, de um momento para o outro, Bastos deixou de ser uma ameaça para o balneário? Ou terá sido o calendário eleitoral a ditar o regresso? O “timing” deste retorno não pode ser ignorado. Estaremos, mais uma vez, perante uma jogada de campanha disfarçada de acto desportivo?
É bom não ser mal-interpretado. Não estou a questionar as qualidades de Bastos enquanto jogador. Ele é, sem dúvida, uma mais-valia para a Selecção Nacional, e o seu regresso é merecido. Mas como o processo foi conduzido, tendo em conta especialmente o que foi dito sobre ele no passado por alguns responsáveis da FAF, levanta sérias dúvidas sobre as intenções por detrás da reintegração na equipa. E mais uma vez, somos obrigados a questionar: estamos mesmo a falar de decisões puramente desportivas?
Houve vários momentos em que podiam fazê-lo e não fizeram. Podiam até esperar o Cinquentenário da Independência nacional. O que se fez ainda está por se fazer no duplo compromisso de Outubro, deixa claramente passar uma mensagem ao eleitorado, numa altura em que as eleições já estão marcadas. A intenção pode ter sido boa, mas o inferno está prenhe de boas intenções. Ademais, moral e eticamente, este não seria o momento ideal. É claramente para “amordaçar”, sobretudo o Akwá.
Como bem escreveu um dia o respeitado jornalista Silva Candembo: “atiraram-nos areia nos olhos”. E é exactamente assim que me sinto. Como se todas manobras foram calculadas para nos distrair do verdadeiro propósito por detrás delas: manipular o eleitorado, condicionar o seu voto, viciar o processo democrático.
Não interessa quem venha a vencer as eleições de 30 de Novembro. O que realmente importa é que o processo seja justo, transparente e ético. E, infelizmente, o que estamos a ver agora é tudo menos isso. Estamos a assistir a uma campanha eleitoral disfarçada de gestão desportiva, onde os valores fundamentais do desporto – honestidade, fair play, respeito – são ignorados em nome de um jogo sujo e desonesto.
Não sou, nem nunca fui, ao serviço de qualquer candidato.
O Jornalismo, uma profissão que exerço há largos anos, ensinou-me desde o começo a estar ao lado da democracia e da verdade. E é isso que defendo agora. O que se está a passar no nosso futebol é um reflexo do que muitas vezes vemos na nossa sociedade: uma tentativa descarada de manipular as massas, de ganhar poder a qualquer custo, sem respeito pelos valores fundamentais da democracia.
É preciso ter ética. É preciso respeitar os eleitores. E, acima de tudo, é preciso respeitar as regras do jogo. A Lei das Associações Desportivas e o regulamento eleitoral existem por uma razão: garantir que todos os candidatos tenham uma oportunidade justa e igual de concorrer, sem manobras sujas ou favores escondidos. O que estamos a ver agora é uma violação desses princípios, uma tentativa de usar o poder actual para garantir a vitória nas urnas.
E isto não pode ser aceite. Se queremos um futebol limpo, transparente e justo, precisamos de começar por ter eleições limpas, transparentes e justas. E isso significa que os actos de campanha devem ser feitos com honestidade, e não disfarçados de homenagens ou distribuições de materiais desportivos. É hora de parar com essas manobras, de respeitar o eleitorado e de jogar o jogo de forma limpa.
Eduardo Gito, in edição n.º 6455 de 16.9.2024 do Jornal dos Desportos