Luanda - Em Angola, a problemática dos assentamentos populacionais não estruturados continua a ser um sério problema que condiciona o alcance de uma vida digna para a maior parte das famílias. A comunidade, sendo o bairro ou aldeia, é, na verdade, o ponto de partida e chegada de todos. É no bairro onde se desenvolvem as relações entre as pessoas e cada cidadão ou família organiza o seu espaço de conforto e bem-estar.

Fonte: Club-k.net

Assim sendo, a tarefa de estruturar e organizar as comunidades deve estar no topo das prioridades na agenda de quem governa ou almeja fazê-lo, considerando as promessas da melhoria da vida que são feitas ao cidadão.


Os bairros sub-urbanos, vulgarmente chamados musseques, não nos orgulhavam no período da dominação colonial portuguesa, simbolizando a descriminação dos povos nativos, dos angolanos, pelas condições precárias de habitabilidade.


No período pós-independência, a situação da guerra fomentou o êxodo da população para os centros urbanos, agravando ainda mais a precariedade dos bairros periféricos nas vilas e cidades, com o aumento das construções desordenadas e sem qualidade. Actualmente, todas as cidades e vilas de Angola são circundados por bairros de construções desordenadas, onde vivem populares com todo tipo de dificuldades desde as vias de difícil acesso, a falta de água potável canalizada, a falta de sistemas de saneamento básico, escolas, principalmente do ciclo primário, postos de saúde, etc.


Desde o fim da guerra em 2002, as autoridades governativas têm promovido a construção de projectos habitacionais em todo o país. Foram já construídas em quase todas as províncias, vilas residências chamadas de centralidades e bairros de habitações sociais, contudo, esperava-se que ao se construir os novos assentamentos, os bairros de construção precária fossem progressivamente requalificados ou destruídos, usando os espaços para se erguer projectos habitacionais melhor estruturados, com o concurso do sector imobiliário privado, considerando que, grande parte destes bairros ocupam espaços de localização privilegiada, podendo atrair facilmente o interesse de investidores.


Houve também a emergência de bairros de auto-construção dirigida com o loteamento de terrenos e o traçado urbano feitos pelas autoridades e os populares construíram as residências conforme as suas possibilidades, contudo, quase todos os bairros não têm fornecimento de água canalizada, as ruas são degradadas, reconhecendo-se avanços no fornecimento de electricidade.


Para premiar o esforço empreendido pelos populares na construção de suas residências, as autoridades governativas deveriam prestar maior atenção aos bairros auto construídos investindo na pavimentação das ruas e vias de acesso, canalização de água, infraestruturas de saneamento básico, escolas, centros de saúde e outros equipamentos necessários, melhorando as condições de habitabilidade e encorajando outros populares a empreender para a construção de suas casas.


Devia-se igualmente viabilizar a legalização das propriedades dos cidadãos, principalmente as residências, simplificando os procedimentos e fazendo campanhas para o efeito. Com a legalização todos ganham, incluindo o estado que pode ver aumentadas suas receitas tributárias com a cobrança do Imposto Predial Urbano (IPU).
A construção futura de novos projectos residenciais deveria visar a evacuação de bairros de construção precária e construções em zonas de risco, ou seja, alojar sem custos as famílias em novas casas, confiscando a sua antiga casa que seria demolida, esses novos espaços a serem libertados seriam reestruturados e destinados a construção de novos projectos habitacionais, industriais ou outros. Comercializar liberalmente as residências de novos projectos habitacionais não tem trazido alterações qualitativas na dinâmica habitacional porque grande parte dessas residências são aquiridas por pessoas que já estão, de alguma maneira, alojadas, propiciando a acumulação de património pelas mesmas pessoas no âmbito da cultura nepótica que tem prosperado entre nós.


As nossas cidades teriam, certamente, dado grande passo em direcção a organização urbana se as residências das centralidades já construídas como o Kilamba, Sequele, Vida Pacifica, em Luanda e outras no Huambo, Lubango, Kuito, etc, tivessem sido usadas para alojar moradores de bairros mal estruturados nestas cidades, na senda da estratégia que explicamos acima.


A primazia dada aos investimentos em projectos estruturantes do país como a construção de barragens eléctricas, estradas, aeroportos, pontes, hospitais, escolas, etc, é correcta mas, é nossa opinião que, a melhoria das condições de habitabilidade da população não deve esperar que todos os outros projectos sejam concluidos, deve-se harmonizar as prioridades.


Outro aspecto importante que se deve prestar a atenção e começar-se a corrigir, é a questão estética das construções que se permitem fazer. Não existem padrões de qualidades exigidos, as construções são feitas com base nas condições materiais e base cultural do seu promotor, daí encontrarmos grande diversidade de padrões estéticos, sendo que, muitas das estruturas que ocupam a faixa frontal das grandes avenidas caraterizam o total descaso sobre a organização urbana, são armazéns comerciais, lojas, oficinas e todo tipo de edifícios construídos sem orientação.


A desordem das nossas comunidades não nos dignifica e não se deve constituir em nossa sina, condições de habitabilidade que criticamos e rejeitamos no período colonial não devem ser aceites e normalizadas hoje, é importante que se assuma abertamente e com coragem o combate aos musseques e qualquer tipo de construção desordenada, alterações qualitativas nos nossos bairros terão o seu preço, deve-se aceitar pagá-lo, ser necessário demolir casas ou outro tipo de estruturas para abrir valas de drenagem, rua ou libertar espaço para um parque de diversão, deve ser feito, contudo, é muito importante que se encontre formas mais adequadas de negociar a expropriação de espaços, preferencialmente não envolvendo compensações financeiras, pois, os projectos ficam demasiados onerosos devido aos vícios que se estabelecem em processos desta natureza.


Vamos nos desafiar em alterar positivamente a realidade das nossas comunidades para que possamos viver com a merecida dignidade e sejamos dignos de receber visitantes de todo o mundo.


Luanda, 1-11-2024
Miguel Safo