Luanda - Entre as inúmeras histórias que se entrelaçam na memória da nossa revolução, algumas delas são marcadas pelos sacrifícios de homens e mulheres que arriscavam as suas vidas pela causa da UNITA. São essas histórias que ecoam no silêncio do tempo, mas nunca devem ser esquecidas.
Fonte: Club-k.net
Quando, em Março, fui indicado para integrar uma comitiva da Ovip-LMS – Organização Virtual Instituto Polivalente Loth Malheiro Savimbi – para participar da "Chama do Guerrilheiro", em celebração aos 58 anos da UNITA, alguma coisa me dizia, no fundo do coração, que algo de especial estaria para acontecer naquela bela tarde. Desde já, agradeço o convite do Secretário para a Organização do Partido, Hélder Santos.
Chegámos cedo a Sovsmo, o que permitiu que, antes do início do evento, houvesse tempo para interagir com o pessoal já presente no local e com aqueles que iam chegando. Tiramos selfies, puxámos conversas, ouvimos histórias do tempo de guerra e matámos saudades. O ambiente estava animado, como se tivéssemos voltado no tempo da revolução, antes da assinatura da paz de 1991. Realmente foi uma tarde repleta de emoções e lembranças. Cada história que ouvi parecia digna de compor um livro de contos. Contos reais, vividos na carne e no osso pelas suas personagens. Entre as várias histórias comoventes, contadas por ex-combatentes das extintas FALA, uma em particular tocou-me profundamente.
Aconteceu no ano de 1983. Foi assim: um oficial das FALA, na altura a residir na Jamba, recebeu uma orientação do General de Exército e Alto-Comandante das FALA, o Dr. Jonas Malheiro Savimbi, por intermédio do então Comissário Político Militar, General Satchipengo Nunda, para se deslocar para uma das Regiões Militares ao norte do Caminho de Ferro de Benguela – se a memória não me falha.
O referido Oficial achou por bem levar consigo a sua querida esposa e o belo bebé recém-nascido. Partiram de Unimog. Naquela altura, por questões de segurança, era preferível viajar na calada da noite ou de madrugada. Infelizmente era tempo de cacimbo, e na chana do Luiana as temperaturas quase chegavam próximo do zero.
Apesar de terem agasalhado devidamente o bebé, não resistiu às baixas temperaturas. Os pais só se aperceberam ao chegarem à Mbembwa – principal Centro de Formação de Quadros Políticos do Partido, conhecido como Centro de Estudos Comandante Kapesi Kafundanga – CECKK. O enfermeiro local fez todas as manobras de reanimação, mas, para tristeza de todos, foi confirmado o óbito.
A missão tinha de continuar. A responsabilidade pelo sepultamento foi confiada a um oficial que era professor de topografia no CECKK. Segundo esse mesmo oficial e professor, o bebé foi o primeiro a ser sepultado no cemitério local.
Após essa revelação, o destemido comandante e pai do bebé recém-nascido tomou a palavra. Visivelmente emocionado olhou lentamente para o céu – e eu acompanhei-lhe o olhar; pareceu-me que ele estivesse a ver, no seu imaginário, o recém-nascido a dormir ao colo da sua mãe durante a fatídica viagem ao atravessarem a chana do Luiana. Acto contínuo, concentrou-se no pessoal que o escutava atentamente e disse: "Foi um momento muito duro, principalmente para a minha esposa! Eu, como militar, aprendi a colocar a Pátria em primeiro lugar. Deixei a responsabilidade de enterrar o nosso bebé com..." – apenas indicou com a mão esquerda, na direcção do peito do antigo professor do CECKK – que, por sua vez, confirmou apenas com um balançar da cabeça. Depois, o oficial, que agora é Brigadeiro na reforma, … (continua no livro...)
Voltarei…
Benguela, 10 de Outubro de 2024
Gerson Prata