Luanda -  Recebeu-nos em sua casa. Falámos do seu passado, do seu Semanário Angolense e de um futuro ainda cheio de nada. Mas a serenidade marcou o ritmo da entrevista, mostrando um homem que se diz frustrado em certos aspectos, mas ainda combativo pelas suas ideias.


Fonte: Jornal o Pais

MPLA e o seu Governo não permitem adversários

Depois de ter passado pela Angop, Jornal de Angola, Folha 8, Angolense e pelo Semanário Angolense, acha que está cumprida a sua missão?

 Não! Ficou muito por fazer, nomeadamente criar e liderar um jornal diário. Não se pode dizer que não consegui fazer isso por falta de forças físicas ou mentais, mas porque as circunstâncias não permitiram. De modo que estou, de alguma forma, frustrado.

 

Está frustrado por ter vendido o Semanário Angolense ou por não ter conseguido dirigir um diário?

Modéstia à parte, penso que no Semanário Angolense já não havia muito a explorar. Portanto, diria que a minha frustração decorre do facto de não ter dado o salto para um jornal diário.

 

A venda do jornal foi de certa forma uma frustração?

Não posso dizer que vendi o jornal de modo voluntário.Se o dissesse estaria a mentir.Digamos que eu e o Candembo fomos empurrados a isso. Como vocês devem saber, o Semanário Angolense ficou privado de publicidade e de informação. Foi colocado num beco sem saída.De modo que se não o tivéssemos vendido provavelmente hoje não saberíamos como pagar os salários dos trabalhadores.

 

Não terá sido por causa das novas regras do mercado?

 De que regras de mercado está a falar? O nosso mercado de comunicação social tem regras? Em países normais, as regras são transparentes e iguais para todos. Nos países normais, as empresas anunciam em jornais de maior circulação e em rádios e televisões mais ouvidas e vistas.


Não é o caso de Angola. Você não ousará desmentir-me que o SA era o líder, destacadíssimo, no segmento dos jornais privados.

Porém, nos últimos tempos, as empresas anunciantes preferiram os jornais menos populares.Isso obedece a alguma lógica? Não! O problema é que, no nosso país, as empresas que anunciam nos jornais, sejam elas públicas ou privadas, são controladas e detidas por um pequeno grupo de pessoas que decide quem deve ou não sobreviver no mercado.No caso do SA ficou claro que essa gente não o queria no mercado.

 

Como é que conseguiu pagar os salários dos seus funcionários nos últimos dois anos?

Há dois ou três anos o SA não tinha graves problemas de tesouraria. Encaixava sem problemas os custos de impressão e pagava os salários sem gemer. As coisas começaram a complicar-se quando instituições como bancos e empresas de telecomunicações, os maiores anunciantes, passaram para um mais restrito domínio de determinadas pessoas. Por exemplo: um ou dois dias depois de o Conselho de Ministro haver anunciado a privatização da Movicel esta empresa enviou uma carta ao Semanário Angolense comunicando-lhe que a partir dali não colocaria mais publicidade no jornal. Outro exemplo: o BPC, que é um banco público, deixou de colocar publicidade no SA por “ordens superiores”.Mas, no entanto, ele publicita em alguns jornais. Ora, perante um quadro como este, o meu amigo quer falar-me em regras de mercado? Quais, meu amigo?


E isso teve a ver com a linha editorial?

Sem a menor dúvida. Mas faz algum sentido pretender um país em que todas as pessoas alinhem pelo mesmo diapasão? Ter um SA ou A Capital editorialmente alinhados ao Jornal de Angola faria algum sentido? O nosso povo não merece que lhe ofereçamos outras opções, outros pratos?


Conseguiu vender o Semanário Angolense a um bom preço?

Não! Não foi um preço justo. As pessoas que compraram o jornal jogaram com as circunstâncias.

 

Podemos falar em números?

Isso é irrelevante. A opinião pública sabe que não foi pelos cifrões que eu abri mão do jornal. Por eles nunca o teria feito. Vou repetir: o jornal foi vendido porque eu e o meu sócio já não tínhamos como aguentá-lo. É evidente que tenho estado a par da imensa especulação que se faz em torno dos números que envolveram o negócio. Mas não contem comigo para alimentá-la. Também não contem comigo para disputas estéreis com um certo sujeito que, à falta de melhor ocupação, se dedica a enviar-me “piropos”. A minha idade já não me permite desperdiçar energias com gente inútil.


Os números que se especulam não têm nada a ver com a realidade?

Não têm nada a ver.


Como é que é o dia-a-dia de Graça Campos, que era uma pessoa habituada ao ambiente das redacções, mas que agora passa o maior parte do tempo em casa?

 Não lhe direi que passo o tempo a roer as unhas. Mas é evidente que sinto alguma… alguma não, muita frustração porque me vejo numa situação em que sinto que faço pouco pelo meu país. Para ludibriar esse estado de alma, vou viajando por estrada pelo país.Gosto de fazer isso.


No último editorial que assinou o senhor dizia que tinha sido convidado para continuar à frente do jornal. Porque é que não aceitou?

 Por coerência, meu camarada.Eu entendi que não faria sentido nenhum continuar a dirigir o jornal porque, mais tarde ou mais cedo, o SA certamente dará uma guinada na sua linha editorial e estou convencido que isso não coincidirá em absoluto com aquilo que penso.


Em qualquer jornal os funcionários dançam a música do patrão?

Sim! Por isso é que saí. Saí por duas razões: primeiro, porque não sei dançar e, segundo, não dominando uma única dança como poderia aventurar-me numa outra dança diferente? Em suma: já dancei um bocadinho a música que eu impus, que era a minha linha editorial, agora não posso dançar a música de um outro patrão. Deus me livre!

 

Não pensa que a linha editorial do Semanário Angolense estava descontextualizada, sobretudo porque as instituições ainda não estão devidamente democratizadas?

Quem não ousa não vai a lado nenhum. Penso que o Semanário Angolense não estava a fazer nada de anormal. Era apenas ousadia, uma forma de puxar a vida para a frente. E penso que valeu a pena. A popularidade que o SA teve mostra que não estávamos errados.

 

Quais foram os termos do contrato que assinou. É verdade que não pode escrever durante algum tempo?

Isso não é verdade. O contrato estabelece que, nos próximos cinco anos, não posso criar uma publicação que faça concorrência ao Semanário Angolense. É isto. Tudo o resto é especulação. Não estou proibido de escrever. Posso fazê-lo em qualquer jornal, inclusive no próprio Semanário Angolense. Mas neste momento não tenho ânimo nenhum.

 

Era previsível que depois do alcance da paz fossem surgir grandes grupos de comunicação social. Não acreditava nisso?

Mais do óbvio. Mas em países que se guiam bem, o surgimento desses grupos não é envolto em mistério e suspeitas. O que se passa no nosso país é que os novos grupos interessados na comunicação social emergem todos da mesma família política e, às vezes, até genética. Além disso, há a suspeita de que todos eles sejam suportados com dinheiro público. Há uma questão suplementar: todos esses grupos emergentes recorreram à força de trabalho estrangeira. Mas eu penso que estou a entrar em domínios que vos podem criar problemas.

Gostaria apenas de chamar a atenção para o seguinte facto: todos nós aprendemos que a concorrência gera desenvolvimento. Mas ela não pode ser desregrada. Dar dinheiro público ao grupo “X” ou “Y” para ir a Portugal e Brasil contratar jornalistas e outros técnicos, oferecer-lhes casas, carros e outras benesses para, depois, pretensamente, entrarem no mercado é clara batota. E o Estado não deve alinhar em batotas.


Mas o Semanário Angolense, que o senhor dirigiu, muitas vezes questionou: onde andará a oposição? Acha que há interesse das figuras da oposição em investir no sector?

O problema é o seguinte: eu acho até que é brincadeira falar em oposição neste país. Para se fazer oposição na política é preciso ter dinheiro e está visto que o MPLA e o seu Governo não permitem adversários. Desarmamnos completamente.

 

Como é que descreveria a linha editorial do Semanário Angolense?

O Semanário Angolense não se podia traduzir apenas na sua linha editorial, que é aquilo que podemos descrever como uma espécie de Constituição comum. O que diferenciava o SA dos outros jornais era a rapidez com que reagia aos acontecimentos e o facto de rejeitar tabus. Nós não tínhamos tabus. Aquilo que, do nosso ponto de vista, fosse verdade era para publicar.Doesse a quem doesse.


Fez muitos inimigos?

Não tenho receio de admitir que algumas pessoas não gostam de mim, por causa do meu exercício, do meu magistério. Mas não foi por minha vontade. Não há drama: eu também não gosto de algumas pessoas. Portanto, estamos empatados.


Havia quem criticasse o Semanário Angolense por eleger algumas pessoas para ‘bater’ permanentemente, às vezes sem lhes dar oportunidade para se defenderem. É verdade?

Não me lembro de nenhum caso em que o Semanário Angolense tivesse feito observações a respeito de uma entidade e que essa entidade tivesse respondido e as suas respostas não tivessem sido publicadas. Não me lembro e penso que não há nenhum caso desses. O problema é que, lamentavelmente, neste país o exercício da escrita é muito difícil para muitas pessoas.Para elas é muito mais fácil contratar um advogado para pôr o caso em tribunal do que sentar-se à mesa para responder por escrito a um jornal. Em relação ao SA é exactamente isso o que se passou na maior parte dos casos que foram parar a tribunal. Como não dominam a escrita, muitas pessoas procuram advogados para fazer isso por elas. No passado, ganhavam alguma notoriedade pelo facto de haverem levado o SA a tribunal. Já viu?


Referimo-nos ao princípio do contraditório. Era respeitado?

Elementar, meu amigo! O problema é que por medo, por preconceito, por razões políticas ou por não sei o quê, há pessoas que não aceitavam falar com o SA. Atenção: não estou a falar sem conhecimento de causa. Até mesmo governantes, meus amigos, nos últimos tempos evitavam falar comigo, mesmo ao telefone. Ora, se as pessoas não aceitam falar como exercer o princípio do contraditório?


A sua saída de cena representa também o fim dos processos judiciais?

Espero que agora não me persigam judicialmente apenas por ser angolano...


Sonha escrever um livro?

É como que obrigatório. Vou fazer isso, principalmente agora que tenho mais tempo.


Qual seria o tema?

Ainda não sei.


Escreveu no seu editorial que essa é altura para ir às suas origens descansar. Tem feito isso?

Tenho ido frequentemente à minha aldeia, onde gostaria de fazer uma horta e uma lavrazinha. Mas, lamentavelmente, isso pode não ser fácil porque o nosso Governo não quer adoptar uma política agrícola que encoraje os pequenos agricultores.

É que, apesar de anunciar que quer diversificar a economia, a verdade é que isso não passa de “blá blá”. Tenho andado um bocado por esse país e vejo que fazer agricultura não rende absolutamente nada. Primeiro é que ninguém compra absolutamente nada dos pequenos agricultores. O Governo construiu a rede do Nosso Super, que era suposto absorver pelo menos a pequena produção agrícola. Porém, quem frequente essas lojas verificará que lá não se encontram nem mandioca, nem feijão, ginguba, enfim, esses produtos que se encontram à mão de semear. Tal acontece porque as pessoas que decidem neste país preferem importar tudo isso do Brasil.Enquanto isso a nossa produção agrícola vai apodrecendo, porque o núcleo que toma as decisões neste país prefere continuar a privilegiar os seus bolsos.Repito: o que se passa com o Nosso Super é absolutamente revoltante. Às vezes nem sequer encontramos água mineral nacional. E, como sabem, temos aqui um monte de empresas angolanas a produzir este produto. É inaceitável. Isso não encoraja a produção nacional.


A não concretização deste sonho, de ter em Malanje um sítio para descansar, significa que dentro de cinco anos voltaremos a ter o Graça Campos a escrever?

Sabe que o jornalismo é como o desporto: é preciso praticar para se estar em forma. Na verdade já não estou muito animado para voltar ao jornalismo activo.


Então, o que vai fazer?

Por enquanto estou desempregado, mas tenho pensado no que fazer porque tenho que sustentar a família.


Se lhe oferecessem um emprego aceitaria?

É claro, preciso de trabalhar.


Em jornalismo?

Não sei. Tenho algumas reservas.


Tem algum órgão que gostaria de eleger?

Não me revejo em nenhum dos actuais jornais.No AGORA, Folha 8, Novo Jornal, O PAÍS e outros pode existir um lugar...No F8? A sabedoria popular diz que quem cai no mesmo buraco duas vezes é burro. E eu, juro-vos, não sou burro! Portanto, o F8 está fora de hipótese. O AGORA também está fora de hipótese.Idem para O PAÍS. Como não gosto de misturar carne com peixe também não iria para o Novo Jornal.


E no Jornal de Angola?

Só se fosse para ser director-geral para lhe mudar completamente a face e o conteúdo. Para colocar o Jornal de Angola ao serviço dos angolanos e não apenas de meia dúzia de pessoas, cujos rostos vemos todos os dias na primeira página.


Como é que vê hoje o jornalismo em Angola?

Vamos indo, vamos indo. Penso que em termos técnicos estamos mais avançados que em matéria de liberdade. Aliás, penso que, neste último domínio, temos vindo a regredir progressivamente.


Em 1990, o senhor não podia criticar um ministro ou quem quer que fosse, mas hoje pode. Não é verdade?

Não é verdade. Há três ou quatro anos tínhamos mais liberdade de imprensa. Os ministros falavam sem constrangimentos com os jornalistas.

Membros do Bureau Politico do MPLA iam aos copos com jornalistas. O próprio MPLA proporcionava, no seu restaurante XL, encontros diários entre os seus dirigentes e quem quisesse ir lá. Não havia restrições. Era lá que jornalistas como eu iam para cavaquear com diferentes pessoas. Dali sempre resultava muita informação. O MPLA acabou com tudo isso. Portanto...

Mas a problemática das fontes é quase que generalizada, mesmo para aqueles que trabalham em órgãos tidos como públicos...

Então estamos de acordo que há uma regressão. Pelo menos neste capítulo. Penso que não há nenhum esforço para a reversão dessa situação.Muito pelo contrário. Há hoje cada vez mais a convicção de que estamos a viver num estado semelhante a Cuba e Coreia do Norte, onde todos os cidadãos têm medo de falar ao telefone.E isso inclui até mesmo ministros, deputados, membros da direcção do MPLA e, inclusive, funcionários dos serviços secretos.


Mas o que se sabe é que não há uma orientação expressa sobre isso. Acredita?

 Eu ainda estava no Semanário Angolense quando pessoalmente procurei alguns responsáveis dos Serviços de Segurança para perguntar se tinham capacidade de vigiar toda a gente. O que se passou é que eles não queriam abrir o jogo. Isso quer dizer que os serviços de inteligência terão alguma instrução para manter o país sob este medo. Alguns xicos-espertos aproveitaram-se do episódio que envolveu o general Miala para manterem o país todo refém dos seus caprichos.Provavelmente, não é por acaso que vemos o Presidente da República permanentemente tolhido por um apertado cordão de segurança como que a sugerir que todos os angolanos querem o seu pescoço. É preciso acabar com esse carnaval.

O jornal que dirigiu fez muitas vezes manchete com matérias sobre o Presidente da República mas nunca sofreu essa pressão …


Porque é que acha que o Semanário Angolense depois passou a ser boicotado em termos de fontes de informação…? Mas trazia coisas, muitas informações que pareciam até íntimas. Porque?

Não me lembro de caso algum em que o Semanário Angolense tivesse invadido áreas de fórum íntimo. Agora, o que sempre se entendeu no SA é que as figuras públicas correm riscos. Não é verdade? Uma figura pública que seja surpreendida a mangonhar na ilha é ou não notícia?

 

A passagem pela cadeia, há três anos, na sequência do processo movido pelo actual provedor de Justiça, Paulo Tjipilika, mudou alguma coisa em si?

Foi um episódio que me marcou bastante. Primeiro porque eu desconhecia em absoluto que estivesse a tramitar em tribunal um processo movido pelo Sr. Tjipilika. Depois, porque quando cheguei lá, ao tribunal, foi-me dada voz de prisão.Terceiro, porque 30 dias depois o Tribunal Supremo anulou a sentença do tribunal de primeira instância por óbvias e flagrantes irregularidades.Acha que isso não deixa marcas? E estamos a falar de cadeias onde não se dá o mínimo respeito ao ser humano. Enfim, se a cadeia deixou marcas? Foi dos episódios mais amargos da minha vida.


Ganhou muita coisa com o jornalismo?

Sim. Muitos amigos e alguns, poucos, felizmente, inimigos. Mas ganhei notoriedade. Porém, na frente material perdi completamente a batalha. Essa informação deve seguramente tranquilizar alguns invejosos que andam por aí...


Já pode pensar na sua reforma mesmo sem a pensão da Angop, onde trabalhou também?

Gostaria de arrumar os papéis se você me pudesse dizer onde devo reclamar essa reforma: na ANGOP, Jornal de Angola ou nas FAPLA? O problema é que não sei se alguém ma vai dar.


Qual é o maior ganho que o jornalismo lhe deu?

 Acho que é a notoriedade. Sou o caçula dos meus irmãos, vim de um kimbo chamado Kifukussa, em Malanje, e na família, hoje, provavelmente, sou a pessoa mais conhecida.Mas permita que lhe diga já que isso é apenas fama sem proveito.

 

Depois de ter escrito o último editorial não teve feed-back de alguns leitores?

Fiquei preocupado e perturbado porque depois de ter escrito o último editorial aquela edição do Semanário Angolense praticamente não se vendeu. Os principais ardinas recusaram-se a vender aquela edição. Isso perturbou-me muito. Eu sou completamente avesso à ideia de que as instituições, os países dependem dos seus líderes circunstanciais.Eu não gostei que tivesse sido assim.Por isso, tentarei ajudar os meus camaradas que ficaram a convencer os leitores de que o SA está acima do Graça Campos.


Há pessoas que corporizam as instituições, como foi o caso do senhor no Semanário Angolense. É contra isso?

Já lhe respondi. Por essa mesma razão é que discordo em absoluto da mensagem que o MPLA tem se esforçado por transmitir a este país segundo a qual Angola mergulharia no mais completo dilúvio se o Presidente José Eduardo dos Santos tomasse a decisão de estar mais tempo com a família. Em 1979, com a morte de Agostinho Neto, também se transmitiu a ideia de que o país soçobraria. A verdade é que 30 anos depois estamos aqui bem rijos. Em suma: o SA só claudicará se os seus novos donos quiserem. Nunca o será por o Graça Campos ter saído.


Se o convidassem para leccionar e transmitir a sua experiência técnica aceitaria?

Nunca leccionei. Mesmo que tentasse não sei se seria bem sucedido.Tenho dificuldades de falar para o público. É uma experiência que nunca tive. Acho que posso dar palestras, mas não me vejo com cara para leccionar uma cadeira específica.Não tenho formação neste sentido.Não tenho o que esconder.


Qual é o cenário que antevê para a comunicação social?

Estão a aparecer os monopólios e depois virão os oligopólios.

 

Não acha que surgiram muitos semanários e não havia espaços para todos?

Eu me pergunto: semanários como o Independente e o Factual surgiram porquê e estão aí para quê? Ainda por cima pagam melhor que os outros semanários. Quem é que os pôs no mercado? Isso numa economia sadia não podia acontecer.Quem sustenta estes jornais está a deitar dinheiro fora. Por conseguinte, o problema é saber por que razão algumas entidades estão apostadas em saturar o mercado, injectandolhe títulos que não têm a menor serventia.


Nunca pensou na fusão do Semanário Angolense com um outro jornal para dar maior rentabilidade ao projecto?

Já pensei. E o jornal com o qual mais me identificava era A Capital, mas o nosso problema é que a folha salarial iria aumentar. Iríamos pagar com o quê? Se dependesse exclusivamente de mim faríamos uma fusão com A Capital para, depois, evoluirmos para um diário.


Porque acha que o Semanário Angolense teve muito sucesso?

Porque o jornal diferenciou-se dos outros por causa da sua irreverência. Acho que é isso que está a faltar ao nosso jornalismo. O Semanário Angolense não tinha nenhum tutor que impusesse limites. Mas hoje os jornais têm donos e com eles vieram os limites.


Mas essa irreverência significava muitos processos judiciais?

A determinado momento isso até começou a dar-me algum gozo. É que já eram os próprios investigadores da DNIC a dizer que sentiam a minha falta e outros disponibilizavam imediatamente as suas cadeiras para eu me sentar. Portanto, havia já uma espécie de cumplicidade entre nós. Quase todos eles estavam solidários comigo porque achavam que os processos que me eram movidos não tinham fundamentos.


Quem foram os seus tutores enquanto principiante de jornalismo?

Fui para o jornalismo por acidente. Era aprendiz de electricista na Edipesca. Um dia, o meu amigo Anastácio de Brito, o glorioso Nachinho, que já trabalhava na Angop, desafiou-me para um teste de admissão de jornalistas. Fui lá e rebentei aquilo. No dia seguinte chamaram-me e fui integrado. Os meus primeiros mestres foram mesmo o próprio Nachinho, o Adelino Marques de Almeida, o José Caetano, o José Ribeiro, o Passy, a Ana Paula Santana, o Joseph Mputo, o Chico Alexandre, a arquitecta Fernanda, o José Chimuco, enfim. Estes eram os ‹mais velhos› que encontrei. À cabeça deles estava o José de Oliveira.


Como é que foi a passagem pelo Jornal Desportivo Militar (JDM)?

A passagem pelo JDM era um expediente para contornar o serviço militar obrigatório. Naquela altura, quem estivesse ao serviço do jornal tinha a protecção do general Ndalu.Mas eu não consegui evitar a tropa.Fui mesmo enquadrado. Mas a passagem pelo JDM foi dos mais felizes episódios que experimentei na vida. Aquilo era fogo. Foi dos primeiros exercícios democráticos na imprensa angolana. Eu, o Gustavo Costa, Victor Silva, Severino Carlos, Silva Candembo, o falecido Alexandre Gourgel, o Luís Costa, o Ramos, e muitos outros, posso dizê-lo, já fizemos coisas bonitas neste país. Enchia-nos de orgulho saber que os 25 mil exemplares que tirávamos esgotavam em poucos instantes.


Passou depois pelo Folha 8.

Fui um dos fundadores com o Willian Tonet. Depois afastei-me porque o projecto passou a seguir um rumo diverso do que tínhamos escolhido. Fiquei desempregado até 1997, altura em que criamos o Angolense.


Acha que deu um grande contributo para o jornalismo angolano?

Penso que fiz a minha parte. Fiz alguma coisa por este país. Sinto que os meus filhos, a minha mulher, os ardinas e outras pessoas não estão desagrados com o que fiz.Muito pelo contrário. Na rua sou permanentemente abordado por ardinas que me perguntam sobre quando voltarei. Portanto, em termos de consciência estou tranquilo.Só tenho pena é que não tenha conseguido dar alguma estabilidade material à minha família. Mas, retomando a sua pergunta, direi que tentei corresponder com o que me foi pedido. Fiz a minha parte na tropa, fui editorialista na Angop – muitos dos editoriais que eram lidos pela RNA às 13 horas foram escritos por mim. Enfim, penso que não estou em dívida com o meu país.


*Dani Costa e Teixeira Cândido