Portugal - O destino podia ter-nos colocado noutras paragens deste maravilhoso planeta. Mas não. Caprichosamente fez-nos despertar para vida atirando-nos para este precioso recanto chamado Angola. E o tempo ensinou-nos a amar este abençoado pedaço de terra.

 

Fonte: angolainterrogada.blogspot.com/

 

Mas, não tem sido fácil amar este terra que há 500 anos é palco de acesas lutas políticas, raciais, étnicas e socioculturais. Não tem sido fácil amar esta terra cujos filhos há séculos que têm sido incapazes de conciliar os diferentes grupos raciais, étnicos, políticos e socioculturais em torno de um projecto comum.


Não tem sido fácil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde os «civilizados» desprezam os «gentios». Onde os ditos «genuínos» hostilizam os «crioulos». Onde os negristas acham que os brancos e mulatos não podem ser angolanos. Onde os colonos racistas nunca conceberam uma Angola com «pretos». Onde os de pele mais clara julgam que têm primazia sobre os mais escuros.

 

É difícil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde alguns advogam que Angola é Luanda e o resto é paisagem. Onde muitos acham que os kimbundos são os mais «evoluídos» e estão acima dos outros grupos étnicos. Onde os «puros mangolês» hostilizam os bakongos, a quem apelidam de «zairenses». Onde os Cabindas não querem nada com os «angolanos». Onde os rurais não vêem as vantagens da angolanidade e continuam a espera da «independência». Onde os do Cunene acham que, enquanto angolanos, muito têm perdido. Onde os chamados «das províncias» acham-se marginalizados como angolanos.

 

É difícil erguer a paz e a reconciliação numa terra regada de sangue e coberta de ódios, mágoas e ressentimentos. É difícil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde os colonos exploraram, humilharam e aniquilaram os africanos em nome da «Angola Portuguesa». Onde os africanos mataram, humilharam e hostilizaram os angolanos de origem portuguesa em nome da «Angola Independente». Onde os angolanos do MPLA abateram outros angolanos em nome de todos os angolanos. Onde os angolanos da UNITA chacinaram outros angolanos em nome da «Angola profunda». E onde muitos já não querem ser angolanos nem saber de Angola.

 


E o que mais dói, no meio de tudo isto, é vermos que, apesar das duras lições das guerras, continuamos prepotentes, fanáticos, intolerantes e de coração duro, persistindo nos mesmos erros que naufragaram o País e conservando os mesmos vícios que estagnaram a nossa promissora Pátria.

 

E com isso continuamos a perder tempo e a atrasar o País, desperdiçando, assim, a soberana ocasião de recolocar Angola na digna rota do progresso e do desenvolvimento.

 

E a dura realidade é que a vida é breve e não temos toda a eternidade para continuarmos a espera de uma Angola unida, fraterna, pacífica e próspera que tarda a chegar. É como diz o Salmista: “Os dias da nossa vida andam pelos setenta anos e, se robustos, por uns oitenta/ A maior parte são trabalho e desilusão/, passam depressa e nós partimos”.

 

Por isso, é hoje, aqui e agora que devemos empenhar-nos na «invenção» de um modelo de Estado que seja capaz de unir e conciliar os angolanos, corrigir as profundas desigualdades socioeconómicas, edificar a desejável paz duradoura e evitar o germinar contínuo e insufocável de revoltas e rebeliões.

 

Não adianta insistirmos em alimentar vãs grandezas e ilusórias vaidades. Estamos todos de passagem. Mais tempo, menos tempo acabaremos todos por deixar este abençoado pedaço de terra. E nesta fugaz peregrinação terrena em vez de unirmos forças na construção da Angola que sempre sonhamos, andamos todos a odiar-nos, a atropelar-nos e a guerrearmo-nos por futilidades e bens passageiros.

 

Mas, para quê? Se a nossa imensa pátria tem espaço para todos os seus filhos! Se os recursos de Angola chegam e sobram para todos os angolanos! Porquê tanta ganância! Porquê tanta arrogância e prepotência! Porquê tanta fadiga nas disputas pelo poder absoluto! Para quê este insaciável desejo de acumular riquezas a ponto de se deixar os outros na indigência extrema!

 

Como bem sentenciou o Sábio Salomão, “ninguém é senhor do seu sopro de vida, nem é capaz de a conservar. Ninguém tem poder sobre o dia da sua morte nem faculdade de afastar esse combate” (ECLESIASTES 8, 8). Por isso, quando chegar a hora de deixarmos este mundo de nada nos valerá termos sido poderosos a ponto de, num simples gesto, decidirmos a vida e a morte dos que estão sob o nosso poder e domínio. De nada nos valerá a nossa condição social, o nosso poder e influência bem como a importância dos nossos poderosos familiares! De nada nos valerá a esbelta cor da nossa pele, a pureza da nossa religião, a força da nossa etnia nem a supremacia do nosso partido. Porque “para todos a entrada da vida é mesma e a partida semelhante” (SABEDORIA 7, 6).

 

O que vai importar é a gratificante recompensa de sermos amados e respeitados pelo facto de termos dedicado os breves anos da nossa vida semeando o amor, fazendo o bem, lutando pelo bem-estar daqueles que amamos, contribuindo para progresso do País que tanto amamos e vivendo em comunhão com os interesses dos compatriotas, preocupando-nos, activamente, em saber da sua existência, dos seus problemas, das suas aspirações, das suas alegrias e dos seus sofrimentos.

 

O que vai valer é a consoladora certeza de termos partido deste mundo deixando para as gerações vindouras um país onde reina a paz, a harmonia e a prosperidade. O que vai importar é a feliz alegria de partirmos deste mundo deixando uma terra capaz de ser orgulhosamente amada pelos nossos filhos, netos e bisnetos.

 


Mas os que amam este abençoado pedaço de terra não têm tido a sorte de morrerem tranquilos e felizes. É que a segurança e a integridade física das pessoas que muito amam e a salvaguarda dos bens que conquistaram com muitos sacrifícios nunca estarão garantidas numa sociedade onde imperam o abuso de poder, as lutas do prestígio e do predomínio, a cultura do medo, a dominação de uns pelos outros, a férrea imposição de ideias, as medidas arbitrárias, as situações de miséria, as desigualdades socioeconómicas, a degradação dos valores, etc., etc.


O futuro tranquilo dos nossos filhos, netos e bisnetos nunca estará garantido numa sociedade que promove os elitismos sociais e políticos. Numa sociedade onde a filiação partidária e a cor da pele continuam a ser preponderante na definição do angolano e no usufruto das benesses da angolanidade. Numa sociedade que mantém muito bem afinados os instrumentos de «pessoalização» do poder, de monopolização dos cargos públicos, de apropriação dos bens públicos e de desfalques dos cofres do Estado. Numa sociedade onde a pobreza extrema convive lado a lado com a riqueza ostensiva. Numa sociedade que promove o egoísmo, a ganância, a fraude, a corrupção, o lucro desonesto, a impunidade e outras vergonhosas imoralidades.

 

*José Maria Huambo