Luanda - SOBRE OS ACONTECIMENTOS DE LUANDA, DE 31 DE OUTUBRO, 1,2 3 NOVEMBRO DE 1992, CONVIDO-VOS LER ALGUNS TRECHOS DO LIVRO “ANGOLA: EM NOME DA ESPERANÇA” DA DRA FÁTIMA ROQUE (I) «AS TRÊS DATAS QUE ABALARAM ANGOLA.
Fonte: Club-k.net
Em 17 de Outubro de 1992 foram ratificados os resultados eleitorais das primeiras eleições em Angola apesar da contestação de sete partidos da oposição e cinco candidatos presidenciais, da exigência de transparência de quinze dos dezoito partidos políticos, e da apresentação pública de relatórios elaborados e assinados pela UNAVEM II, Conselhos Provinciais Eleitorais e UNITA. Esses relatórios demonstravam, no mínimo, a necessidade de ser feita uma investigação exaustiva do processo eleitoral.
Em 22 de Outubro de 1992 começaram em Luanda as negociações bipartidárias, entre o Governo de Angola e a UNITA apesar do desânimo da oposição e pouca fé da UNITA na vontade do governo negociar com seriedade.
Em 31 de Outubro de 1992 tiveram início os massacres em Luanda – apesar de as duas delegações negociais terem boas perspectivas de terminar, na sessão que começaria às 4:00 da tarde, a discussão e aprovação do documento-síntese de resolução do contencioso politico-eleitoral, e da presença em Luanda dos Observadores de Bicesse, da Representante Especial da ONU, da UNAVEM II, de vários Embaixadores Africanos e da Comunidade Europeia, e inúmeros jornalistas estrangeiros.
O INÍCIO «OFICIAL» DOS MASSACRES EM LUANDA
Um dos generais da UNITA que fazia parte da delegação militar às negociações bipartidárias, depois de terminada a sessão da manhã da reunião na Comissão Conjunta Político-Militar (CCPM), dirigiu-se ao Quartel Comandante Economia, perto do aeroporto. Este Quartel tinha sido cedido pelo governo para a instalação dos efectivos das FALA/UNITA que integrariam as Forças Armadas Angolanas (FAA). Estavam aqui também militares das FAPLA/MPLA. Este general juntamente com os seus dois seguranças, foi preso antes de chegar ao Quartel Comandante Economia. Foram os três transportados num carro da polícia para o Comando Provincial, que ficava ao lado do hotel Turismo. Ora, logo que se aproximaram do Turismo – onde o general vivia e era conhecido – saltaram do carro da polícia e correram em direcção aos seguranças da UNITA que estavam em frente do hotel Turismo. Os polícias, os que iam no carro e os que estavam no Comando Provincial, abriram fogo em direcção ao general e seus homens. Os militares da UNITA ripostaram, e foi assim que “oficialmente” começou o castigo que o Governo de Angola deu a milhares de angolanos. O barulho do fogo era ensurdecedor. Eu estava a entrar na sala do hotel Tivoli para almoçar, quando o tiroteio começou. E era, ou parecia, tão perto que dava a sensação de estar mesmo por cima da nossa cabeça. Parecia o fim do mundo. Este, de facto, tinha começado para muitos de nós.
As inúmeras provocações feitas pela polícia de emergência e outras forças governamentais, à UNITA, nesses últimos dias de negociações em Outubro, tinham como objectivo primeiro arranjar uma justificação que pudesse facilmente ser voltada contra a UNITA – para o início da limpeza da cidade. Aconteceu ser a prisão de um general por polícias como podia ter sido a manifestação que não se realizou ou a destruição de mais comités de bairro ou …ou… Que importava o motivo!
Estava programado o início dos massacres para as 2H00 da tarde e qualquer motivo era bom. Os observadores encarregar-se-iam de o tornar credível.
A LIMPEZA ÉTNICA DE NOVEMBRO
Por volta das 2H00 da tarde desse dia 31 de Outubro as forças especiais do Governo de Angola começaram o extermínio cirúrgico da oposição em Luanda. Dirigentes da UNITA – incluindo o vice-presidente Jeremias Kalandula Chitunda, o chefe da Representação da UNITA na CCPM Elias Salupeto Pena e o Secretário Geral Adolosi Mango Paulo Alicerces – foram brutalmente assassinados tendo sido os dois últimos capturados vivos e torturados.
Milhares de simpatizantes e militantes da UNITA foram mortos, queimados em contentores, enterrados semi-vivos em valas ou abatidos nas ruas. Mais de 2 mil quadros e simpatizantes foram presos incluindo várias centenas de mulheres e crianças.
Dirigentes e simpatizantes de outros partidos da oposição nomeadamente daqueles que ao lado da UNITA denunciaram as irregularidades do processo eleitoral – passaram também alguns dias bastante difíceis: foram colocados sob custódia do governo ou espancados e protegidos pelas forças especiais nas prisões.
As milícias populares, armadas para o efeito pelo governo, começaram então uma campanha sistemática de limpeza étnica contra os Ovimbundus e Bakongos e uma caça ao homem da UNITA.
Estimativas, segundo as igrejas angolanas, de mortos só em Luanda vão dos 15 mil a 20 mil. Na mesma altura, mais de 4 mil foram massacrados em Malanje, Icolo e Bengo e Viana.
Em Malanje, segundo relatos que ouvi depois de ter saído de Luanda, a perseguição à UNITA atingiu limites de tal selvajaria e crueldade que custa acreditar. Os ganchos do talho foram usados para pendurar as pessoas que eram esquartejadas antes de morrer. Rezo a Deus para não seja verdade, caso contrário, o perdão será difícil e a reconciliação voluntária e sem rancor entre os angolanos não passará de uma miragem sem significado – pelo menos nesta geração. A história integral e pormenorizada da tentativa de eliminação física total da UNITA em Luanda, terá de ser escrita um dia, não para que os nossos filhos conheçam o rosto dos heróis e o nome dos carrascos, mas para que possam dar o verdadeiro valor à vivência em paz e sem rancor.
A resistência feita no Motel, no Turismo, em Miramar, na delegação provincial, no Secretariado Geral, em casas … foi um verdadeiro hino à vontade de viver. Só quem queria muito viver podia ter aquentado tanto. A fuga das mulheres, das crianças, dos jovens, dos velhos – das várias instalações onde se haviam protegido em direcção aos bairros à procura de refugio foi impressionante. Os muitos que morreram, sucumbiram perante o poderio de abate inimaginável usado pelo governo contra civis em Luanda e perante o silêncio cúmplice daqueles que nos podiam ter ajudado. Muitos só saíram para as ruas quando já estavam rodeados de dezenas de mortos, e as paredes que os protegiam tinham mais buracos que uma paneira. Eram às centenas com T-shirts e panos da UNITA. A fuga era a última esperança.
Nunca esquecerei o velho Chimbili que teve uma morte horrível, apesar de ser de Luanda tenha cometido o crime máximo – era da UNITA. Quando a sua casa foi atacada tentou resistir lá dentro, por não querer abandonar aquilo que ele tanto prezava: o lar. Este representava muito para aqueles a quem a vida tão pouco tinha dado. Ouvi-o através da rádio a falar com Salupeto Pena antes de ser crivado de balas a tentar saltar o muro de sua casa. Salupeto tinha finalmente convencido aquele velho de tanta dignidade, a fugir para salvar a vida. Foi tarde demais, a sua hora tinha chegado. Os seus dois filhos mais velhos foram levados do Turismo para a prisão do RI 20».